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THE BOOK OF NEGROES

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 por Tainá Almeida

Fonte: CBC 
     Ainda na década de 90, ou o famoso "desde que eu me conheço por gente", comecei com Nikita e Buffy, só que Deus é mais e hoje eu estou vendo seriados melhores (em outro momento venho contar ;) ). Nos últimos tempos a moda pegou, parece que os seriados vieram para dominar o cenário atual. Só se fala em séries, Netflix e no tanto que nossa geração está viciada nisso.
     Eu, como amante de ~viciada em~ seriados sempre tenho uma lista do que eu quero/preciso assistir. Desde o ano passado eu estou doente por uma série linda que apareceu como quem surge do nada "The Book of Negroes". Não tem em nenhum canal brasileiro, não tem nada indicando que essa série passará, mas descobri que tem um canal no Youtube que disponibiliza




      O livro e o seriado têm como plano de fundo a Guerra da Independência Americana e "The Book of Negroes" é um documento real onde foram anotados os nomes de mais de 3 mil pessoas negras que migraram para Nova Escócia como pessoas livre depois de ultrapassarem as barreiras britânicas e da promessa de ficarem no lado britânico durante a guerra.
        O documento "The Book of Negroes" tem duas versões, uma britânica com o mesmo nome que está em Kew, Londres; e uma versão americana chamada The Black Loyalist Directory: African Americans in Exile After the American Revolution (1996) (O Diretório dos Lealistas Negros: Afro Americanos em Exílio após a Revolução Americana), editada por Graham Russell Hodges, Susan Hawkes Cook e Alan Edward Brown em Washington.
        Sabendo que essa é uma história da época de escravização, já cheguem na preparação de choro livre. Já no primeiro episódio eu já chorei como uma bezerra desmamada. O seriado de seis capítulos conta a história das pessoas escravizadas nos Estados Unidos que migraram para o Canadá como homens e mulheres livres, por apoiarem os britânicos na guerra. Surpreenda-se com as imagens de África na tribo da jovem Aminata Diallo, interpretada por Shailyn Pierre-Dixon, onde ela era preparada pelos pais para ser grande! 
(Ative as legendas e a tradução automática para o português).


      Depois Aminata perde tudo, a tribo, seus pais e sua liberdade, mas não perde a si mesma. E vê o amor nascer de uma rocha! Chekura Tiano, gravem esse nome!

E esse rosto! 
       A história de Aminata deveria ser só isso, mas ela não permite. Ela é letrada, inteligente, 'pega' bebês, é uma contadora de histórias e forte. Aminata passa por muitas coisas para conquistar o que deseja, voltar para sua terra natal, promessa que ela faz ainda menina. Quando Aminata começa a escrever The book of Negroes, ela vê a possibilidade de mais uma vez conquistar seus objetivos. Aminata adulta é a maravilhosa Aunjanue L. Ellis. Todos os corações do mundo pra ela. 

Fonte: Emmys
"Meu trabalho era entrevistar os negros e repetir as respostas aos oficiais. Vi pessoas vindas de lugares que nunca ouvira antes. Alguns, eu não conseguia entender, mas fui capaz de coletar informações da maioria, e pude explicar-lhes o que estava escrito nas passagens que recebiam. A sala era lotada e quente, e os dias, longos. Mas, embora estivesse ansiosa para voltar aos braços de Chekura, eu adorava minha nova ocupação. Sentia que dava algo especial para os negros que buscavam refúgio na Nova Escócia, e que eles me davam algo especial. Diziam-me que eu não estava sozinha."

       Para não ficar mais longo e para eu saber que apenas darei um spoiler, falarei o que eu acho mais importante (mentira, eu queria contar tudo). Aminata Diallo começa se apresentando, nome completo, nome do pai e a profissão, nome da mãe e a profissão. Aminata depois explica que é assim que uma contadora de histórias começa a contar sua história, pois só se sabe para onde vai, sabendo de onde vem.
"Como falei, sou Aminata Diallo, filha de Mamadu Diallo e Sira Kulibali...Creio que nasci em 1745, ou por aí. E estou escrevendo este relato. Todo ele."
       Olha nossa ancestralidade aí sendo clamada! Ela é incrível, o nome tem um peso tão grande que depois de sequestrada Aminata e Chekura protagonizam uma das cenas mais lindas, quando um diz o nome do outro, um celebra a ascendência do outro, um celebra a descendência do outro, um amor como poucos. E já adianto que a história desses dois é de muito amor e muita dor.
“Ela me perguntou por que eu era tão negra. Eu lhe perguntei por que ela era tão branca.”

     Esse é um post desejoso de que esse seriado de 6 capítulos seja liberado para que possamos chorar por aqui também. Quem sabe a Netflix não compra, aí poderíamos ser mais felizes em nossas maratonas. ;) 

SOBRE A NÃO ROMANTIZAÇÃO DO MEU CORPO NEGRO

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por Lais Reverte

Foto: Acervo pessoal
      Há um tempo, vi uma entrevista onde um casal falava de como iniciou-se a relação. Ela dizia: "uma noite estava em casa conversando no celular com ele e contei que estava lendo um livro, assim que eu desliguei, ele procurou o livro na internet pra ler durante a madrugada e poder conversar comigo no outro dia sobre". Ele então olhou pra ela e disse: "sim, eu fiz isso, tinha que ter um argumento para falar com ela no outro dia, né?". Ela conclui: "foi aí que ele me conquistou".
      Conquista -  con.quis.ta (sub.fem.): ação de lutar para se obter o que se quer; o que se obtém através de esforço ou trabalho.¹ Inicio aqui esse texto, após essas duas referências basais, para chegar onde desejo. Venho há meses pensando em como formular tudo o que preciso dizer, sem parecer vitimista e nem universal. Então entendam esse texto como um testemunho, um desabafo. Já me convenci de que o romance romântico, novelístico, comercial, não é feito para a realidade. É cansativo ver o tanto de mana preta, branca, binária ou não, cis ou trans, tendo a mesma reclamação da inexistência dos "príncipes em cavalo branco". Deixo isso exposto para não entenderem que o  que venho falar não tem relação apenas com o amor romântico.
      Indo de encontro as minhas experiências, inclusive das mais recentes, chego a fatídica verdade que não para de martelar a minha mente: meu corpo preto não foi feito para ser romantizado, muito menos amado. Cresci vendo que a opção primária, sem subjugação, sem escolhas de outrem, não são minha realidade. Qualquer, digo QUALQUER, decisão que por mim venha a ser tomada sempre passa por uma série de aprovações e desaprovações prévias, inclusive a possibilidade de escolher, tanto que isso já está intrínseco na minha personalidade. Não sei seguir em qualquer caminho da minha vida sem uma aprovação prévia, ou uma ordem superior de que devo escolher ou não. Partindo para o lado das relações interpessoais, quaisquer que seja, não sou nunca a primeira a decidir o que seguirá, nem a que porta o poder de decisão, no máximo a que apresenta as opções ou a que escolhe entre sofrer ou seguir em frente, afinal querer ficar nunca me é um escolha, sempre escolhem ficar ou não.
       Já tendo a realidade de um indivíduo secundário que sou, seguro a marimba de nunca acreditar em qualquer manifestação de afeto que, supostamente, é dirigido a mim. Digo "supostamente" por nunca acreditar que esse afeto é real. Fui treinada para pensar que não sou digna dele. Me dizem se me querem ou me dizem se me deixam, não me dão a vivência de me sentir feliz e bem e de estar fazendo o outro feliz e bem (se estou feliz, estou só), logo, não acredito em afeto algum por mim. E isso não é uma verdade formada por teorias, mas sim em vivência. Me recordo de que em todos supostos namoros que tive, e até mesmo no único namoro propriamente dito que vivi, o esforço e extrema negação de mim pra poder viver tal experiência (que hoje vejo de forma extremamente positiva, por ter me feito crescer e conhecer a pessoa maravilhosa com quem convivi) me fizeram crer, recentemente, que nunca escolhi nada, apenas nego a mim e minhas vontades e faço o que julgo ter de ser feito.

Foto: Acervo pessoal
       Daí me ponho de frente às minhas posturas atuais no processo de conhecer o outro. Me recordo que todo primeiro contato é feito a partir de um elogio (ou não) sobre meu corpo preto. Falam do meu cabelo, do quanto acham ele estiloso, lindo e diferente. Falam da minha pele, do quanto gostam dela, como é lisa e queriam tê-la pra si naquele momento ou ter nascido com ela. Falam dos meus seios ou bunda, do quanto são fartos e o quanto eu devo ser feliz e boa de cama por eles serem assim. E aí, acostumada com qualquer associação da minha personalidade à minha imagem, que vem sendo ratificada como pessoa que dá prazer em qualquer canal de TV (tipo Globeleza e afins), qualquer filme ou cena de novela, não tenho a noção do que é ser reconhecida como PESSOA sem antes ser reconhecida pelo meu corpo preto, única parte em mim que parece ser digna de qualquer coisa. Portanto o uso como cartão de visita, e entendam, essa não é uma escolha minha. Usá-lo dessa forma não é algo que eu goste, e isso é determinante para a formação do que enfim irei dizer.
       Meu corpo preto não foi feito para ser romantizado, muito menos amado. Sou só mais um corpo preto que resiste pra existir, usado principalmente na noite, nos cantos, esquinas, quartos escuros de um motel barato, porque era o que o dinheiro dava ou a minha dignidade pedia. Sou só um corpo que não tem alma, não tem a opção de ser querida ou entendida, e se alguma migalha me é dada, me agarro como se fosse a minha única e última forma de respiração e esperança de ser reconhecida apenas como mulher que também necessita amar e ser amada e bem quista. Não tenho a opção de precisar ser cuidada, de ser frágil e insegura porque tenho um corpo que conhecidamente é mais forte, mais rígido, mais agressivo (de onde saiu isso tudo de mim que sempre dizem que tenho?) e por isso aguento, aguento sempre. Sou um corpo que, quando é a amiga, é a mais escandalosa do rolê e que é chamada pras experiências mais loucas, afinal, eu com certeza devo aceitar de tudo, né? Sou um corpo que, numa amizade, é quem espera, quem não recebe o convite pra sair, quem sempre precisa correr atrás pra que algo aconteça.  Sou um corpo que é chamado no fim da noite pra uma trepada e nada mais. O suposto empoderamento me faz acreditar que tenho poder de escolha, que tenho a opção de querer ir ou não e estou acima de qualquer coisa por ter sido a escolhida, mas na realidade estou só no fim da lista de possibilidades pra uma foda qualquer (que, diga-se de passagem, deve ser bem rápida e o mais discreta possível). Sou um corpo preto digno de ser cortejado no inbox, privado da vida, por aqueles que já tem sua cota romântica gasta com as parceiras-padrão e essa "neguinha" que vos fala só é tratada como gostosa e "nossa que tesão tenho por você". Sou MAIS UM corpo preto que não sabe o que é romance e precisa lutar pra viver e aprender a amar, visto que essa palavra pra mim só é um verbo sem qualquer sentido de ação.

        Sabe aquela historinha real que contei no início? Ela nunca vai acontecer comigo, e isso não é culpa minha (pelo o menos me esforço para acreditar que não).

¹ Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016

POR MAIS REPRESENTATIVIDADE

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por Tainá Almeida


       Nesta semana fomos marcadas em uma publicação em inglês e ao ler só conseguimos ter mais certeza de que a representatividade importa. A matéria que nos citava mostrava uma modelo britânica, presente em duas capas da Vogue Brasil no mês de Fevereiro, depois da realização do Baile de Carnaval da Vogue e toda a discussão sobre apropriação cultural. Ouvimos Glória Maria, a rainha do baile, dizer "o tema do baile é África e com rainha loira não dá. Nem se fosse só a África do Sul. Tem que ter rainha negra pelo menos no baile, já que a gente não consegue ser rainha das coisas normais". Quem diria que tão logo veríamos tal mudança? Assuma, você também pensou que só teríamos uma mulher negra na capa da Vogue lá no mês da consciência negra. Mas a verdade é que ela está aí, em Fevereiro, com cabelo crespo e duas capas! Depois de ver a mudança na Barbie, a mudança na representação de fantasias de personagens negros, será que chegou a vez de vermos a mudança nas revistas de moda? Nós fomos citadas aqui e a tradução está abaixo:

"Não uma, mas duas! Este é o número de capas da Vogue que a Jourdan Dunn está presente. A supermodelo posou para duas capas da Vogue Brasil de Fevereiro/2016 e aparece igualmente fabulosa nas duas. Produzida pela Burberry (grife britânica) e a Osklen, a modelo foi fotografada por Zee Nunes, mas a única coisa que as pessoas ficam falando é sobre seu lindo back power. Isso tem um significado especial porque o movimento do cabelo natural está se tornando popular no Brasil. Existem muitos grupos incentivadores do cabelo natural, incluindo Meninas Black Power, um coletivo que empodera jovens mulheres a adotar seus cabelos naturais.Este movimento também está influenciando o mundo das celebridades. Ano passado Maria Borges entrou na passarela da Victoria’s Secret com o cabelo natural. Isso foi notícia porque foi a primeira vez que uma modelo recebeu permissão para usar o cabelo afro natural. Viola Davis também usou seu cabelo natural no Emmy em 2015, assim como Lupita N’yongo no Oscar de 2014."

MULHERES NEGRAS E A DOR: REFLEXÕES SOBRE VULNERABILIDADE

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por Élida Aquino

Foto: Yagazie Emezi
      Pensar em como vivenciamos nossas questões psicológicas, sentimentais e seus desdobramentos me atravessa com frequência há um tempo. Acontece quando percebo que nossos corpos continuam à margem da atenção e cuidado entre meus estudos e experiências com o sistema de saúde; clicando em #meuamigosecreto e identificando relações abusivas de muitas espécies se repetindo; nas nossas conversas de fim de semana. É mesmo uma tarefa pesada raciocinar e falar das fragilidades, de como as coisas nos atingem e roubam a vitalidade. Demonstrações de "fraqueza" são atitudes pouco esperadas de nós, mas vejo hoje que a cura está em entender, compartilhar e, por fim, receber apoio para enfrentar e superar o que fere.  
      Não é difícil enumerar motivos: o Mapa da Violência 2015 conta que a quantidade de mortes entre nós cresceu absurdos; nossos parceiros, pais, irmãos e etc. também morrem mais e morremos junto, indiretamente; mesmo que nosso crescimento acadêmico e profissional seja inegável, continuamos mal remuneradas e rechaçadas nos ambientes de trabalho; cotidianamente estamos expostas aos atos racistas/machistas/sexista; sentimos e falamos de uma solidão afetiva real. São só exemplos de uma lista tão extensa quanto nosso espaço de vulnerabilidade. Lidamos com dores trazidas pela condição de ser mulher negra através da vida. O mais preocupante é que muitas, até as com mais alcance científico, evitam pensar nelas, não conseguem assumir e menos ainda compartilhar. Parece (e estou quase afirmando) que tudo nos rouba o direito de dizer que está doendo, que é demais, que não aguentamos enquanto nos pedem pra "dar conta do recado".

Foto: Yagazie Emezi
      O texto Parem de dizer às mulheres negras que sejam fortes me apresentou à psicóloga, mulherista e teóloga Drª. Chanequa Walker-Barnes e ao livro Too Heavy a Yoke: Black Women and The Burden of Strength ("Um Jugo Pesado Demais: Mulheres Negras e o Fardo da Força", em tradução livre). Nele, ela analisa o que é ser "mulher negra forte" e diz que é estratégia de resistência para combater imagens negativas baseada em resistência emocional, estabilidade em qualquer situação, sempre cuidar de tudo e todos ao redor, garantir que é independente. Tudo isso protege da ameaça da desvalorização, mas também impede expressões autênticas e acesso à intimidade necessários para a saúde social e emocional. Chanequa expõe o que temos tanta dificuldade de assumir: temos sido artificias com a gente e com nossos sentimentos. É nessa busca pela força a qualquer custo, perfeição, resistência até nas situações de maior pressão, que desenvolvemos doenças graves, depressões profundas, esquecemos como nos apegar, temos medo de nos entregar afetivamente e até perdemos a vida. O martírio de resistirmos além dos limites e em silêncio só para parecermos fortes, bem-sucedidas e acima de qualquer crise, é suicídio.

Foto: Yagazie Emezi
      Eu e as outras integrantes do Coletivo Meninas Black Power somos privilegiadas... Podemos chorar, lamentar e até gritar sem preocupações. Nossas experiências e questionamentos nunca parecem insignificantes entre nós e sabemos bem: dor é sempre dor e, se dói, vamos ajudar a curar na coletividade. Ao longo desses três anos aprendemos a a admitir quando precisamos de ajuda, por exemplo. Temos sido lapidadas na arte de dividir pesos e confiar. É libertador! Faz parte de nós a condição de estarmos interligadas.
        Quando penso sobre todas nós e nossas relações com situações que geram momentos dolorosos, me pergunto (e já respondo) quem escreveu essa cartilha que nos ensina a fazer três vezes mais para provar valor.  Por quanto tempo estaremos apegadas a essa percepção distorcida de força? Convido todas para ser e fazer lugares seguros onde depositar os pesos com a certeza da e receber apoio. Vamos refazer as regras e preferir ser plenas ao invés de simplesmente fortes.
(Post escrito na companhia de Get It Togheter - India Arie. Ouçam e leiam a letra.)

A CULPA NÃO É NOSSA

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por Camila Neves

Foto: Débora Nunes
      Quando olho para as mulheres negras eu penso em como é difícil lidar com o racismo/machismo, principalmente quando você passa ter consciência disso tudo. Como pode ser solitário e angustiante se relacionar em todas as categorias com outras pessoas. Fico pensando o quanto somos fortes e guerreiras por desconstruir nós mesmas, todos os terceiros presentes em nossas vidas e ainda permanecermos de pé, lutando. Precisamos ter o amor interior bem naturalizado para entender que a culpa não é nossa. A negritude, apesar de minimizada na nossa sociedade, é uma dádiva. Devemos agradecer por sermos quem e como somos. Quando o naturalizamos esse amor interior criamos uma força que nos torna muito mais fortes e felizes. É preciso dizer ao mundo que somos silenciadas, somos minimizadas, mas que apesar de tudo isso continuamos lindas, maravilhosas e inteligentes; que eles não vão nos parar e que é apenas o começo do nosso empoderamento! Esse ensaio retrata esse silenciamento e também o empoderamento que vem com a compreensão do mundo racista/machista. Ele é dedicado às mulheres negras. Digo: não vamos nos calar e não vamos parar de mostrar nossa beleza, cultura, conhecimentos e empoderamento. Terão que nos aceitar resistindo e criando nossos espaços. Nós por nós.

Foto: Débora Nunes | Apoio: Casa Felix
Foto: Débora Nunes | Apoio: Casa Felix
Foto: Débora Nunes | Apoio: Casa Felix
Foto: Débora Nunes | Apoio: Casa Felix
Foto: Débora Nunes | Apoio: Casa Felix
Foto: Débora Nunes | Apoio: Casa Felix

KBELA: A EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL DE TORNAR-SE NEGRA

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por Karina Vieira

Ilustração: KBELA
     Vinte minutos foi o tempo do curta e ao sair do cinema tudo que se sentia era renascimento. O racismo escancarado, nomes humilhantes, processo de invisibilidade diário e embranquecimento que tenta nos enfraquecer todos os dias estão lá e doem. Ai, como dói assistir e reviver tudo isso. 
     Mas KBELA não é só um filme sobre sofrimento.  É sobre mulheres negras que se empoderam através das outras, através do contato com outras mulheres. Mulheres negras que se tornam negras ao retirar os traços de branquitude dos seus corpos, mulheres que enegrecem ao cuidar e auxiliar outras. KBELA é um filme de representatividade e representação. A representatividade está em vermos que todas são negras, mulheres belíssimas que ao aparecerem na tela grande representam cada uma de nós. Há representatividade porque ninguém fala por nós, somos voz ativa, nosso discurso não é alterado ou minimizado, não ocupamos o lugar de subalternas ou subservientes. Em KBELA somos rainhas, poderosas e autônomas. 
    Antes da subida dos créditos fica uma sensação de incompletude que rapidamente se dissipa ao vermos todas as personagens (nós) sorrindo e bailando ao se reconhecerem afirmativamente como mulheres negras. 
    Nós, Meninas Black Power, agradecemos às atrizes Isabel Martins Zua Mutange, Dandara Raimundo, Taís de Amorim, Sarah Hana, Livia Laso, Dai Ramos, Maria Clara Araújo, Carla Cris Campos; às produtoras Monique Rocco e Erika Cândido; à diretora de arte Ana Almeida; direção de comunicação de Silvana Bahia e Bruno F. Duarte; à fotógrafa Alile Dara; à diretora Yasmim Thayná e todxs xs demais que fizeram esse filme (maravilhoso, emocionante) acontecer. Representação e representatividade importam e vocês fizeram isso lindamente. Estamos orgulhosas.

SOBRE TER FORÇA COLETIVA

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por Jaciana Melquiades

Foto: Jaciana Melquiades
     Sofrer uma violência abre portas infinitas dentro da gente. Medo, fobia, desconfiança, raiva, impotência. Sem contar a taquicardia, o sangue nos olhos, a vontade de que x violentadxr exploda, a vergonha da exposição, a vontade de sumir. Demora até o coração desacelerar e a gente conseguir pensar no que fazer. Meu dia poderia ter sido normal, como qualquer outro dia, mas recebi uma mensagem de um desconhecido me propondo sexo. Em poucas trocas de mensagens soube que a foto acima está circulando em grupos de WhatsApp com meu número de telefone e uma mensagem bem direta: "Procuro sexo casual! Add no Zap".
       Mil pensamentos passaram ao mesmo tempo pela minha cabeça e em quase todos a culpa moralizante tendia a me deixar desesperada. Escrevo no passado e já o vejo distante, pois bastou eu me acalmar e consultar o infinito suporte que tenho, pra eu me lembrar, entender e consolidar de uma vez em minha cabeça que estou sendo vítima de uma violência. Entendi que a moral e o julgamento do outro fazem os questionamentos sobre essa situação serem deturpados. Na teoria já tinha entendido, mas juntar discurso, pensamento e prática tem sido um grande desafio. Aconselhar o outro, no geral, é bem mais simples: nem tanto pela falta de empatia, mas pela vivência que torna a dor um dificultador do raciocínio.
    Penso na infinidade de mulheres e meninas que são perseguidas única e exclusivamente por serem mulheres; que são expostas e culpabilizadas única e exclusivamente por serem mulheres. E não importa se a mulher é mais ou menos exposta, se frequenta ou não baladas, se faz ou não sexo: qualquer mulher pode ser exposta e ter seu íntimo abalado por conta de atitudes machistas, misóginas e criminosas como a exposição da imagem sem o seu consentimento. "Mas você não mandou nenhuma foto sua? Mas você deu seu número de telefone? Mas você não se expõe demais?"... Eu até poderia justificar o motivo de meu numero de telefone ser público, do meu perfil no Facebook ser aberto, das minhas postagens, do meu comportamento, no entanto uma infinidade de autoras, referências que tenho na vida inclusive, já falaram sobre esse assunto e deixam explícito e comprovado que nenhuma dessas perguntas é relevante na identificação dx culpadx pela violência sofrida; nenhuma dessas perguntas respondidas ajuda no cuidado à vítima. Pensando no peso moralizante de ter nossa imagem exposta, não vejo relatos circulando de exposição de homens, e imaginando tal situação, pensando no contexto de sociedade machista e misógina na qual vivemos, a exposição masculina poderia até funcionar positivamente pra esse sujeito. Imagino que seja assim por comparar adjetivos como galinha e putx, quando dados ao homem ou mulher, para se ter noção de como os tratamentos destinados a homens e mulheres são desiguais, desleais e em incontáveis casos, criminosamente devastadores para as mulheres.
      Quando vi a mensagem, minha primeira reação foi a de querer apagar, me esconder, sumir. Mas corri pra onde me sinto amparada: tenho uma rede de relaciomentos segura, que me dá suporte. Família, amigos, irmãs. O medo só diminuiu quando me vi cercada pela coletividade. Digo que diminuiu, pois me vi completamente impotente em relação aos rumos que podem dar à minha foto. O julgamento moral acaba não me afetando, pois para os questionamentos que me culpabilizam eu tenho a resposta na ponta da língua, mas e a menina que não tem? E a mulher que fica amedrontada e apaga a mensagem? E qualquer uma de nós que, por receio da forma estúpida que seremos tratadas pelas autoridades, se isenta de fazer uma queixa formal? E a moça que tira a própria vida por se sentir culpada demais? Essas são perguntas relevantes.

O RACISMO ME FEZ PEDRA. E O AMOR VEIO COMO ÁGUA.

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por Jessyca Liris

Foto: Jessyca Liris
      Foi estranho, e ainda é, saber que o meu amor é recíproco, que eu sinto e sentem por mim de volta. Eu não lembrava mais como era ter uma relação afetiva assim, com tamanha intensidade e intimidade, talvez porque nunca tivesse vivido. Durante todo meu processo de autodescoberta e de empoderamento inicial, eu estive "solteira sim, sozinha também". Há total ligação com o outro texto, o "Teu corpo não é estranho". 
      Quando começo a sentir algo diferente por alguém e até então não é recíproco, não tem nada de novo sob o sol; mas quando descubro que há reciprocidade, começa todo o questionamento e insegurança. "Como alguém pode gostar de mim?" e "ele pode ter alguém muito mais bonita e inteligente, pra que vai ficar comigo?". Percebi que todos os questionamentos existiam por causa do que eu vinha vivendo enquanto mulher preta, por causa da solidão que nos é imposta, a ausência de romantismo e a dose cavalar de erotismo e só. Dentro de mim não havia a possibilidade de ser amada de volta  pensava "olha isso, Jess! Quem vai querer?". 
       Eu escrevi e reescrevi esse texto algumas vezes, porquê falar da existência de uma afetividade, onde eu sou uma das protagonista, é inédito de certa forma. Toda vez que escrevo em primeira pessoa, não é como Jessyca-indivídua, e sim como Jessyca-mulher preta, que faz parte de algo plural, que entende que o amor é negado a nós e nos causa estranhamento. É claro que nem toda mulher preta passa por isso (que bom!), mas quando eu achava que era uma coisa só minha, vinha uma irmã e chorava suas dores afetivas comigo e eram as mesmas, era o mesmo que eu sentia. Ter um par hoje não cura todas as minhas feridas, nem tira as minhas dores, e nem é a solução dos meus problemas, mas ajuda a dividir, a entender. O sistema nos isola, nos castra, nos faz pedra. Mas água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!

UM JORNAL PRA CHAMAR DE NOSSO – MBP ENTREVISTA ETIENE MARTINS

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por Élida Aquino

Ilustração: Jornal Afronta
    Vocês já sabem e soa como um mantra por aqui, mas vou escrever novamente: representação é importante. Entre tantos casos diários, conhecidos ou não, de racismo e suas variações, tantas dores que o cotidiano ainda causa aos corpos pretos que circulam pelo mundo, meu coração vibra e se fortalece quando vejo mais e mais casos de resistência doce, posicionada com criatividade, produzindo conteúdo que nos une enquanto comunidade, que mostra nossas potencialidades e proporciona a visão do lado bom (que, com fé, um dia vai superar todos os outros lados da história) de sermos nós. Foi essa a sensação de conhecer o Jornal Afronta, surgindo diretamente de Minas Gerais. O lançamento aconteceu no último dia oito de Julho, na Casa Una de Cultura em Belo Horizonte. A seguir vocês conferem a conversa que tive com Etiene Martins, idealizadora do Afronta e uma jornalista que representa. Entendam melhor quem ela é, o que é o jornal e apaixonem-se por esse espaço que é todo nosso!
Vick, Etiene e Dandara no lançamento do Jornal Afronta - Foto: Jornal Afronta
MBP - Começa contando pra nós quem é você, de onde vem, sua formação e etc.
Etiene Martins - Eu sou graduada em Jornalismo e em Publicidade e Propaganda. Iniciei minha carreira como repórter da Revista Raça Brasil em 2010, quando eu ainda cursava o terceiro período de jornalismo, posteriormente fui convidada para ser assessora de comunicação do Festival de Arte Negra que é realizado em Belo Horizonte. Sempre aliei as minhas duas paixões: o jornalismo e a cultura negra.

MBP - Como é a história do seu cabelo? Ele influenciou de alguma forma na construção do Jornal Afronta?
EM - No meu processo de politização e de me "tornar negra", eu também redescobrir a minha estética afrodescendente e depois de 25 anos alisando o cabelo, no mês da primeira edição do Jornal Afronta, comemoro meu primeiro ano de adeus à química. Esse processo foi crucial na construção desse trabalho, pois a autoestima negra faz parte da linha editorial do jornal. A nossa verdadeira beleza com o nosso verdadeiro cabelo.
A transição - Fotos: Acervo pessoal
MBP - Como surgiu a ideia de criar um jornal como o Afronta?
EM - Diante da falta de espaço para os nossos assuntos, demandas e culturas na mídia convencional, tive que recorrer a uma ideia que surgiu no Brasil em 1915, que é a Imprensa Negra, e através dessa imprensa dar voz mais uma vez ao povo negro. 

MBP - Por quanto tempo o jornal foi planejado até que estivesse em circulação?
EM - Desde de 2012 venho pensando e elaborando esse projeto, mas só agora conseguimos colocar o Afronta na rua.

MBP - Ao acessar a página do jornal vemos que a definição da ideia é "jornalismo étnico racial". O que isso quer dizer?
EM - Um jornalismo com a nossa cara, linda, preta, crespa e cheia de autenticidade.

MBP - Como funciona a equipe que trabalha na criação do jornal? 
EM - Trabalhamos com consciência e amor às nossas raízes e ao nosso povo. A equipe é pequena, mas bem articulada. Conta com um fotógrafo, uma revisora, um diretor de arte e uma jornalista. 
Galera reunida no lançamento do Jornal Afronta - Foto: Jornal Afronta
MBP - Sabemos bem a relação entre mídia e racismo. Como você enxerga que publicações afirmativas, como o Afronta, por exemplo, podem provocar o efeito contrário? Como podem promover o efeito de educar para a igualde e também fortalecer a comunidade negra, fazendo com que ocupe espaço de destaque?
EM - O Jornal Afronta veio para reforçar as nossas lutas por uma mídia livre, independente, anti-burguesa, anti-capitalista e bem demarcada ao lado do povo negro brasileiro. Uma imprensa de combate que evidencie sim que nosso povo negro brasileiro existe e tem uma cultura, tradição e beleza valiosa,  mesmo que tentem nos negar isso. 

MBP - E de que forma você entende que o jornal pode empoderar a população negra, especialmente mulheres negras? 
EM - A mulher negra sempre leu revistas sem se ver retratada nelas, sem estampar as capas, sempre sendo menosprezadas e invisibilizadas. O Afronta veio suprir essa demanda que as outras mídias não cobrem. O Afronta empodera sem se render aos estereótipos tão comuns propagados pela mídia branca brasileira colocando nossas mulheres nas capas, ocupando um espaço que também é nosso por direito . 

MBP - Quais pautas você considera mais relevantes entre os assuntos que permeiam a comunidade negra no Brasil e no mundo atualmente? 
EM - Nossa, são tantas! Mas a inserção no mundo acadêmico e profissional é de extrema importância, assim como o direito às práticas religiosas sem censura. O genocídio do jovem nem se fala. O poder ser negra por dentro e por fora, na pele e no cabelo e ser respeitada em todos os lugares. 
Muito #crespoamor e Jornal Afronta na Feira Ébano - Foto: Jornal Afronta
MBP - Concordamos! Agora vamos falar do lançamento. Como a primeira edição foi recebida? Quais assuntos ela abordou? 
EM - Foi recebida com muita festa, alegria e entusiasmo, afinal nosso povo encontra-se ansioso por um espaço digno na mídia. A primeira edição foi permeada por nossa beleza, falando de um evento que reuniu centenas de pessoas para celebrar a beleza do cabelo crespo em BH. Falamos também da tradição dos turbantes. O entrevistado dessa edição foi o doutor e escritor negro Edimilson Pereira de Almeida e o colunista convidado foi o carioca Ras Adauto, que vive em Berlim há mais de uma década. A matéria de capa ficou por conta da Marchas das Mulheres Negras que mobilizou mulheres do Estado de Minas inteiro e levou todas para a rua, exigindo seus direitos. 

MBP - O que podemos esperar das próximas edições? 
EM - Assuntos que comuniquem o cotidiano do povo negro brasileiro na cultura, política, beleza, educação. Pretendo falar de tudo um pouco. 

MBP - Em que locais o jornal está disponível? Pretendem abranger outros Estados? Quais e quando? 
EM - Atualmente o jornal está disponível em galerias de artes, botecos, salões de beleza, rodas de samba, universidades, feiras e eventos em que o nosso povo circula na grande BH. Na próxima edição pretendemos atingir os Estados de Rio de Janeiro e São Paulo e pouco a pouco ocupar nosso país.

É isso, Meninas. Que ideia genial, né?! 
Não deixem de curtir a página do Jornal Afronta aqui e acompanhem todas 
as novidades que virão. Beijos!

MBP + SEMANA DA MULHER NA RÁDIO ROQUETTE PINTO

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por Jaciana Melquiades
Foto: Equipe ZoaSom
      O ano de 2015 começou com muito trabalho para o Coletivo Meninas Black Power. Em Março, mês marcado por debates e comemorações que tiveram como centro a mulher, fomos convidadas a falar sobre a mulher negra na sociedade brasileira.
      Um dos convites recebidos foi para uma participação no programa ZoaSom, na rádio MEC AM (Roquete Pinto FM). Um programa de música e debates em temas bastante atuais. Fomos, na semana da mulher, falar sobre como é ser mulher negra nos dias atuais. Dividimos o microfone com a apresentadora Clara e o apresentador Jorge, além da Dandara Raimundo, que atua no filme KBELA, Izabel e  Gabi Monteiro, estudante de Moda na PUC- RJ.
Foto: Equipe ZoaSom
      Um cenário bastante propício à boa conversa, num clima de descontração. Falar sobre as violências cotidianas que sofremos nunca é simples e estar nesse espaço de comunicação ajuda a desconstruir conceitos que nos são muito dolorosos. Nesses encontros nos fortalecemos e ocupar lacunas da mídia com temas que nos são caros, ajuda a criar uma representatividade que nos negam cotidianamente.
       Um encontro maravilhoso que nos permitiu conhecer a atriz portuguesa Isabel Martins Zua Mutange. Belíssima, também integrante do elenco do filme Kbela, inseriu ao debate o olhar de uma mulher negra e estrangeira em terras brasileiras. Em nossa conversa, nos deixou ver o quanto precisamos ainda caminhar no sentido do reconhecimento de nossa negritude e na construção de um olhar positivo sobre nossas características físicas.
       Nesses encontros conseguimos nos dar conta de que nossa caminhada vem de longa data, vem de longe e que não estamos sós na luta antirracista. Temos muitos desafios ainda, mas saber que nossas vozes estão ecoando, nos dá ânimo para continuar.
Foto: Equipe ZoaSom



TEU CORPO NÃO É ESTRANHO

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por Jessyca Liris
Ilustração: Markus Prime Art
      Eu nunca vi um corpo como o meu na TV. Mal via pessoas como eu. Estudava em escola particular com um monte de meninas brancas, e na aula de natação, uma delas gritou: "sai daí, Jessyca, com essa bunda cheia de estria! Ninguém quer ver não". Nem sabia o que era isso, e daí veio todo o medo. Quando digo que nunca vi alguém como eu, quero dizer: mulher preta, de cabelo crespo, não-magra, com curvas sem simetria, com celulite e estrias.
       Eu cresci achando que estava sempre errada, com medo de me mostrar, com pavor de que alguém visse esse tanto de defeito que a sociedade me grita a todo momento. Eu ia à praia de bata de manga comprida (só usava biquíni em casa); "meu corpo é feio", pensava, e isso martelava na minha cabeça. "As pessoas vão ficar me olhando, apontando pra minha bunda feia e pra minha falta de peito" martelava minha cabeça o tempo todo... Já não bastava ter a bunda toda cheia de estrias, celulites e mole, tinha ainda os seios pequenos. "Toda errada", martelava e martelava. 
     Um momento novo se iniciou, e comecei a ter relações sexuais, e só enquanto houvesse uma luz apagada, eu estava ali, e assim ia. Fui levando e sempre de luz apagada, mas tive a sorte de ter, por um tempo, um namorado que me ajudou a desconstruir toda essa ideia negativa e eu passei a rejeitar menos o meu corpo. Ele elogiava excessivamente a minha bunda porém ria dos meus seios, o que me fez querer, por alguns anos, fazer uma cirurgia pra poder aumentá-los e me sentir menos pior. Mais algum tempo se passou, o relacionamento terminou e a necessidade de ter relações sexuais crescia, e agora? 
      Alguns relacionamentos frustrados e eu já não queria mais namorar. "Mas como vou mostrar esse corpo estranho pra alguém sem que haja algum sentimento? Ninguém que não me goste ao menos um pouco vai querer esse corpo estranho." Isso martelava na minha cabeça. Fiquei por anos transando mal e achando meu corpo estranho. Nunca me sentia à vontade por achar que os caras estavam contando quantos buracos eu tenho na bunda (isso porque nem vou falar da minha vagina, que dobra o complexo) e os meus seios que sempre são alvo de comentários, por serem pequenos, quase zero. Foi assim até que assumi o meu cabelo crespo, aumentando minha autoestima, a minha confiança. Passei a ir a praia de biquíni com as amigas, mas nada de foto e com short também, afinal, "ninguém precisa ficar vendo essa bunda estranha". 
      Assumi o cabelo, ia a praia de biquíni, comecei a andar com outras pessoas e logo a transar com outras pessoas. Repetia pra mim "teu corpo não é estranho e o racismo não vai te engolir", como um mantra, e comecei a entender meu complexo em relação ao meu corpo. Comecei a entender que a culpa é do racismo e do machismo que me fazem desejar ter o único corpo preto que aparecia na televisão: o da Globeleza, que nada tinha igual ao meu corpo, a não ser a cor meio amarronzada. 
      Fazer parte do movimento negro, de um coletivo de mulheres pretas, ouvi-las e lê-las, me fez compreender o ódio ao meu "corpo preto estranho" e atualmente não é muito diferente. Hoje me olhar no espelho ainda é estranho, ainda dói, ainda aparecem um monte de possíveis reparos e incontáveis perguntas do tipo "pra que e por que um corpo tão estranho?". 
      Mesmo sem um desfecho brilhante vi a necessidade de escrever, tentando dizer que (difícil por em palavras)... que eu sei que não sou a única. Senti necessidade de dizer que não criem esse complexo como o meu, e que nosso corpo preto é mais do que parece. Senti necessidade de dizer que nosso corpo com essas formas contam histórias.