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19 COISAS QUE PEQUENAS MENINAS NEGRAS AINDA NÃO OUVIRAM O SUFICIENTE

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por Élida Aquino

7 Meninas Crespas | Lulu e Lili Acessórios | Foto: Quilombo dos Meninos Crespos
     Hoje, depois de ouvir o desabafo que uma preta deixou num vídeo, as Meninas Black Power começaram outra conversa sobre solidão da mulher negra, especialmente dentro de relacionamentos amorosos. É um tema recorrente e entendo que depois de tanto tempo calando sentimentos sobre a vida, as relações, entregas ruins ou boas e também sobre como tudo nos afeta enquanto mulheres negras, é hora de falar muito, sim. Já aguentamos demais.
     Fiquei pensando: onde a gente começa a sentir isso? Quando nossos conflitos com o afeto se dão? A partir de que ponto nos tornamos tão vulneráveis e/ou tão endurecidas quando o assunto é amor/amar? Tenho visto várias de nós sofrendo em relacionamentos amorosos e já escrevi algumas reflexões como essa aqui. Às vezes somos nós, as que parecem tão seguras e conhecedoras de si e do contexto, as atingidas. Não estamos imunes. Umas admitem abusos vindo de parceirxs, outras não conseguem se abrir por medo da dor, outras não enxergam o próprio valor dentro da relação... Enfim, muitas feridas esperando por cura. Juntando o que tenho visto, as construções que tenho tido dentro da coletividade e outros fatores, cheguei no texto 19 coisas que pequenas meninas negras ainda não ouviram o suficiente com outro olhar. Foi uma indicação da Nubiha, preta que super admiro, e a lista é uma ideia da Kayla Greaves, publicada no Blavity (que arrasa em conteúdo e merece atenção, por sinal). 
        Refleti sobre a mãe que espero ser no futuro, a menina preta que fui, as coisas que ouvi, o que não ouvi e sobre os reflexos disso na mulher que me torno diariamente, especialmente no que diz respeito aos relacionamentos afetivos que tive e tenho. O resultado é óbvio: o que absorvi na infância influenciou na adolescência e por aí vai. Fui vendo o quanto precisamos gerar mulheres negras que se apropriem delas mesmas. Às vezes limitamos o "empoderamento da mulher negra" ao amor ao próprio corpo, às características únicas, mas e o que vai por dentro? Precisamos nos empoderar também da segurança de sermos especiais, dos nossos valores, talentos, de merecermos respeito por sermos boas em muitas coisas e também de merecermos cuidado e paciência naquilo que não somos. Precisamos ouvir isso das nossas referências. Por isso trouxe o post pra cá e tomei a liberdade de incluir algumas coisas. Ele me tocou na simplicidade. Quero ser essa mãe que potencialize as próprias crias, quero que minhas amigas e amigos sejam pais assim, quero que possamos dizer isso às crianças que cruzam nosso caminho e que esse post gere isso em você que está lendo e ainda não o faz. Meninas negras precisam saber que são maravilhosas, que podem ser o que quiserem, e esse incentivo começa dentro de casa, antes mesmo de elas levantarem das suas camas para ganhar o mundo. Potencialize as pretinhas! Ainda não sabe o que dizer? Dicas práticas abaixo. Inspire-se!

1. Você é linda. Você é talentosa. Você é amada.
2. Você pode ser o que quiser ser. Nem o céu é limite pra você.
3. Sempre experimente coisas novas, é assim que você vai aprender quais são seus talentos.
4. Se você não vê ninguém fazendo algo que você quer fazer e acredita que pode ser extraordinário, não tenha medo de ser a primeira a experimentar!
5. Seu cabelo natural desafia a gravidade - você é mágica.
6. Porque seu cabelo desafia a gravidade as pessoas vão querer tocá-lo. E você está autorizada a dizer "não!" se não quiser que toquem.
7. Sua pele cheia de melanina é perfeita.
8. Ser "muito negra", ou "não ser suficientemente negra" não são coisas reais. Todos os nossos tons são bonitos.
9. Sua história não começou com a escravização. Você tem uma história rica e descende do continente onde a vida humana começou.
10. Às vezes você vai ser a única menina negra no lugar, mas isso não faz de você estranha. Isso te torna única!
11. Não tenha medo de contar sua história e sua verdade.
12. A única parte do corpo que você precisa usar para chegar à frente na vida é o seu cérebro (mas não sinta vergonha do corpo maravilhoso que possui!). 
13. Haverá momentos em sua vida onde você terá que lidar com decepções. Mantenha sua cabeça erguida, mesmo nos momentos mais difíceis. Mesmo assim não se envergonhe de sentir dor. Você não precisa ser forte o tempo todo.
14. Você não é responsável pelos erros que seus pais possam ter cometido. Não carregue esse fardo na vida.
15. Não há cabelo "ruim". Não há cabelo "ruim". Não há cabelo "ruim". Não há cabelo "ruim". E qualquer um que te disser que há, está mentindo.
16. Você é responsável por sua própria felicidade.
17. "Não" é uma palavra poderosa. Não tenha medo de usá-lo.
18. Os livros são seus melhores amigos – e a melhor maneira de ampliar conhecimento fora da sala de aula.
19. Aproveite sua infância! Estes são os anos em que você pode aproveitar muito mais a maravilha de ser uma menina negra e livre. 

SOMOS O QUE SOMOS

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por Renata Morais

Foto: Lulu e Lili Acessórios
      Estávamos no aeroporto em Brasilia voltando para o Rio. Passamos rápido por uma lanchonete já na área de embarque e uma criança branca, lisa e loira, toda de rosadinha, já com o lanche na mão, olha para a Elis e grita: "Cabelo feio!". Gritou bem alto. A menina tinha uns três anos, com certeza reproduz o que ouve em casa ou na escola. Eu e o meu marido olhamos para ela bem sérios e ela abaixou a cabeça.
      A Elis não olhou e seguiu sem falar nada. Só apertou minha mão. Sentamos e eu perguntei se estava tudo bem. Ela não quis falar, só me abraçou. O pai ficou revoltado, queria que ela falasse o que estava sentindo ou que ela respondesse. Não dá. Ela só tem quatro anos... É estilosa, toda descolada e esperta, porém o racismo e preconceito fazem isso com a gente.
      Eu queria muito entrar em seu peito e retirar aquele nó que só o racismo faz. Aquele aperto misturado com vergonha. Ela não esperava aquele grito, ela não está acostumada com isso.  Veio sem falar nada, dormiu a viagem toda. Ainda não toquei no assunto aqui em casa, mas sinto que o trabalho precisa ser mais firme. Pais: seus filhos, mesmo que pequenos, já são vítimas do racismo. A resistência deve ser diária. É conversa, leitura, ver representação. Isso será para sempre. Não é vitimismo, infelizmente é nossa realidade.

DICA DE LEITURA MBP: UMA PRINCESA NADA BOBA

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por Élida Aquino
Rainha Nzinga | Ilustração: Biel Carpenter
      Como integrante do Coletivo Meninas Black Power posso afirmar que uma das nossas maiores crenças é no empoderamento, no potencial do compartilhamento. Ideias como as nossas, projetos que se levantam e colocam crianças pretas como alvo principal ou livros que fazem com que elas se observem de pertinho, por exemplo, são imprescindíveis para a construção de um novo tempo na vida da população negra no Brasil e é por isso que temos investido tempo e energia. Formar crianças e jovens que valorizem sua comunidade e herança é precioso. Nós por nós é a tática. Se não nos incluem e insistem em nos quebrar diariamente, vamos lutar por nossos direitos e também vamos falar para os nossos sobre nós, o que somos e o que queremos.
      Volta e meia o Coletivo dialoga com mães, pais e profissionais da educação que buscam colocar este empoderamento na rotina das crianças e temos total interesse em fazer das mídias Meninas Black Power fonte de inspiração. Hoje é dia de inspirar com dica preciosíssima pra quem quer empoderar! Recebemos "Uma princesa nada boba" do próprio Luiz Antonio, autor do livro. Ele leu "Para princesas visíveis", um dos posts mais recentes por aqui, e entendeu que falamos da mesma coisa. Foi uma honra poder receber o carinho das mensagens, perceber como ele compreendeu a ideia. Aliás, o post em questão mostrou o óbvio: mulheres de hoje não esquecem o quanto o sistema lhes privou da possibilidade de se sentirem lindas e meninas de hoje passam pelas mesmas privações. Felizmente continuamos insistindo, apoiando, empoderando, quebrando o sistema, reposicionando a visão.

Dedicatória fofa que está no livro que recebemos!
       Como se não bastasse todo o amor de nos presentear, a obra é emocionante. Minha sensação de reencontro foi impagável. Luiz conseguiu ser objetivo e ao mesmo tempo profundo. Quem conta a história é Stephanie, personagem principal, e a fala dela me cativou, gerou instantaneamente identificação.  "Por que eu não podia ser igual a uma princesa?", questionamento que muitas já fizeram (mesmo que com outras palavras), é o que inicia todo o processo de aceitação, contato com o que ela realmente era e com o que lhe fazia ser como era. Toda a descoberta se dá em seu período de férias na casa da avó, uma mais velha muito sábia. 
       Uma das coisas que mais prendeu minha atenção foi a forma como a família da menina se insere no contexto e o quanto o texto revela o que muitas vezes acontece na realidade. Os pais de Stephanie sempre lhe diziam o quanto ela era linda, mas não olhavam diretamente pra o que lhe fazia sentir indesejável e excluída. Me lembra que é preciso conversar diretamente com as crianças, ainda que de forma lúdica, sobre os efeitos do racismo em nós e em nossos corpos e ao mesmo tempo oferecer subsídios para que a autoimagem se fortaleça. Stephanie se enxergou ao enxergar sua ancestralidade num encontro planejado pela avó. Quando encontra a figura sagrada de Oxum, de mulheres ancestrais, da sua própria avó e outras mulheres reais. Princesas, rainhas, importantes. É o que somos.
Ilustração: Biel Carpenter
       Eu adoraria ter lido na minha fase escolar, então imagino que meninas e meninos que entre os 9 e 14 anos, mais ou menos, vão gostar. As ilustrações lindas são assinadas por Biel Carpenter. Mais informações sobre o livro aqui e aproveitem pra conhecer o outro livro do Luiz, "Minhas contas", que fala sobre amizade, religiosidade e os valores de respeito. Mais uma vez agradeço o carinho. É o tipo de leitura que me faz querer voltar mil vezes e absorver um pouquinho mais de beleza. 
Inspirem-se, Meninas!

PARA PRINCESAS VISÍVEIS

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por Élida Aquino

Foto: Happy Hair Girl
      Uma musiquinha embalava a soneca da tarde do Domingo chuvoso. Abri os olhos do cochilo pra encarar o que acordou minha menina de anos atrás e as cenas que talvez não sumam com o pó da fadinha mais habilidosa de todos os contos. Assisti atentamente o comercial da linha Gotas de Brilho, produto Johnson's, com campanha lançada recentemente e um slogan que afirma "sua princesa com cabelos de princesa" para as mamães interessadas. A Élida "grande" sentiu um aperto igual ao dos velhos tempos. Pensei, naquela fração de segundos, que a publicidade ainda não me entende como princesa também, não vê meninas que são como eu sou e ainda nos diz sutilmente que nosso cabelo não pode entrar na brincadeira.  Acabou o comercial, coloquei a mão no cabelo bagunçado pela preguiça do feriado com alguma aflição. Constatei: tudo bem comigo, não há defeito aqui, sou rainha coroada. Levantei com a pressa de quem precisa acordar uns e outros que insistem em imitar a Branca de Neve e se fingem de mortos diante da realidade.

      Permitam-me começar com uma história. Vocês já ouviram outras assim, mas vale a repetição. Era uma vez uma menina da 6ª série. Ela era dessas que ficam lá na frente. Mais alta que a média, com o cabelo mais cheio que todas. Assistia à aula naquele dia como uma equilibrista e pedia do fundo do coração que o penteado que a mãe havia feito, preso com um acessório frágil demais pro cabelão que estava ali, não soltasse de jeito algum. As preces não foram atendidas e sem que ela esperasse... boom! Não havia mais penteado e nem alguém que não estivesse rindo. Ela deu um jeito de prender bem preso, mas não conseguiu escapar das observadoras que queriam "ajudar com o problema". ― Seu cabelo é tão cheio! Acho que você passa pouco creme. Passa mais creme nele! ― uma delas afirmou. ― Amanhã vou passar bastante creme e ele nem vai ficar cheio. Vocês vão ver! ― ela garantiu. E foi assim. Muito creme e um pompom reforçado num dia, relaxantes que queimavam a cabeça tempos depois. Ela lembra ainda da sensação da primeira escova. Cabelo tão longo e liso quanto o da Rapunzel. Toda feliz por ver que as meninas da turma acharam bonito e queriam pentear com os dedos, sem contar o carinha mais badalado da turma que, enfim, naquele dia liso e glorioso, sorriu pra ela. Isso tudo ditou o futuro que durou anos. Entre kits de relaxante, tardes escovadas, horas na prancha. Reformando, deformando, queimando, quebrando. Até que não sobrou mais o que era e ela precisou se redescobrir, entender que não era normal querer ser outra, que precisava voltar antes de passar pro outro nível do jogo. Ela sou eu.
      Não quero que as meninas e meninos de hoje vivam a mesma coisa e pergunto aqui até onde vai a insanidade da publicidade brasileira. Até quando, mesmo sabendo que a beleza é diversa e que toda beleza deve se ver nas prateleiras quando resolver consumir, vão se esforçar pra nos manter fora, pra nos tornar invisíveis? Meu coração esperou ver crianças como minhas sobrinhas ou sobrinho (que consomem produtos da marca), minha vizinha, minhas futuras filhas ou filhos, mas não vieram. Não podem ser princesas ou príncipes? Ainda?! De quem é o universo lúdico que estão exaltando? O que me ofereceram foi um clubinho de crianças branquinhas, lisinhas, com o olho clarinho, brincando no parquinho acompanhadas das mamães (igualmente branquinhas, lisinhas, com aquela carinha conhecida, por sinal). A mesma fôrma da princesa e do príncipe encantado que sempre colocaram como exemplo de perfeição. Onde estão as minhas amigas que são mães? Onde estão as crianças que eu abraço, beijo e brinco? Elas usam shampoos, colônia, adoram bagunça na banheira, um penteado novo, roupas coloridas e são fofas também. Elas estão por aí e precisam estar dentro da telinha do Brasil que não é uniforme, que possui a maior população negra fora da África e abriga gente com tantas outras características não-brancas. Onde nascem bebês de todos os jeitinhos que vocês possam imaginar. Não precisamos e não queremos tolerar mais do estereótipo já vendido.
Passem na página da marca para ver a proporção de diversidade que está por lá
     Agradeço por ter iniciativas como Happy Hair Girls, Era uma Vez o Mundo, Lulu e Lili Acessórios, livros como O cabelo de Cora, Os mil cabelos de Ritinha e etc., só que essas iniciativas não anulam o direito à normatividade. Eu quero ver essas crianças lindas que me rodeiam lá na campanha da Johnson's, com produtos feitos sob medida pra quem elas são. Não venham me dizer que estou reclamando demais por publicarem raramente uma foto representativa na página. Quero tudo, todos os lugares, pelo simples fato de ter o direito e querer assegurá-lo para quem é como eu e tantxs outrxs que não são como o padrão. Que vocês não façam mais meninas e meninos desejarem ser as menininhas que brincam na banheira e nem que cheguem em casa perguntando o que há de errado em ser como são. Eu com certeza adoraria ter referências enquanto criança ou adolescente. Isso faria diferença na hora em que comecei a achar meu cabelo um problema. Façam o certo! Mesmo que dê trabalho, que estraçalhe o racismo de vocês. Representatividade importa e não pretendo, junto com mais um monte de gente, fingir que é conto de fadas e não está acontecendo. Por mais campanhas assim:

Dedico às princesas e príncipes que ainda não estão se vendo, esperando que se vejam aqui, que se vejam em mim. Com amor.
Fim.

SHOCK NO SISTEMA

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por Renata Morais

Foto: Renata Morais
      Muito se fala sobre ser mãe de princesas. Eu sou mãe de uma heroína. Uma das minhas filhas tem 3 anos, ama heróis e também gosta de se vestir como eles.
      Recentemente a escola da Elis marcou uma festa à fantasia. Perguntei a ela como ela queria ir e ela disse que queria vestir-se como o Super Shock. A nossa família é fã de HQ, a cultura pop é bastante influente aqui em casa, e por conta disso sabemos bem que não temos muita, quase que nenhuma, representação preta. Observar que ela se identifica com o Virgil, protagonista negro, adolescente, que usa dreads, que cresceu sem a mãe e que sofre com o racismo na escola, é incrível pra mim. Vejo que, apesar de tão pequena, ela já consegue se ver, já acha os seus. 
     Pois bem, fizemos a fantasia em um dia apenas, com a ajuda da minha sogra (incrível sogra!). Usamos a criatividade e montamos a heroína. Ela acordou às 6h da manhã, se vestiu e foi. Andou pelas ruas do bairro como se tivesse super poderes, atraiu olhares curiosos, não se intimidou. Seguiu. Ao chegar na escola percebi que os pais estavam curiosos, principalmente os pais das meninas. Provavelmente estavam pensando: "Que roupa estranha é essa? Que princesa será essa que eu nunca vi?". No meio de reproduções da Elsa, fadas, Minnie, ela permaneceu. Não se acanhou por ser diferente. Percebeu logo que só tinha uma heroína ali.
     Passou o tempo, ela se distanciou e foi ficar com as amigas. Eu senti orgulho. Confesso que não teria essa coragem, não nessa idade. Confesso que com 3 anos eu queria ser a fada. Não por amar fadas, mas sim por não ter a segurança de ser diferente. Voltei pra casa altiva. Voltei com a certeza que sou mãe de uma heroína. Grandes poderes, grandes responsabilidades.

PRA SER GRANDE

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por Jaciana Melquiades
Foto: Jaciana Melquiades

       Um dia desses disse ao meu filho que ele não se deitasse no chão, pois já estava com pijama, pronto pra dormir. Ele, criança de 3 anos, deitou, rolou e veio correndo me abraçar. Eu fiz uma careta dizendo: "Mas você rolou no chão! Eu disse que ficaria todo sujo!". Ele ficou cabisbaixo. Foi contar ao pai com tristeza que eu disse que ele estava nojento. Não usei esse termo NOJENTO. Vasculhando a memória, já usei várias vezes associado a alguma comida que eu desgoste, ao lixo acumulado, mas nunca me referindo a uma pessoa, muito menos ao meu pequeno. Mas ele já viu meu semblante usando o termo... Provavelmente fiz a mesma careta e o termo nem precisou ser verbalizado para que fosse apreendido por um menino de 3 anos.
      Sempre penso muito no que ando fazendo enquanto mãe de um menino preto de 3 anos, no que digo a ele cotidianamente, nas palavras que uso. Uma vez disse: "Venha cortar essas unhas... Estão pretas, veja!". Meu coração gelou assim que proferi essas palavras: como vou construir a autoestima no meu menino usando o termo "preto" associado à sujeira? Cada sutileza, cada palavra mal dita deve ser pensada, refletida, elaborada e eliminada da fala.

Foto: Jaciana Melquiades
     Os lugares que ocupamos socialmente são reflexo do horizonte de expectativas que criamos. E não criamos sozinhos, sem exemplos, sem levar em consideração o que ouvimos ao longo de nossa formação enquanto sujeitos. Esses dias, por conta de trabalho, li um texto do Jailson de Souza, do Observatório de Favelas, sobre os encontros e distanciamentos entre a favela e outros espaços da cidade¹. Ao longo do texto, o questionamento que vai sendo deixado ao leitor é o de como seria possível ampliar os horizontes de expectativas dos jovens das periferias. Como seria possível construir, reformar, aumentar, elevar a autoestima dos jovens negros que acessam diariamente a fala racista e excludente mesmo através do não-dito?
      O racismo engessa, classifica e enquadra pessoas em lugares sociais específicos. E ele é também construção, uma ficção que mata um sem número de jovens negros diariamente. A história que nos contam desde o nosso primeiro contato com a escola é de derrotas e falências da população negra; Não tem glória nem luta nos livros de história que nos apresentam. Não tem beleza nem positividade nos termos racistas que usam para nos definir. Não tem passado nem unidade na trajetória da população negra que chega até nós, e mesmo nossos sobrenomes não são uma pista muito confiável para saber de onde viemos.

Foto: Jaciana Melquiades
      Não é raro nas escolas em que tenho a chance de trabalhar ter acesso à crianças, adolescentes, jovens adultos, todos da periferia, que tenham poucos ou nenhum sonho relacionado ao futuro profissional. Após uma atividade realizada recentemente pelo o Coletivo Meninas Black Power, me perguntei qual seria a razão de crianças de 10, 12 anos não conseguirem sonhar profissões mirabolantes, imaginar futuros grandiosos ou postos fabulescos (muito comum essa ação quando falamos de crianças!). A imaginação é pura potência, e andar na contramão é tentar ser força estimuladora de sonhos em crianças que vivem a realidade da violência banalizada (violência que nem sempre é explícita, berrada ou anunciada), da escola-depósito, da ofensa gratuita.
      Tenho aprendido muito com meu molequinho. A percepção dele do mundo tem me colocado diariamente em frente a um espelho que amplia minhas ações, minhas falas, minhas caretas. Ele repete o que eu sou e me deixa perplexa diante de minhas falhas. Chance diária pra repensar, me desculpar e me refazer.  

Jaciana Melquiades, mãe do Matias, é historiadora, educadora, empresária e integrante do Coletivo Meninas Black Power.

*SOUZA e SILVA, Jailson de e Barbosa, Jorge Luiz. Encontros e Rupturas entre as facelas e os outros territórios da cidade. In: Favela – alegria e dor na cidade. Rio de Janeiro: Editora SENAC/Rio, 2005

CIRCULARIDADE

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por Karina Vieira

        Circularidade.  Os nossos cabelos black power são redondos não é a toa. A nossa ancestralidade é circular. Os nossos cabelos nos mostram  e assim percebemos e sentimos quem de fato somos.
      Tayó, através dos seus belos cabelos, sente (porque sentir é melhor do que perceber) toda a herança africana que à cerca. Essa mocinha tão pequenina, desde a mais tenra idade, sente sua história, ancestrais, suas danças, seus jogos, sua religião, seu saber. Sente também todo o racismo e preconceito que parte da sociedade direciona à ela. Mas Tayó não se abate, pois sabe quão bela é, sabe também que o que carrega na cabeça não são só cabelos: é a sua coroa, onde ela carrega todo o mundo.
       Através de muita simplicidade e de uma forma muito singela, com ilustrações de Taisa Borges, Kiusam de Oliveira nos apresenta uma menininha linda e com uma auto-estima forte e construída com a ajuda da mãe e da avó, mulheres de sabedoria ancestral e que são espelho para essa garotinha.  
        Que Tayó também possa ser espelho para que as nossas crianças. Que elas possam se reconhecer enquanto princesas e príncipes, que vejam nessa menina linda a beleza e a alegria de poder viver a infância com a familiaridade africana.


Sobre Kiusam de Oliveira:
Artista multimídia. Escritora. Autora dos livros Omo-Oba: Histórias de Princesas (Mazza, 2009), O mundo no black power de Tayó (Peirópolis, 2013), O mar que banha a ilha de Goré (Peirópolis, no prelo), Omo-Oba: Histórias de Príncipes (Global, no prelo). Contadora de histórias. Bailarina, coreógrafa, professora de danças afro-brasileiras. Pedagoga com habilitações em Orientação Educacional, Administração Escolar e Deficiência Intelectual. Doutora em Educação e Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Especialista na temática das relações étnico-raciais, participando de conferências, congressos, simpósios etc. Experiência em assessoria na implementação da lei 10.639/03 nos municípios de Diadema (desde 2005) e São Paulo, na DOT-P-Guaianases (2013). Ministrante de cursos e oficinas sobre corporeidade afro-brasileira. Ativista do movimento negro. Orientadora Espiritual (Iyalorixá) através do jogo de búzios e numerologia africana.

OS MIL CABELOS DE RITINHA

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por Cintia Masa


        O Coletivo Meninas Black Power foi conferir o lançamento com cotação de história do livro infantil "Os mil cabelos de Ritinha", que aconteceu na cidade de Niterói, em novembro passado. Escrito pela autora estreante Paloma Monteiro e pelo ilustrador Daniel Gnattali, o livro conta a história de Ritinha e seus variados penteados afro. Segundo a página de divulgação da obra no Facebook: Os mil cabelos de Ritinha explora o universo da beleza do cabelo afro, num convite para celebrar tudo aquilo que há de bonito no sorriso de cada criança que se reconhece e se admira nas páginas dessa história. 

Momento da contação, com Noemia Oliveira
       
        Para a autora existe uma carência de livros infantis com personagens principais negros no mercado e que esta foi a principal motivação para escrever a obra. "Em "Os mil cabelos de Ritinha" você é convidado a conhecer essa menininha que é uma lindeza só! Vaidosa e muito criativa, a Ritinha usa o calendário de um jeitinho muito especial: com a ajuda da sua família, ela escolhe um penteado diferente para cada dia da semana. Para conhecer essa história, você vai mergulhar em um livro inteiro de rimas, com uma poesia doce e divertida, ilustrada com muita cor e arte!" 
       O livro é bem apresentado. Bem escrito, impressão cuidadosa, com ilustrações bem coloridas. Escrito em forma de verso é possível acompanhar a leitura pelas figuras. O fundamental é que as "mil fases" do cabelo da Ritinha toca em um ponto que falamos bastante no MBP: identidade. A Ritinha usa tranças, dreads, black , turbantes, entre outros penteados que conhecemos bem, mas que muitas vezes nossas crianças não tem a oportunidade de conhecer. Penso que esse pode ser ponto de partida interessante para apresentar as nossas crianças a diversidade do universo crespo.
        Abaixo, registro super especial de uma das reuniões regulares da equipe Rio do Coletivo MBP. Contamos com a presença de duas mascotes, Júlia e Victória, e a Ritinha também estava lá!

* Algumas das imagens utilizadas estão disponíveis na página sobre o livro.

EDUCANDO NOSSOS CRESPINHOS

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Jaciana Melquíades e Matias Melquíades

       Em tempos de luta pela educação, precisamos pensar o papel do educador na sociedade, nos rumos possíveis pra educação formal escolar, mas precisamos pensar também no nosso papel de mães e pais, educadores cotidianos e incentivadores de nossas crianças. Ter um filho não é tarefa simples. Cuidar de uma criança requer dedicação total. Não devemos perder de vista que educar uma criança é formar uma pessoa autônoma. E que em determinado momento da vida, essa pessoa vai gerir suas escolhas, seus caminhos. Educar uma criança é forjar um adulto com o qual o mundo terá que conviver. Parece longe o tempo em que seu bebê será adulto, mas pense que educar é orientar a forma como essa pessoa verá o mundo e se relacionará com ele, e isso leva tempo.
        Pense nos desafios de crescer. Pense nos desafios de ser uma criança negra. Pense em todas as coisas que seu filho terá que aprender ainda. Pense em como todas as coisas que são obvias pra nós, não são pra eles. Calçar os sapatos, desejar bom dia aos vizinhos, gostar de estudar, escovar os dentes. Pense na entrega que devemos ter pra que possamos dar conta dos questionamentos, solicitações, choros, doenças, carências e felicidades dos nossos pequenos! Ser mãe, ser pai, é grande! Requer coragem! Requer entrega!

Marilza Xavier e Juliana Barauna

       Eu sou mãe e sempre penso na forma como estou conduzindo a minha relação com meu filho (um menininho negro lindo). Sempre penso na forma como ele vai se relacionar com o mundo e com ele mesmo. Ele é negro e infelizmente crescerá numa sociedade ainda racista. Ele precisa aprender a amar os cabelos crespos dele, o nariz largo, a mãe e o pai pretos que ele tem, mesmo a sociedade dizendo que são feios os seus traços e sua família.  Acho que compartilho do desejo de muitas mães quando admito que quero que ele seja saudável, forte, autônomo, inteligente, bem sucedido, responsável... feliz.

Dona Penha e Fabiola Oliveira

       Olhando essa lista de desejos, penso também que dá muito trabalho ser isso tudo. E educar essa pessoa que toda mãe e todo pai espera que um filho seja, requer coerência por parte de nós, educadores diários. Só ensinamos educação sendo educados; respeito ensinamos respeitando e autoestima se ensina também com exemplos. Temos que ser espelhos, exemplos, orgulho pras nossas crianças. Temos que dar conta do silêncio coletivo em relação ao racismo que existe. Uma cobrança pesada, eu sei, mas que não podemos recusar! Ser mãe, ser pai, é ter coragem. 


REVOLUÇÃO CRESPA

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Pra você que luta pelo direito de ir e vir, 
Pra você que briga por melhores condições de vida, por mais respeito e consideração pelas diferenças,
Pra você que acredita que tudo precisa mudar, 
Pra você que acha que é preciso uma revolução social, 
Creia: a mudança começará quando olharmos com mais atenção para as nossas crianças!

Quando dedicarmos nossos esforços para educar nossos pequenos para a luta contra todas as formas de preconceito, a revolução vai acontecer! 
Quando exigirmos das escolas uma educação efetivamente libertadora, que estimule o pensamento crítico nas nossas crianças, a revolução vai acontecer!
Quando começarmos a educar politicamente nossas filhas e filhos, mostrando à eles que nossos cabelos são lindos embora não apareçam na TV, a revolução vai acontecer!

Quando, desde pequenos, nossos filhos forem capazes de se olhar no espelho e se acharem lindos em seus traços e crespos, mesmo que na escola todos digam que eles são feios, a revolução vai acontecer!
Quando entendermos que nossos filhos serão a próxima geração de militantes, orgulhosos de sua ancestralidade, aí sim, a revolução vai acontecer!
Pra você que acredita em uma verdadeira democracia racial: eduque seu filho para a autoestima! Cuide de seus crespinhos, não alise suas ideias! E prepare-se para a revolução!


Beijos especiais para nossas crianças negras! Estamos com vocês e suas famílias.


COISA NOSSA - SER BLACK POWER

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Fonte: afro-art-chick.tumblr.com.
     Olá, me chamo Laís Reverte, faço parte da equipe MBP e vim aqui falar sobre algo meio polêmico, mas de uma forma mais leve, mostrando a minha experiência. Quando eu entrei na página do “Meninas”, que foi fruto de uma pesquisa aleatória no Facebook em busca de páginas que tivessem fotos de negras com cabelos crespos e cacheados, me identifiquei de cara. Vi tantas fotos de negras MARAVILHOSAS, e todas elas acessíveis, perto de mim, do RJ, de SP, e até daqui do ES, e  acabei vendo que é possível sim ser crespa e conquistar meu espaço. Mas, como a maioria, eu usava química no cabelo, relaxava a raiz com o Salon Line (vocês devem conhecer, de hidróxido de sódio) e, como eu usava ele só para dar uma “abaixadinha na raiz”, considerava meu cabelo natural, 100%.  
     Então, num post da página, encontrei algo que me intrigou muito. Era um relato de uma negra (linda e, como eu, confusa) dizendo que se sentia Black Power mesmo usando química para soltar os cachos. De cara fui curtindo e partilhando da mesma ideia, dizendo que não sou menos Black Power do que aquelas que não relaxam a raiz e não fazem nada no cabelo. Então me responderam algo que mudou tudo aquilo que pensava de mim e toda a minha concepção de ser negra, disseram que o intuito da página é mostrar o valor que o crespo tem, e que toda e qualquer alteração que se dá ao fio crespo, seja para torná-lo cacheado, seja para só dar um pouco de leveza, ou para delinear o cacho, não o deixa mais natural. A princípio me senti ofendida, até cheguei a pensar que foi um pouco rude da parte da equipe, me excluir de um grupo que eu me considerava incluída, e como uma representante e tanto, quase uma ativista! Mas depois de ler várias vezes aquela resposta, comecei a pensar de onde partiu a ofensa, será que foi realmente delas, que apenas disseram a verdade, ou minha, que me escondi atrás de uma figura supostamente "100% Black Power natural", mas que tinha vergonha do meu cabelo natural, crespinho, mini "tóin óin óin"? Vi que me escondia atrás de uma máscara, de um pote de relaxamento que não me deixava realmente gritar a liberdade, aquela que eu tanto pregava e vibrava mostrar, ainda mais quando eu ouvia elogios do tipo: "Nossa, seu cabelo está lindo assim, cacheadinho”. Mas ele NÃO É cacheadinho, ele é CRESPINHO, e também é lindo. Faltava eu dizer isso para mim mesma, e não só disse, como GRITEI! [Risos]. 
     Agora estou aqui, a mais nova "crespinha" da onda, com minha transição lenta e charmosa, caminhando pro 100% natural de verdade. Mas já deixo dito: Você, que está na nossa página e relaxa a raiz, alisa o cabelão, usa mega hair, trança e qualquer outra coisa que altere o que já nasce contigo, VOCÊ É BLACK POWER! Porque ser Black Power vai muito além do crespo em transição, do "blackão" natural, da trança que delineia o rosto negro, do mega que valoriza, é uma questão de aceitação, de inserção e (re)conhecimento do que você é e honra de onde veio.  Mas não podemos deixar de lado o nosso foco principal, que é mostrar que o que você já tem também é lindo e pode te valorizar, te fazer feliz e bela. Deixa de lado essa ideia de que você só se torna linda a cada três meses, quando você bate o cartão fielmente no salão que te alisa e te altera. Você é linda do jeito que é, e o seu black ninguém vai tirar. Deixa ele falar um pouquinho, vai?

Observação: Se, mesmo assim, você optar por continuar com seu cabelo alisado e alterado, ainda será bem-vinda do nosso lado da força, sendo muito mais do que crespo, mas sim mulher negra pensante.