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"FRUITVALE STATION" E O QUE SEI DA VIDA

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por Élida Aquino
Manifestações em Ferguson, EUA | Foto Scott Olson/Getty Images
      30.000 homicídios por ano, 2.500 por mês, 82 por dia, 7 a cada duas horas e 77% dos mortos são negros: números relacionados à mortalidade da juventude no Brasil, hoje divulgados pela campanha #JovemNegroVivo, promovida pela Anistia Internacional (saibam mais aqui). Em meio aos índices alarmantes e o apelo à "consciência negra" que deve extrapolar datas, assisti a um filme que me movimentou. Não bastasse saber que eu e jovens como eu somos alvo do Estado e morremos todo dia, estou ainda mais ligada à questão. Não são poucos os homens jovens e negros da minha família que morreram brutalmente. Quer seja pela mão da polícia ou de outros tipos de criminosos, já vi sangue do meu sangue sobre chão. Não é fácil lembrar, mas é menos fácil ainda acomodar. 
       Assisti "Fruitvale Station: A Última Parada" com minha irmã e quase não aguentamos chegar ao fim. Começamos por causa da linda Ariana Neal, que interpreta Tatiana, filha de Oscar (Michael B. Jordan). Depois de começar, vimos que era real. Oscar Grant III, um jovem homem negro e cidadão estadunidense, foi assassinado aos 22, na estação BART. Morreu em 1 de Janeiro de 2009 e poucos devem lembrar deste caso. O filme fala sobre a passagem do jovem pelo presídio, a luta para retornar à vida civil honestamente; mas, sobretudo, mostra com intensidade as cenas que se repetem no cotidiano de maneira tão ou mais forte. Oscar e seus amigos, todos negros, começam "enquadrados" por policiais (nada mais comum e recorrente, não?) em plena madrugada de Ano Novo, depois de um desentendimento com homens brancos e racistas no metrô. O fim da história são rapazes negros agredidos, morte, desespero.



      Não estou aqui pra indicar que assistam. O filme é ótimo, mas vim falar da dor capaz de causar incômodo e reação. Nossa realidade tem que ser mesmo a de andar com as mãos erguidas dizendo "não atire!", como está acontecendo com os jovens de Ferguson? Devemos mesmo nos sentir ameaçados ou ameaçadores e calcular nossos horários ou como estamos vestidos para circular por aí? O assunto aqui é o direito de viver livres, o papel de órgãos que devem manter a segurança de todos, inclusive a nossa. Estamos falando sobre quem mata ou morre e o que achamos de quem mata ou morre, questionando a cultura do estereótipo que sugere que um rapaz pigmentado descendo a favela pela manhã é, em primeira opção, um meliante. 
     Já pararam pra pensar o tamanho da nossa responsabilidade enquanto as mortes acontecem? De que lado estamos? Truculência e abuso fazem parte do dever? Aqui, nos Estados Unidos e em tantos outros lugares, não nos faltam exemplos. Foi o Mike Brown, meu primo Nino, meu tio, o cara aqui do bairro, talvez alguém querido de vocês que me leem agora. Espero que eles tornem nossos olhos mais abertos, nossos corações mais sensíveis. Há muito o que se pensar e fazer. Não podemos nos contentar com a liberdade limitada que 13 de Maio finge trazer. Faço esse apelo por mim e por tantos que, como eu, não suportariam passar, sem assistência e justiça, por uma poça de sangue igual ao próprio sangue outra vez. 
Assinar o manifesto é um jeito de começar mudanças. Participem!

CARTA DE UMA UNIVERSITÁRIA PRETA

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por Grupo de Trabalho Histórico-político
    O Coletivo Meninas Black Power está em muitos lugares, atuando ativamente e ocupando espaços que antes nos eram negados. Antes mesmo da existência do Coletivo, cada integrante já tinha sua caminhada de resistência. Hoje, juntas, conseguimos ver com mais clareza o quanto é pesada essa caminhada sozinha. Hoje nossas histórias individuais nos inspiram a ocupar cada vez mais escolas, a dizer para as crianças excluídas e afetadas diariamente pelo racismo que é por elas que promovemos cada uma de nossas ações. Aprendemos juntas que em grupo somos mais fortes, e sendo espelhos positivos, conseguimos mais gente para o time das que acreditam que só a Educação pode nos salvar da exclusão. A seguir vocês lerão o relato da Lais Reverte, integrante do MBP e conhecedora da batalha diária que é ser mulher, preta, em um universo excludente e racista que até hoje ocupamos à força.


"Olá, me chamo Lais Reverte e venho aqui hoje falar de dor, da minha dor. Tenho 20 anos e, como a maioria dos jovens da minha idade, quis caminhar pelos próprios pés e fazer meu caminho longe de casa. Prestei vestiba para uma Universidade no interior do meu Estado (Espírito Santo), sou fruto de cursinho sustentado pela comunidade (no caso, estudantes que se prontificaram para dar as aulas) e cotista racial, estudei meu Ensino Médio em escola pública federal e, por dificuldade financeira familiar, no meu último ano não pude cursar outro pré vestibular que não fosse o social. Na minha primeira tentativa de ingresso passei em primeiro lugar (provando sim que sou capaz de passar, com cotas ou não, mas fazendo questão de ocupar um lugar que é meu de direito nas Universidades Federais) e cá estou, cursando Geologia desde o mês de Abril. Moro sozinha, por opção, e tenho visto cada vez mais o quão difícil é, no ambiente acadêmico, se manter como se é. Quanto mais o tempo passa, mais eu entendo e vejo a dificuldade de ser uma mulher preta nesse mundo. Aqui me encontro, na Universidade, caloura, numa das (o que deveria ser) melhores fases da minha vida e enfrentando os mesmos problemas de sempre. Agora maiores. Não é NADA fácil ser a ultima opção. Ver todas suas amigas de cabelos longos e corpo esguio fazendo a festa, sendo "as escolhidas e desejadas", e você no canto, sendo "a amiga". Não pensem que é recalque, inveja, ou carência, mas uma realidade que me acompanha desde a infância. Não é nada fácil ser vista como "estilosa" por causa do meu cabelo, que não tem nada demais, apenas nasceu assim. Cada vez que vou para casa da família,sinto o carinho do "não ser diferente" do mundo, mas cada dia que passa fora de lá, menos me sinto incluída. Enquanto em casa vejo o amor de verdade, que vem da preocupação e do cuidado, longe eu vejo a vontade de se dar bem, o interesse. É "barra" me manter como sou fora da minha zona de conforto. Difícil entender que não é qualquer pessoa que aguenta a pressão de ter uma relação com uma mulher preta de verdade, sem nenhuma marca esbranquiçada na história (gracas a Deus, tenho MUITO orgulho do que construí até aqui). Triste procurar carinho onde não tem. Cada vez mais vejo que é necessário bater na tecla: NÓS POR NÓS. E quando não há nós? E quando se é "um"?"

A DESUMANIZAÇÃO

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 por Karina Vieira
Foto: Tatiana Reis para Festival Latinidades
    Exóticas,  estilosas, "na moda". Hipersexualizadas, coisificadas. Estes são os adjetivos que nos colocam no lugar de estranhas, de coisas, de algo sem humanidade ou longe do que é considerado normativo. 
    Temos o dever de aceitar, respeitar a nós mesmas, a todas e a cada uma como ser humano, único e diferente. Por que é isso. Não somos iguais, mas lutamos por direitos iguais, por igualdade para além das nossas diferenças.
    Quando nos apontam na rua, riem, fazem chacota, nos humilham, sabemos o motivo: racismo. Racismo institucionalizado. Racismo televisionado e exposto nos jornais todos os dias. "Não me mate! Sou consumidora!" Não! Somos cidadãs, somos pessoas. Não queremos ser vistas como meros consumidores, como moedas de troca. Lutamos o dia inteiro, todos os dias por visibilidade, por direitos.  Direito de sermos efetivamente quem somos, por andarmos na rua com nossos cabelos crespos,  com nossos traços fenotípicos, com nossos turbantes, exaltando a nossa ancestralidade, e sermos respeitados por isso e para além disso. Somos mais do que cabelos. Utilizamos eles como ponto de partida para discutirmos racismo, preconceitos e todas as problemáticas que atingem os nossos. Sabemos que os olhos que nos julgam,  as bocas que riem de nós e as mãos que nos apontam, muitas vezes se veem refletidos em nós, e que por medo ou auto-ódio preferem ser os primeiros a fazerem chacota, do que ser o motivo dela.
     Insiro aqui uma citação de Malcom X, que explica de que forma e porque sentimos auto-ódio: 
"Temos sido um povo que odeia as nossas características africanas. Nós odiávamos nosso cabelo, nós odiávamos a forma do nosso nariz, queríamos ter um daqueles narizes longos e finos, você sabe. Sim. Nós odiávamos a cor da nossa pele, odiávamos o sangue da África que estava em nossas veias. E em odiar os nossas características, nossa pele e nosso sangue acabamos odiando a nós mesmos. Nossa cor tornou-se para nós uma cadeia. Nós sentimos que ele estava nos segurando. Nossa cor tornou-se para nós como uma prisão que não nos deixava ir por este ou aquele caminho. Sentíamos que todas essas restrições foram baseadas somente em nossa cor. E a reação psicológica foi que nossas características, nossa pele e nosso sangue se tornaram odiosos para nós. Isso fez com que nos sentíssemos inferiores, que nos sentíssemos inadequados e impotentes. E quando caímos nesses sentimentos de inadequação, de inferioridade ou desamparo, nós não temos mais confiança em outro homem negro que queira nos mostrar um caminho. Nós não pensamos que um homem negro pudesse fazer qualquer coisa séria. Nós nunca pensamos em termos de fazer as coisas por nós mesmos. Porque nos sentimos desamparados. O que nos fez sentir impotentes foi o nosso ódio por nós mesmos. E o nosso ódio por nós mesmos decorre do nosso ódio pelas coisas africanas."¹
   Que possamos matar, exterminar, todo preconceito presente em nossas práticas cotidianas. Que possamos fazer um exercício diário de olhar o outro com olhares menos acusadores, menos perversos, que os dedos apontem cada vez menos e que possamos entender que o que faz de nós seres humanos diferentes e singulares são exatamente as nossas particularidades. Ninguém é vítima da sua própria história.

Em apoio a Yasmin Thayná, Thainá Azevedo, Juliana Valeriano e todas aquelas que passam por episódios de racismo todos os dias.
¹http://www.malcolm-x.org/speeches/spc_021465.htm <Acessado em 10 de agosto de 2014>

SANKOFA

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por Maria Fernanda

Foto: Ariana Faye
        Adinkra é um conjunto de símbolos gráficos de origem dos povos Akan, da África ocidental, sobretudo do Gana e parte da Costa do Marfim. Cada adinkra tem um significado complexo, representado por ditames ou fábulas, expressando conceitos filosóficos que tradicionalmente aparecem estampados com tinta vegetal em tecido de algodão usados em ocasiões fúnebres ou homenagens. Constitui uma arte nacional de Gana com mais de oitenta símbolos¹. 
        O Sankofa é representado por um pássaro voltado com a cabeça para trás. Tem uma conotação simbólica de recuperação e valorização das referências culturais africanas. "Voltar e apanhar de novo aquilo que ficou para trás"; ou seja, "voltar às suas raízes e construir sobre elas o desenvolvimento, o progresso e a prosperidade de sua comunidade, em todos os aspectos da realização  humana" (Glover,1969).
Fonte: Tumblr
    Quando a mulher negra, que passou anos sendo subjugada pelo padrão estético branco, toma consciência da sua negritude e desperta para toda beleza que existe em ser mulher preta, não admite mais ser submetida a processos de embranquecimento. Assumir as características desta negritude que se expressa em nossos traços, no cabelo crespo, é voltar às raízes, destruir toda representação negativa que existe dentro de nós e foi alimentada desde a infância pela estrutura social racista, construir nossa autoestima com base na beleza refletiva no espelho.
        Acredito ser fundamental para o fortalecimento da autoestima ter outras mulheres como espelho. Olhar para quem é "igual" ajuda na caminhada que por muitas vezes é difícil, mas trás descobertas e  experiências maravilhosas de irmandade. Um exemplo é poder compartilhar a felicidade de ter conseguido sair à rua orgulhosa com seu  Black Power e não sentir-se acuada ao ouvir uma piada racista, receber elogios amorosos de homens ou mulheres pretas que enxergam quem você é.

¹ A Matriz Africana no Mundo. Larkin Nascimento, Elisa.

SOBRE "OS NEGROS NA AMÉRICA LATINA", DE HENRY LOUIS GATES JR.

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por Karina Vieira
Foto: Google
      Confesso que a primeira coisa que me chamou atenção no livro foi a capa, que é maravilhosa, convém dizer. Depois fui ler o título e, bem, me pegou de vez. De acordo com o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos da Universidade de Emory na Geórgia, EUA, entre 1502 e 1866, 11,2 milhões de africanos sobreviveram a terrível travessia oceânica e chegaram como escravos ao Novo Mundo. Desse montante, "somente" 450 mil desembarcaram nos Estados Unidos, todos os demais desembarcaram em lugares situados ao sul do país, sendo que só no Brasil foram 4,8 milhões. Esses dados nos fazem crer que a grande experiência africana nas Américas não aconteceu nos EUA.
     A cerca de dez anos o autor decidiu fazer uma série de documentários sobre os afrodescendentes, sobre raça e cultura negra  no hemisfério ocidental fora dos Estados unidos e do Canadá. A primeira parte da trilogia começou com Wonders of the African world (Maravilhas do mundo africano), a segunda, American beyond the color line (Os Estados Unidos além da linha da cor) e a terceira parte deu origem a este livro.
     Henry Louis Gates Jr visitou em um período de 6 meses  Brasil, México, Peru, República Dominicana, Haiti e Cuba e procurou responder a seguinte problemática: O que é ser negro nesse países? Em tais sociedades quem é considerado negro, em quais circunstâncias e por quem? Serão as palavras que designam várias tonalidades de afrodescendentes no Brasil, como mulatos, cafusos, pardos, morenos, pretos? Ou pretos e negros são apenas as pessoas de aspecto mais africano numa mistura multidirecional de combinações de cor de pele, traços faciais e textura de cabelo?
      Como resposta ele descobre que o que é comum a todas essas sociedades é o fato lamentável  que as pessoas de origem africana "mais pura" ou "sem mistura" ocupam desproporcionalmente a parte mais baixa da escala econômica. As pessoas de pele mais escura, de cabelo mais crespo e de lábios mais grossos formam em geral o grupo mais pobre da sociedade. A pobreza foi construída socialmente em torno de graus de origem africana óbvia. Em comum também a todas elas, está o fato de que essas sociedades se orgulham de serem "democracias raciais", "livres de racismo" e "pós-raciais" e mesmo assim ainda carregam um legado forte de escravidão e histórias longas e específicas sobre o racismo.


       Ao visitar o Brasil, Henry encontra na nossa sociedade a incrível quantidade de 134 termos de tonalidade de cor ou palavras para negar a sua negritude. Descobre também que o foco do país na cor era algo que beirava a obsessão ou a chamada "eu sou qualquer coisa, menos negro". Descobre também que entre 1884 e 1939 o Brasil passou por um violento processo de "branqueamento", quando 4 milhões de europeus e 185 mil japoneses receberam subsídios para imigrar e trabalhar no país. Esse processo de imigração visava a reprodução dos europeus com os negros, a fim de clarear a pele da população e erradicar os vestígios da cultura africana.
      Em meio a tudo isso uma voz dissonante se faz ouvir, Manuel Querino, intelectual negro pioneiro que mesmo no Brasil é pouco conhecido. Querino assumiu uma atitude ousada e corajosa contra as ideologias racistas governamentais. Historiador, artista plástico, sindicalista e ativista negro, ele dava ênfase ao papel do africano como civilizador e procurava mostrar os costumes e tradições africanos na Bahia, ele exaltava o orgulho de ser descendentes de africanos. Querino é considerado o pai da história negra, da mobilização negra e da positividade dentro do movimento negro.


     O autor encontra em cada país visitado um herói negro, porém muito pouco conhecido dentro e mesmo fora de seu espaço de origem: No México, Gaspar Yanga; No Peru, a ambiguidade de José de San Martín; Na Republica Dominicana, Rosario Sánchez; No Haiti, Alexandre Pétion e em Cuba, José Antonio Maceo. Ao final do livro, Henry coloca como apêndice categorias de cor na américa latina, onde fica visível que por mais esforço que se tenha feito e ainda se faça, o racismo está aí resistindo e nos provando que ele é um legado histórico que ainda não se extinguiu, que ele não é apenas um processo que se herda de um passado remoto, e sim um conjunto de usos e costumes sociais e de ideias que são continuamente recriados e reproduzidos com enormes e devastadoras consequências sociais.

CIRCULARIDADE

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por Karina Vieira

        Circularidade.  Os nossos cabelos black power são redondos não é a toa. A nossa ancestralidade é circular. Os nossos cabelos nos mostram  e assim percebemos e sentimos quem de fato somos.
      Tayó, através dos seus belos cabelos, sente (porque sentir é melhor do que perceber) toda a herança africana que à cerca. Essa mocinha tão pequenina, desde a mais tenra idade, sente sua história, ancestrais, suas danças, seus jogos, sua religião, seu saber. Sente também todo o racismo e preconceito que parte da sociedade direciona à ela. Mas Tayó não se abate, pois sabe quão bela é, sabe também que o que carrega na cabeça não são só cabelos: é a sua coroa, onde ela carrega todo o mundo.
       Através de muita simplicidade e de uma forma muito singela, com ilustrações de Taisa Borges, Kiusam de Oliveira nos apresenta uma menininha linda e com uma auto-estima forte e construída com a ajuda da mãe e da avó, mulheres de sabedoria ancestral e que são espelho para essa garotinha.  
        Que Tayó também possa ser espelho para que as nossas crianças. Que elas possam se reconhecer enquanto princesas e príncipes, que vejam nessa menina linda a beleza e a alegria de poder viver a infância com a familiaridade africana.


Sobre Kiusam de Oliveira:
Artista multimídia. Escritora. Autora dos livros Omo-Oba: Histórias de Princesas (Mazza, 2009), O mundo no black power de Tayó (Peirópolis, 2013), O mar que banha a ilha de Goré (Peirópolis, no prelo), Omo-Oba: Histórias de Príncipes (Global, no prelo). Contadora de histórias. Bailarina, coreógrafa, professora de danças afro-brasileiras. Pedagoga com habilitações em Orientação Educacional, Administração Escolar e Deficiência Intelectual. Doutora em Educação e Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Especialista na temática das relações étnico-raciais, participando de conferências, congressos, simpósios etc. Experiência em assessoria na implementação da lei 10.639/03 nos municípios de Diadema (desde 2005) e São Paulo, na DOT-P-Guaianases (2013). Ministrante de cursos e oficinas sobre corporeidade afro-brasileira. Ativista do movimento negro. Orientadora Espiritual (Iyalorixá) através do jogo de búzios e numerologia africana.

Shonda Rhimes, Ivonete Cândida de Paula e a militância

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Por Aída Barros

Imagem: Google
     
      Aproveito-me indevidamente da genialidade de Shonda Rhimes para falar desse evento lamentável, vergonhoso que aconteceu na última quarta-feira (14/05) com Ivonete Cândida de Paula. Mulher, negra e há 26 anos funcionária da Padaria Ipanema, Visconde de Pirajá, Rio de Janeiro, nossa "caoticidade". Ivonete saiu de seu local de trabalho algemada por se recusar a pedir desculpas a uma cliente sob ordem de um policial, também negro, só para constar. 
   Shonda é uma das mais incandescentes roteiristas do cenário americano contemporâneo, portanto, mundial. Das mãos dessa criadora NEGRA e GORDA, ou seja, uma pessoa absolutamente fora dos padrões que os boçais consideram possível à produção de ouro, saíram Scandal e Grey's Anatomy. Duas das produções mais vistas no frenético universo do entretenimento internacional. Detalhe: as séries estiveram no ar ao mesmo tempo! Um feito! 
       Pois bem, Shonda é dos autores atuais a que mais tem atores negros trabalhando em produções televisivas. Não, isso não é por acaso! Apesar de a justificativa de Rhimes para essa constatação ser muito simples - Eu não entendo como as pessoas não entendem que o mundo na televisão deve se parecer com o mundo fora dela – o fato é o seguinte: Shonda é MILITANTE no seu fazer do dia a dia. 
         Shonda faz questão de escalar atrizes negras como protagonistas de suas 
criações. E não sente orgulho por isso! Ela simplesmente faz! Kerry Washington esteve brilhante em Scandal e Viola Davis estreia como forte promessa em How To Get Away With a Murder, mais um lançamento promissor da negona. Isso é atitude, inteligência usada em favor do combate ao preconceito contra o negro, a mulher, o homossexual e aos estereótipos! E mais, em Scandal, o Chefe de Gabinete do Presidente da República dos Estados Unidos é assumidamente gay! 
Não sou nenhuma entendedora de séries americanas, mas acho Shonda simplesmente extraordinária! Shonda não levanta cartazes, não sei dela aderindo à campanhas, mas no seu fazer, com o seu talento, ela injeta a mulher e o homem negro dentro da casa de milhões de pessoas em desenhos poucas vezes imaginados: É a Olívia Pope, linda, preparada, corajosa, habilidosa, um crânio quando o assunto é inteligência estratégica; uma mulher formidável para quem o Presidente dos Estados Unidos, literalmente, se ajoelha. Isso É militância! 
         Eu vivo batendo na tecla de que cada um pode lutar no seu fazer do dia a dia. A cabeleireira eleva a estima da negra que chega ao salão com o dinheiro contado e o cabelo carcomido pela soda cáustica do relaxante impiedoso; a educadora consciente que apresenta conhecimento ao neguinho que acha que a única coisa boa faz na vida é a dança do passinho! A atriz que não conforma ou se satisfaz só porque está fazendo - pela terceira vez - o papel de amiga da atriz branca do segundo escalão. O sambista não só se respeita como entende seu papel na continuação do legado do samba e não anda por aí sorrindo com as canjicas a mostra, se vendendo por pouco: tal qual pai João! Isso é militância!
       E eu? O que eu faço? Eu milito escrevendo! Me posicionando violentamente na palavra contra acontecimentos como esse, que levou a funcionária que trabalhou por VINTE E SEIS ANOS na Padaria Ipanema e que foi levada ALGEMADA por falar de igual para igual com uma burguesa inconformada com a máxima: Nós não vamos nos calar mais, muito menos continuar a nos enxergar menores! Acabou! Eu repudio a atitude da Padaria Ipanema, que não teve na figura do gerente nenhuma atitude de defesa à funcionária, que teve 26 anos de sua vida dedicados a esta empresa! E, prometo na forma deste desabafo: Nunca mais ponho meus pés nesse lugar!

Aída Barros é jornalista, roteirista e Analista de Conteúdo Sr.

SÓ PRA NÃO PASSAR EM BRANCO

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por Grupo de Trabalho Histórico-político e Cultura 
Foto: Afronaz Kauberdianuz
        A "Abolição da Escravatura" não aconteceu por amor. Foi por interesse político mesmo. O modelo escravista não estava dando mais conta das necessidades do mercado, pois a então maior potência econômica - Inglaterra - ditava as regras e exigia a existência de CONSUMIDORES. Trocando em miúdos, a então iniciante Revolução Industrial que acontecia na Europa, trazia ao mundo seus produtos fabricados em larga escala e precisava de gente para comprar.
       A Monarquia Brasileira estava sendo pressionada por todos os lados: a Inglaterra queria que o Brasil tivesse um Mercado Consumidor cheio de trabalhadores assalariados (não necessariamente formado pelos homens e mulheres negros que já estavam aqui trabalhando há séculos… de preferência, sem eles!); os abolicionistas queriam o fim da escravidão, menos por bondade e mais por considerarem essa prática como sendo um atraso à modernidade; os homens escravizados nunca aceitaram essa condição sem luta, reivindicações e revoltas. O movimento para tornar-se livre gerou um medo absurdo nos até então intitulados "senhores" e o governo deixou de dar conta de tantas insurreições e fugas generalizadas. Havia ainda um fantasma que assolava as elites brasileiras: o medo de que aqui ocorresse o mesmo que em Santo domingo (uma revolta que promoveu a independência do Haiti. Vale a pena ler sobre!)
         Pressões políticas, econômicas e sociais derrubaram a monarquia brasileira; o medo de uma rebelião generalizada era constante e crescente neste período… E tudo isso contribuiu para que, numa última tentativa de salvar a monarquia, a Princesa Izabel assinasse a "Lei Áurea". Não deu certo. A monarquia Brasileira não se sustentou sem ser carregada pelas costas dos homens e mulheres escravizados.
         Quando a Lei foi assinada, no Rio de Janeiro, por exemplo, mais de 90% da população negra já era livre. A lei teoricamente tornou todos os homens e mulheres pretos cidadãos. Mas o que aconteceu com essas pessoas livres (e na teoria, cidadãs)? Nada! Os políticos envolvidos na construção de um novo projeto político para o Brasil sem escravidão acreditaram (e se planejaram neste sentido!) que a importação de trabalhadores brancos associada à morte rápida e precoce dos trabalhadores até então escravizada diminuiria a população negra, embranquecendo essas terras. Foi um projeto político que criou pessoas marginalizadas, fora de quaisquer planos de Educação, Saúde ou Moradia.
        Sempre lutamos e a liberdade que temos, conquistamos. Adotamos pequenas estratégias cotidianas, solitárias ou em grupo, para proteção de nossas famílias… assim fomos nos afirmando pretos livres. Temos muitas batalhas ainda. Depois das manifestações do segundo semestre do ano passado, ficou explícito que não podemos aceitar os desmandos diários do Estado. Não podemos deixar de gritar, exigir, sair para rua com palavras de ordem na garganta e em grupo. Professores, rodoviários, garis, profissionais da cultura ou vigilantes, todos estão nas ruas clamando por seus direitos, articulando suas lutas, e desejando uma coisa somente: um mundo mais justo! Queremos tudo que nos é de direito e nos foi negado como parte de um projeto político de formação da cidadania brasileira: saúde digna, transporte que nos respeite, educação de qualidade para os nossos pequenos e pequenas e acesso aos bens culturais para todos. Exigimos o que é nosso. É o retorno do que construímos em séculos. Esse país é de todos nós, e não só de uma minoria abastada!
          Acreditamos em apropriação. Quando falamos de apropriação, falamos de saber histórico, de protagonismo da nossa própria história. Se todas essas greves acontecem no mesmo momento e por conta do cansaço de pessoas que são quase sempre invisibilizadas e o mais importante ainda, quando elas culminam num dia que tem uma forte referência histórica, uma mensagem muito importante está sendo passada, nos olhem, nos percebam, estamos aqui e cansamos de negociar, de sermos explorados e de ter nossas reivindicações mediadas. Se observarmos ao nosso redor, poderemos ver a todo tempo os reflexos que esse projeto político de cidadania brasileira nos deixou. Que liberdade é essa que nos deixou e nos deixa ocupar apenas os subempregos? Que liberdade é essa que não nos deu e não nos dá oportunidades?Que liberdade é essa que continua matando os jovens negros diariamente? Que liberdade é essa que a todo tempo demoniza as religiões afro-brasileiras? Que liberdade é essa que estipula um padrão de beleza totalmente eurocêntrico, e  que fere a autoestima da maioria dos pretos e pretas?
       Esses exemplos são justificados apenas pela desigualdade social, quando sabemos bem seu nome e sua cor. Que não tenhamos medo de pronunciar seu nome e reconhecer seu rosto: é RACISMO. Mal sabemos quem somos e de onde viemos, um povo esquecido às margens, arquivos históricos queimados, histórias apagadas. Não temos nada a comemorar. Temos muita luta ainda.



Para saber mais: 
1 - O plano e o pânico: Os Movimentos Sociais na Década da Aboliçãode Maria Helena Toledo Machado.
2 - O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, de  Lilia Moritz Schwarcz.
3 - Visões da liberdade - Uma história das últimas décadas de escravidão na Corte, de Sidney Chaloub.

* Texto produzido sob a supervisão da historiadora Jaciana Melquiades

HASHTAG: NÃO FALEM POR NÓS!

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por Grupo de Trabalho Histórico-político

Fonte:  Google

       Nas hashtags mais frequentes nos "tuíteres" e Facebooks da classe média nos últimos meses, vemos: 
#CadêoAmarildo, #SomostodasClaudia, #TodossomosiguaisForam casos que ganharam grandes proporções: o desaparecimento de um um homem preto, o tratamento desumano dispensado à uma mulher preta e o racismo.
       Mas saiba "classe média leite com pêra batida com pouco açúcar": embora a gente entenda que vocês até sejam capazes de criticar situações e fatos sociais através da observação e debate,  não conseguimos respeitá-los enquanto voz das dores da comunidade preta. Incapacidade nossa - confessamos! Nos sobe uma angústia em ver a bem criada da Carolina Dieckmann levantando plaquinha falando que não merece ser assassinada... Você não merece, e o primo da nossa companheira de luta também não merecia! A Regina Casé não merece ser assassinada, e o irmão da manicure aqui da nossa área também não merecia! A Claudia não merecia ser assassinada e arrastada, e nem a tia de consideração de uma de nossas irmãs de Coletivo merecia morrer de tristeza por ter tido seus 3 filhos assassinados.
          É muita hashtag que está faltando aí... É hashtag pra sua empregada que tem crise de vesícula, mas não tem atendimento, porque na emergência do Miguel Couto não tem gastroenterologista, só ortopedia e cardiologia. É hashtag pras famílias, na sua maioria pretas, que não sabem o que fazer com seus doentes psiquiátricos. É hashtag pra depressão e a esquizofrenia que ataca a mulher preta (destacamos aqui um dado: as "malucas dos bairros" geralmente estão concentradas na Baixada, no Centro ou nas Zonas Oeste e Norte do Rio de Janeiro, porque no Leblon quase nem se vê morador de rua - pra não "sujar" o visual eles são devidamente varridos pra bem longe da esquina do ex-governador...). Tem hashtag faltando aí, Preta Gil! Está faltando hashtag pras mulheres pretas e gordas que são massacradas pela mídia perversa - somos todos iguais mesmo? É hashtag pros espaços de privação de liberdade que bestializam internos; pras instituições de correção de menores infratores que só fazem alimentar o ódio e a violência; pra escola que não sabe o que fazer com alunos dependentes químicos...
         Quem está no olho do furação sabe a dor da família do Amarildo e chora pela família de Claudia, mas sabe que só na sua rua mais de dez famílias foram devastadas por essa mesma dor. Quem milita na rua conhece essa dor na sua própria casa. Por isso não fazemos sensacionalismo com isto: essa dor já nos persegue desde 1500 e tal... Por isso não venha falar por nós, Neymar!  Nos procure - somos muitas as  companheiras e muitos companheiros de militância - pra conversarmos sobre nossa negritude. Busque entender a sua caminhada como homem preto. Descubra-se um homem preto primeiro e não reforce mais esteriótipos.
          Nossos mais velhos não sabem o que é hashtag. Eles só sabem da dor da perda e da força que vem dos ancestrais pra superar e resistir. Enquanto vocês lutam pelo #trendingtopics, nós lutamos para não morrer - falamos das mortes emocionais, intelectuais, sociais e factuais. Lutamos - ainda que de luto pelas tantas mortes nas NOSSAS FAMÍLIAS, NÃO NAS SUAS! - pra não morrer.

SIM, SOMOS TODAS CLAUDIA!

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por Nanci Saran
Foto: Vanderlei Yui
       O dia era 18 de Abril, Sexta-feira da Paixão, data em que os cristãos lembram o julgamento, a crucificação e a morte de Jesus Cristo. No centro da cidade de São Paulo esta data foi escolhida para realização do ato cultural "A Paixão de Cláudia" e nós do Meninas Black Power SP estivemos presentes em apoio aos organizadores (Cubo Preto, Manifesto Crespo, Roda da Mãe Preta), os familiares e o viúvo de Cláudia, Alexandre Fernandes Silva, que estava presente.
         O ato foi idealizado para homenagear Cláudia da Silva Ferreira, mulher NEGRA de 38 anos, trabalhadora e mãe brasileira, MORTA no dia 16 de março de 2014, alvo de uma bala perdida disparada por agentes da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Ao ser socorrida pela PM, ainda com vida, teve seu corpo jogado no porta malas da viatura policial, de onde caiu, ficou preso e seguiu sendo arrastado por cerca de 300 metros.

Foto: Denise Nunes
        Marcado pelo som dos tambores e outros instrumentos, o ato seguiu com um sentimento fúnebre, todos verdadeiramente sentiam a morte da Cacau. As pessoas presentes, algumas vestidas de branco, outras de preto, carregavam rosas vermelhas, que segundo os organizadores, foram escolhidas por conter "uma beleza que a própria natureza armou com espinhos para protege-la de seus opressores".
        Posteriormente, as rosas foram deixadas na estátua da Mãe Preta no Paiçandú e teve início as performances culturais que tomaram o Boulevard São João, de forma pacífica e assertiva, dando continuidade ao protesto com arte. Apesar da tristeza pelo fato ocorrido com a Claudia, foi emocionante ver o povo negro unido e reivindicando justiça, não podemos e não vamos nos calar diante das atrocidades.

Foto: Bê Cruz
        Claudia, o Amarildo, o Alailton e tantos outros se foram, mas enquanto houver "vida negra", lutaremos contra as injustiças desta sociedade arcaica. Unidas! Abaixo vídeo de Aimê Uehara e cenas do ato.

                 

CLÁUDIA SILVA FERREIRA - CACAU

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por Grupo de Trabalho Histórico-político

       Mulher negra, chefe de família, mãe de 4 filhos e acolhia outros 4 sobrinhos, levava seu cotidiano lutando pelo bem estar dos seus. Em 16 de março de 2014 tombou com dois tiros em consequência das intervenções das ações da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que, como e sabido, tem como alvo preferencial a população negra.
      Como se não bastasse tudo acima, ela inda foi levada como "coisa" na caçamba do camburão que se abriu durante o trajeto sendo o seu corpo arrastado pelas ruas da cidade. Esta cena foi vista nacionalmente em retrato ao descaso cotidiano com a população negra que majoritariamente é favelada. Esse relato retrata o racismo, onde o extermínio da população negra no Brasil, segue a todo vapor, em se tratando de moradores de favelas, onde predomina a lógica do “atire primeiro e pergunte depois”. Dessa forma a mulher negra trabalhadora, chefe de família, Claudia Silva Ferreira, teve sua vida ceifada pela policia militar do Rio de Janeiro. A política do Governo do Estado é impor a truculência a qualquer custo sobre o nosso povo. Predomina neste país o extermínio do povo preto, visto como suspeito em potencial. O aparato policial militar a cada dia torna-se mais implacável nas suas ações contra o nosso povo, e assim seguimos sendo alvo preferencial desta prática. 
       O ato bárbaro dos policiais militares que tirou a vida de Cláudia, e que a todos nós chocou profundamente, há muito tempo já se tornou rotina. Exemplos temos e muitos, aqui no Estado do Rio de Janeiro bem como em toda parte desse pais, a exemplo do pedreiro Amarildo, Douglas e tantos outras vitimas dessa política. Tudo isso deve nos servir de alerta. Sobre a nossa juventude preta não é diferente, vide as estatísticas oficias, que apontam uma realidade cruel que se abate sobre eles, onde a expectativa de vida, não ultrapassa a idade dos 24 anos. Não podemos e não devemos nos calar, diante de mais esse crime, cometido pelos chamados Agentes do Estado. É de total responsabilidade do governo Cabral, mais essa tragédia, que se abateu sobre mais uma família de trabalhadores moradores negros de favela do Rio de Janeiro. A nossa tarefa é lutar contra esse quadro de covardias dos governos Estadual, Federal e Municipal, que vem submetendo milhões de pretas, pretos e pobres nesse país afora, a uma onda de terror, que criminaliza e marginaliza a todos nós pela cor da pele.
       CONTRA O EXTERMÍNIO DO POVO PRETO, CONTRA A OCUPAÇÃO MILITAR DAS FAVELAS DO RJ. SÓ A NOSSA LUTA PODE GARANTIR A VIDA.
Escrita pelo Movimento Negro
Assinam:
Aqualtune
Arte Griot
Afrolaje
Marking - Movimento de Ação e Reflexão
Criola
Nefet
MNU-Juventude RJ
Espaço cultura Almirante João Cândido
Fórum Juventudes RJ
Fórum Estadual de Mulheres Negras
AMAR (Associação de Mulheres de Ação e Reação)
Coletivo Meninas Black Power
Preta&Gorda
Educafro
Coletivo Munervino de Oliveira
Movimento Negro da FND
Instituto Búzios
Movimento Nacional Quilombolas Raça e Classe
Mulheres Negras Construindo Visibilidade
Pastoral Regional Metodista de Combate ao Racismo
Comissão de Igualdade Racial OAB-RJ
Coletivo de Estudo Jurídicos Luiz Gama
Granes Quilombo
Conadedine
Grupo de Trabalho Psicologia e Relações do conselho Regional da Bahia.
       Aproveitamos para convidar a todos, especialmente Meninas Black Power, para participarem do ato "A Paixão de Cláudia". Será uma homenagem póstuma à mulher negra assassinada pela PM do Rio de Janeiro. O ato acontecerá dia 18 de abril, com concentração em frente à Igreja da Nossa Senhora da Consolação, às 15h. Está sendo articulado pela empresa Cubo Preto Ensino de Arte e Cultura Ltda., juntamente com ONGs, associações, empresas, órgãos da imprensa formal e informal e por profissionais de várias áreas das artes e interessados na vida em sociedade de modo geral. Participem! Maiores informações: https://www.facebook.com/PaixaodeClaudia.



SOBRE LIBERDADE

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por Jaciana Melquiades


       Depois que deixei meus cabelos livres de químicas que modificavam a estrutura dos meus fios, me peguei pensando/conversando/refletindo sobre liberdade. Liberdade dos fios de cabelos, sobre o "poder fazer o que quiser com os cabelos", sobre autoconhecimento.
       Entendam que aqui vai a minha percepção, pensada a partir de minha trajetória e experiência pessoal com meus cabelos. Eu usei relaxantes por muito tempo. Mas usei relaxantes com o único pensamento de possuir uma estrutura capilar que eu elegi (com a ajuda da mídia, do racismo, das piadas pejorativas, da autoproteção) como ideal. Passei anos nessa busca. Nunca estava suficientemente boa a forma dos meus "cachos". A raiz precisava de retoques, o fio de mais cachos, os cremes e hidratações tinham que ser milagrosos... E caríssimos. E nunca estava suficientemente bom! Sei que já disse isso, mas era sempre assim: frustrações recorrentes, seguidas e mais certas que o dia. Quando eu olhava fotos anteriores ao momento em que estava vivendo, via beleza... mas no espelho, não.


       Achava ótimo ter um cabelo com etiqueta. No fim das contas, era uma competição: comigo, com amigas, com uma comunidade virtual na qual todas as participantes esbanjavam conhecimentos químico-capilares, dinheiro e cachos (esses eram os mais sonhados e idolatrados!). Eu não me conhecia e mensalmente fazia o mesmo ciclo, a mesma maratona. Sofria a CADA fio perdido: eram menos cachos, dinheiro no lixo, estresse que tomava o dia! Um único pormenor não era levado em consideração: EU NÃO TENHO CACHOS! Nunca tive e nenhuma química seria capaz de me dar isso satisfatoriamente. Percebam: ter cachos definitivamente não é um problema... É lindo! Porém, não é o meu caso. E a busca pelos cachos perfeitos só maltratou meus cabelos e minha autoestima.
       Larguei os relaxamentos. Não foi simples. Pasmem: meu cabelo simplesmente não cai mais! Só faz crescer, pra cima, forte, meu! Ele não brilha, não mostra o crescimento (é preciso que eu pegue uma mecha e estique para ver toda a extensão dos meus fios), não faz cachos, não balança, não, não, não, não, não. Parei com os "nãos" também. Fui aprender o que ele faz e como é que se faz qualquer coisa nele. Larguei também os espelhos distorcidos que eu tinha e que só me faziam ver erro em meus fios! Estou aprendendo muito. Descobri que posso ter os cabelos que eu quiser, mas sobretudo, percebi que meus cabelos são meus e são únicos.


       Penso hoje nos recursos que uma mulher negra de cabelos crespos possui para diversificar seus penteados, usar os cabelos lisos, cacheados, crespos. Escovas, relaxantes naturais, técnicas infinitas de texturização dos fios, tranças. Não vejo nada disso com maus olhos, até uso muitos desses recursos pra modificar meu visual, mas mesmo sem alterar a estrutura dos meus fios, acho importante que esses recursos sejam usados com tranquilidade e que nunca funcionem como meios de "camuflar", "disfarçar" ou esconder a estrutura dos próprios fios. É preciso que entendamos nossos cabelos, a forma ideal de penteá-los para que não se partam e para que a tarefa seja prazerosa. Que o toque em nossos cabelos não nos cause repulsa ou estranhamento, e que o cafuné nos deixe confortável.
        Hoje meus cabelos só podem crescer, pois nada do que uso faz cabelos caírem ou minguarem. Hoje não tenho nenhum receio de tocar meus cabelos na rua, no reflexo do carro... Aliás, não ando mais me olhando em cada carro que passa por mim, pois sei que meus fios estão exatamente onde estavam pela manhã quando me arrumei! Hoje penso que sou livre pra deixar meus cabelos serem plenos e me darem toda a variedade que eles comportam. Aprendi que meus cabelos podem ser minha digital. Troquei a etiqueta pela identidade.

P.S. Todo amor aos meus espelhos.