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MBP + LANÇAMENTO DA MARCHA DAS MULHERES NEGRAS NO RIO

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por Élida Aquino

Foto: Ignez Teixeira
      Na última Sexta-feira o Coletivo Meninas Black Power teve o prazer de participar do lançamento da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e Pelo Bem Viver para mulheres da cidade do Rio de Janeiro. Para quem não sabe, a Marcha das Mulheres Negras acontecerá no dia 18 de Novembro deste ano em Brasília. A ideia é reunir "o máximo de organizações de mulheres negras, assim como outras organizações do Movimento Negro, sem dispensar o apoio de organizações de mulheres e de todo tipo de organização que apoiem a equidade sociorracial e de gênero".
      O lançamento no Rio foi uma celebração maravilhosa na Central do Brasil. As mulheres que passaram por lá tiveram a oportunidade de participar de ações educativas em saúde da mulher, assistir apresentações culturais, fazer amarrações de turbante e muito mais. Conversamos com algumas participantes envolvidas no movimento de organização da Marcha sobre a importância do evento para cada uma e também sobre pautas importantes que serão levantadas em nosso ato.
Fotos: Élida Aquino
    Sobre as articulações para a Marcha, Bia Onça contou que estão acontecendo reuniões regulares em diversos locais do Estado e qualquer interessada pode participar. Já que a Marcha é para toda mulher negra, todas devem se envolver. Também destacou a pauta que levaremos para o ato. Visibilidade social da mulher negra, sua valorização no mercado de trabalho e a afirmação dos direitos humanos são alguns exemplos do que será abordado. Lumena Aleluia, psicóloga e estudando Saúde da Mulher na UFRJ, destaca a importância de discutirmos a política de saúde da população negra, em especial a saúde mental. Vania Bretas, representando o comitê impulsor da Marcha em Niterói, ressalta a necessidade de ocupação em espaços acadêmicos, onde mulheres negras ainda são minoria. Ela conta que foi a primeira em sua família a cursar o ensino superior e hoje tem o prazer de ver a filha na universidade através do sistema de cotas.
Foto: Ignez Teixeira

      Nós estamos ligadas em tudo sobre a Marcha e vamos estar em Brasília participando deste momento histórico. Convidamos vocês para estarem lá também, Meninas! Todas as informações e materiais sobre a Marcha estão disponíveis em www.2015marchamulheresnegras.com.br e no email marchanegras2015@gmail.com. A próxima plenária no Rio será no dia 11 de Abril em São João de Meriti e vocês podem buscar informações em marchadasmulheresnegrasrj.2015@gmail.com. Vamos juntas construir uma nova realidade!

"FRUITVALE STATION" E O QUE SEI DA VIDA

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por Élida Aquino
Manifestações em Ferguson, EUA | Foto Scott Olson/Getty Images
      30.000 homicídios por ano, 2.500 por mês, 82 por dia, 7 a cada duas horas e 77% dos mortos são negros: números relacionados à mortalidade da juventude no Brasil, hoje divulgados pela campanha #JovemNegroVivo, promovida pela Anistia Internacional (saibam mais aqui). Em meio aos índices alarmantes e o apelo à "consciência negra" que deve extrapolar datas, assisti a um filme que me movimentou. Não bastasse saber que eu e jovens como eu somos alvo do Estado e morremos todo dia, estou ainda mais ligada à questão. Não são poucos os homens jovens e negros da minha família que morreram brutalmente. Quer seja pela mão da polícia ou de outros tipos de criminosos, já vi sangue do meu sangue sobre chão. Não é fácil lembrar, mas é menos fácil ainda acomodar. 
       Assisti "Fruitvale Station: A Última Parada" com minha irmã e quase não aguentamos chegar ao fim. Começamos por causa da linda Ariana Neal, que interpreta Tatiana, filha de Oscar (Michael B. Jordan). Depois de começar, vimos que era real. Oscar Grant III, um jovem homem negro e cidadão estadunidense, foi assassinado aos 22, na estação BART. Morreu em 1 de Janeiro de 2009 e poucos devem lembrar deste caso. O filme fala sobre a passagem do jovem pelo presídio, a luta para retornar à vida civil honestamente; mas, sobretudo, mostra com intensidade as cenas que se repetem no cotidiano de maneira tão ou mais forte. Oscar e seus amigos, todos negros, começam "enquadrados" por policiais (nada mais comum e recorrente, não?) em plena madrugada de Ano Novo, depois de um desentendimento com homens brancos e racistas no metrô. O fim da história são rapazes negros agredidos, morte, desespero.



      Não estou aqui pra indicar que assistam. O filme é ótimo, mas vim falar da dor capaz de causar incômodo e reação. Nossa realidade tem que ser mesmo a de andar com as mãos erguidas dizendo "não atire!", como está acontecendo com os jovens de Ferguson? Devemos mesmo nos sentir ameaçados ou ameaçadores e calcular nossos horários ou como estamos vestidos para circular por aí? O assunto aqui é o direito de viver livres, o papel de órgãos que devem manter a segurança de todos, inclusive a nossa. Estamos falando sobre quem mata ou morre e o que achamos de quem mata ou morre, questionando a cultura do estereótipo que sugere que um rapaz pigmentado descendo a favela pela manhã é, em primeira opção, um meliante. 
     Já pararam pra pensar o tamanho da nossa responsabilidade enquanto as mortes acontecem? De que lado estamos? Truculência e abuso fazem parte do dever? Aqui, nos Estados Unidos e em tantos outros lugares, não nos faltam exemplos. Foi o Mike Brown, meu primo Nino, meu tio, o cara aqui do bairro, talvez alguém querido de vocês que me leem agora. Espero que eles tornem nossos olhos mais abertos, nossos corações mais sensíveis. Há muito o que se pensar e fazer. Não podemos nos contentar com a liberdade limitada que 13 de Maio finge trazer. Faço esse apelo por mim e por tantos que, como eu, não suportariam passar, sem assistência e justiça, por uma poça de sangue igual ao próprio sangue outra vez. 
Assinar o manifesto é um jeito de começar mudanças. Participem!

PRA SER GRANDE

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por Jaciana Melquiades
Foto: Jaciana Melquiades

       Um dia desses disse ao meu filho que ele não se deitasse no chão, pois já estava com pijama, pronto pra dormir. Ele, criança de 3 anos, deitou, rolou e veio correndo me abraçar. Eu fiz uma careta dizendo: "Mas você rolou no chão! Eu disse que ficaria todo sujo!". Ele ficou cabisbaixo. Foi contar ao pai com tristeza que eu disse que ele estava nojento. Não usei esse termo NOJENTO. Vasculhando a memória, já usei várias vezes associado a alguma comida que eu desgoste, ao lixo acumulado, mas nunca me referindo a uma pessoa, muito menos ao meu pequeno. Mas ele já viu meu semblante usando o termo... Provavelmente fiz a mesma careta e o termo nem precisou ser verbalizado para que fosse apreendido por um menino de 3 anos.
      Sempre penso muito no que ando fazendo enquanto mãe de um menino preto de 3 anos, no que digo a ele cotidianamente, nas palavras que uso. Uma vez disse: "Venha cortar essas unhas... Estão pretas, veja!". Meu coração gelou assim que proferi essas palavras: como vou construir a autoestima no meu menino usando o termo "preto" associado à sujeira? Cada sutileza, cada palavra mal dita deve ser pensada, refletida, elaborada e eliminada da fala.

Foto: Jaciana Melquiades
     Os lugares que ocupamos socialmente são reflexo do horizonte de expectativas que criamos. E não criamos sozinhos, sem exemplos, sem levar em consideração o que ouvimos ao longo de nossa formação enquanto sujeitos. Esses dias, por conta de trabalho, li um texto do Jailson de Souza, do Observatório de Favelas, sobre os encontros e distanciamentos entre a favela e outros espaços da cidade¹. Ao longo do texto, o questionamento que vai sendo deixado ao leitor é o de como seria possível ampliar os horizontes de expectativas dos jovens das periferias. Como seria possível construir, reformar, aumentar, elevar a autoestima dos jovens negros que acessam diariamente a fala racista e excludente mesmo através do não-dito?
      O racismo engessa, classifica e enquadra pessoas em lugares sociais específicos. E ele é também construção, uma ficção que mata um sem número de jovens negros diariamente. A história que nos contam desde o nosso primeiro contato com a escola é de derrotas e falências da população negra; Não tem glória nem luta nos livros de história que nos apresentam. Não tem beleza nem positividade nos termos racistas que usam para nos definir. Não tem passado nem unidade na trajetória da população negra que chega até nós, e mesmo nossos sobrenomes não são uma pista muito confiável para saber de onde viemos.

Foto: Jaciana Melquiades
      Não é raro nas escolas em que tenho a chance de trabalhar ter acesso à crianças, adolescentes, jovens adultos, todos da periferia, que tenham poucos ou nenhum sonho relacionado ao futuro profissional. Após uma atividade realizada recentemente pelo o Coletivo Meninas Black Power, me perguntei qual seria a razão de crianças de 10, 12 anos não conseguirem sonhar profissões mirabolantes, imaginar futuros grandiosos ou postos fabulescos (muito comum essa ação quando falamos de crianças!). A imaginação é pura potência, e andar na contramão é tentar ser força estimuladora de sonhos em crianças que vivem a realidade da violência banalizada (violência que nem sempre é explícita, berrada ou anunciada), da escola-depósito, da ofensa gratuita.
      Tenho aprendido muito com meu molequinho. A percepção dele do mundo tem me colocado diariamente em frente a um espelho que amplia minhas ações, minhas falas, minhas caretas. Ele repete o que eu sou e me deixa perplexa diante de minhas falhas. Chance diária pra repensar, me desculpar e me refazer.  

Jaciana Melquiades, mãe do Matias, é historiadora, educadora, empresária e integrante do Coletivo Meninas Black Power.

*SOUZA e SILVA, Jailson de e Barbosa, Jorge Luiz. Encontros e Rupturas entre as facelas e os outros territórios da cidade. In: Favela – alegria e dor na cidade. Rio de Janeiro: Editora SENAC/Rio, 2005

QUEREMOS O #JOVEMNEGROVIVO

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por Grupo de Trabalho Histórico-político

Fonte: Anistia Internacional

      No último domingo, dia 09 de Novembro, a Anistia Internacional lançou a campanha Jovem Negro Vivono Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro. Uma campanha que visa a mobilização da sociedade civil pelo fim do extermínio do povo preto.
       Você deve estar se perguntando: "Por que Jovem NegrO vivo?" A resposta é dada pelos números. Em 32 anos, a taxa de homicídios no Brasil aumentou 148,5%, totalizando mais de 1 milhão e 200 mil vítimas. Esses números ultrapassam as mortes em zonas de guerra, sendo que essas mortes são específicas e não atinge a toda a sociedade brasileira de maneira igual.

Renata Morais, integrante do Coletivo MBP
      Esses números são contabilizados em corpos de jovens com idades entre 15 e 29 anos. Por ano são contabilizados 30 mil homicídios, o que são 82 jovens por dia ou 7 a cada duas horas. A CADA 2 DIAS É COMO SE CAISSE UM AVIÃO SÓ COM JOVENS!
      Dentro desses números, que por si  só já são estarrecedores, 93% são homens e 77% são negros. O que mais choca além desses números que ultrapassam o absurdo é a indiferença com que os milhares de corpos no chão são encarados, ou melhor, invisibilizados.

Karina Vieira e Jessyca Liris, integrantes do Coletivo MBP, em instalação no Largo da Carioca
      Queremos um basta e vamos lutar por isso! Chega de homicídios!  Apoiem esta causa e mostrem que vocês também se importam. Estamos juntos. Assinem o manifesto aqui: https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo.

Querem conhecer melhor os índices? Vejam abaixo os infográficos:


O vídeo da campanha é incrível e impactante. Vejam aqui:

O NEGRO NA TELEVISÃO

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por Nathali Lima
Zózimo Bulbul | Fonte: Google
      A importância da televisão na vida do cidadão brasileiro é inegável. Presente na maioria das casas acabou tornando-se instrumento fundamental na formação cultural do país. Dentre as diversas formas propostas pelo contexto televisivo de entreter, estão as telenovelas. As novelas exibidas na televisão são, de longe, a construção de ficção televisiva que mais desperta interesse no telespectador. Diante de uma sociedade que excluí sistematicamente o negro dos espaços de poder, a televisão não poderia ser diferente. Esse tipo de produção artística é distribuído largamente por todo o país e é consumido por uma grande parcela da população.
      Por sua relevância, é importante levantar a questão da desigualdade racial e a sua falsa inclusão: onde o negro ocupa o lugar de cidadão de segunda classe exercendo um papel rejeitado pelo branco e que acaba, dentro da lógica racista, por legitimar a exclusão estrutural de negros nesses espaços. Entendendo-a como instrumento para manutenção da hegemonia imposta pelo racismo (justamente por ser acessível e presente no cotidiano dos brasileiros) é notável a baixa representatividade negra na televisão e, na grande maioria dos casos, quando inseridos é para fazer uma representação caricata.

Equipe Tá Bom Pra Você? | Fonte: Google
     Nas novelas, os negros encenam, quase sempre, papéis de personagens subalternos ou que não ganham destaque na trama. Sabendo das limitações em oportunidades presentes nesse ramo, podemos imaginar a escassez de trabalho para artistas negros. Em 1964, Isaura Bruno, mulher negra, ganhou notoriedade por seu papel no sucesso televisivo "O Direito de Nascer". O sucesso não garantiu uma carreira estável. Morreu pobre, trabalhando como ambulante. É necessário, para além das exigências que visam garantir a presença do negro em espaços como esses, majoritariamente brancos e racistas em sua raiz, formular espaços que sejam inclusivos, em sua essência, a esse tipo de postura. Felizmente, a internet proporciona a atores, escritores e artistas visuais negros a possibilidade de criação para além do mainstream e das grandes corporações televisivas. Iniciativas como o canal "Tá bom pra você?" ilustram as alternativas presentes para trabalhar o negro e o processo criativo paralelamente com a inserção do negro no cenário televisivo e da grande mídia.
      É importante que esse processo que visa inserir o negro na televisão seja acompanhado de uma visão crítica e da intenção em propor um debate sobre a exclusão dos negros nesses espaços. Tornar essa discussão possível é abrir caminho para que ela torne-se possível em outras esferas da sociedade.      

OLHA, EU SOU DA PELE PRETA: GRAÇAS A DEUS!

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por Cecília Oliveira

Foto: Fernando Oliveira
       Há um ano e seis meses, resolvi recomeçar a vida. Balzaquiana, decidi cortar todo o cabelo e me conhecer e reconhecer como mulher negra. Foi resultado de longos estudos sobre identidade, história, negritude. Seria um gran finale de aceitação.
      Foram meses lendo sobre textura, tratamentos, cronogramas capilares etc. Era um mundo que eu não fazia ideia de que existia. Primeiro entrave: como escolher os tratamentos/produtos adequados ao meu cabelo se eu não conhecia meu cabelo? Nas leituras, descobri que existem cabelos de 2A até 4C. Mas qual era o meu tipo? Eu não fazia ideia. Eu precisava saber qual era pra saber como criar meu cronograma capilar e aprender a hidratar, nutrir e reconstruir a massa do cabelo para mantê-lo saudável. E aí, diante da minha decisão, ouvi duas perguntas: “Isso é caro? Vai dar mais trabalho?” Oras! Caras e trabalhosas eram as escovas progressivas para alisar os cabelos!
        Alisei os cabelos pela primeira vez – ao que me lembro – lá pelos 8 ou 9 anos, com a então famosa e maldita "touca de gesso". Lembro de ter me sentido absolutamente ridícula em ficar com cabeça "engessada" por mais de uma hora. Era uma coisa fedida, que deixou meu couro cabeludo vermelho e sensível durante uns dias. Desde então, a cada três meses, lá estava eu de volta, para "domar" aqueles insistentes cabelos que me tiravam o sossego – e a beleza.


      Beleza: tá aí uma coisa que "nunca tive". Sempre me achei muito feia. Magra, "cabelo duro", espinhas, "moreninha". Tudo pra ser preterida. E assim foi por muito tempo. Lembro com clareza de quando chegou a época da formatura da oitava série e precisavam ser formados pares para a cerimônia (não vou entrar no mérito dessa convenção social machista agora). Lembro que eu tinha um grupo de amigos, e nenhum deles quis entrar comigo na tal cerimônia. Ouvi um deles falando: "prefiro a Eduarda. Mais bonita". Eduarda, com seus longuíssimos cabelos lisos e branquinha, era mais bonita. Claro. Hoje entendo a beleza de Eduarda. E a minha. Lembro ainda uma outra vez em que eu estava varrendo a varanda de casa e uma pessoa, procurando por minha mãe – que é branca e viúva de um negro – perguntou se "a dona da casa estava". Cada qual no seu lugar, certo? Errado.

ANTES "MORENINHA". AGORA, NEGRA E…. GAY?
       Pixaim, palha de aço, Bombril, vassoura, leoa, sarará, cabelo duro, cabelo ruim, piaçava. Ouvi isso a vida inteira, mesmo depois de alisar o cabelo, já que ele, mesmo alisado, não tinha a aparência adequada, de naturalmente liso. Mas, aleluia, um dia chegou o dia do Big Chop ("BC" para os íntimos), a hora de cortar tudo. Eu estava tão ansiosa que não aguentaria passar pela transição, forma como muitas meninas conseguem manter o cabelo alisado até ter o tamanho suficiente de cabelo natural pra não precisar cortar "Joãozinho".

Foto: Anderson França
      Pois eu cortei "Joãozinho". E ganhei mais um rótulo imediatamente. Passei a receber olhares, questionamentos sobre minha sexualidade e até vivenciei a homofobia, quando um homem bradou: “isso é uma pouca vergonha! É culpa do Lula e do politicamente correto a gente ter que ver isso!”. Eu estava tomando um suco com uma amiga – também de cabelos curtos – numa lanchonete perto de casa. Peguei uma cadeira para “educa-lo”, mas fui contida. Melhor assim.

ACEITAÇÃO: UM ATO POLÍTICO.
     "Será que você consegue um namorado agora, com esse cabelo?", "será que consegue um emprego?", "sua criança vai sofrer bullying na escola?". Não vou dizer que não pensei nestas coisas. Mas vou dizer que pensei mais nas respostas. Eu gostaria de me relacionar com alguém que me avaliasse e me desejasse de acordo com meu cabelo? Eu gostaria de trabalhar num lugar em que a capacidade das pessoas fosse medida pelo cabelo? Eu matricularia minha criança em uma escola que mandasse cortar o cabelo, como um uniforme? Eu me submeteria ao racismo? Eu realmente quero me retirar destes debates e me recolher ou quero lutar com as pessoas pela garantia de direitos de todos e pela mudança desse cenário medíocre e criminoso?
       As respostas a essas perguntas são políticas. Somos seres políticos. Existir é um ato político. Existir como mulher negra é um duplo exercício de luta pela cidadania e plenitude de direitos. Deixar seu cabelo pro alto, no lugar onde você decidiu que ele deve estar, é uma afronta. Uma afronta à “ordem natural das coisas”, onde o negro tem seu lugar muito bem delineado – um lugar num cantinho, mais ao lado, mais na cozinha, um segundo lugar. Uma afronta ao Estado Brasileiro, que teve uma política oficial de branqueamento de seu povo, focando na miscigenação e no estabelecimento de uma população morena. Negra não. Esta coisa ruim tinha que ser apagada.

Foto: Fernando Oliveira
       Aceitar-se é uma afronta a um Estado cuja polícia federal exige que se prenda os cabelos para ter direito a tirar um documento. Afronta a um Estado que mata majoritariamente negros. Afronta a um Estado cujos cargos de chefia são ocupados em sua esmagadora maioria por homens brancos, que ganham 36% mais que os homens negros e 47,8% mais que as mulheres negras. Eu nasci pra afrontar esse Estado, pois nascer e viver sob esse Estado é uma afronta.

RACISMO SEM FIM
     Como esperar que uma criança não reproduza o racismo ou se acostume a sofrê-lo se ela não reconhece ao seu redor negros em posição que não seja subalterna? Como isso é possível sem que sequer haja bonecas negras pra brincar, bonecas com sua cor, seu cabelo, sua boca e nariz, sua identidade e que mostrem à criança que ela é bela e merece ser copiada?
     Como ser negro pode ser algo bom, não depreciativo, se pessoas da sua cor sequer aparecem no cinema, se não têm representatividade? Quantos negros protagonizam novelas que se passam no Leblon, são ricos, patrões, tem casas bonitas na beira do mar (protagonistas de senzala, em novelas de época não contam)?  Mulheres negras no cinema praticamente não existem, mesmo que nós sejamos 52% da população feminina do país.
NÃO PASSARÃO!
    Nós, mulheres e homens negros, construímos este e outros países. Carregamos o Brasil nas costas ainda hoje, mesmo ganhando bem menos pra isso e morrendo mais cedo e em maior número. Mas aprendemos a resistir e, a cada dia, aprendemos a peitar aqueles que acham que aqui não é nosso lugar. Nós vamos lutar para viver mais e melhor e vamos ensinar nossos filhos que nosso cabelo, nosso nariz, nossa pele são as características da liberdade e da resistência e que temos, sim, direito a um lugar ao sol.
Cabral, o retrato da desinteligência nacional
   Nós, mulheres negras, vamos continuar procriando, mesmo que governadores brancos nos chamem de "parideiras de marginais". Nós vamos afrontar este Estado e mostrar que nosso lugar não é na cozinha.

(O título do texto é uma alusão à música de Cabelo Pixaim, de Jorge Aragão.)

Cecília Oliveira é Jornalista e pesquisadora, com especialização em Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG, é coordenadora de comunicação do Law Enforcement Against Prohibition – LEAP Brasil. Indicou o texto, originalmente postado no site Ano Zero, para ser postado no blog MBP. 

ENCRESPANDO - 2ª EDIÇÃO

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por Equipe MBP
Arte: Era Uma Vez o Mundo
      Há um ano colocamos em prática um dos projetos pelos quais o Coletivo Meninas Black Power existe: promover um evento no mês da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha para reunir as melhores conversas sobre cultura e beleza negra, reflexões sociopolíticas e encontros entre iguais, onde tod@s possam ser espelhos. Uma verdadeira celebração! Nós conseguimos, chamamos de Encrespando, e pela segunda vez estamos juntas, fazendo este momento incrível acontecer. 
     Encrespando é o evento oficial do Coletivo Meninas Black Power, acontecerá pela segunda vez no Rio de Janeiro e estamos trabalhando para que em breve se espalhe nos outros Estados onde também estamos representadas. Nossa primeira edição aconteceu em 20 de Julho de 2013, no SINDSPREV, Rio de Janeiro. Confiram abaixo um pouco do que vivemos por lá:
      Desta vez temos o privilégio de estar no Renascença Clube, espaço de referência para a resistência cultural negra carioca, que zela por manter a tradição sempre viva. Preparamos com carinho uma programação repleta de diálogos e momentos que vão promover conhecimento de nossa história, quem nós somos enquanto mulheres e homens negros. 
      Começaremos com a oficina de turbantes ministrada pela Colares D'Odarah, ícone importantíssimo na arte e educação que emanam das amarrações de um turbante. Esta oficina tem vagas limitadas e a inscrição deve ser feita através do email encrespandombp@gmail.com. Em seguida vamos ouvir a palestra trazida pela A.M.A.R sobre "A autoestima da mulher preta". O workshop sobre cabelo crespo é provavelmente o momento mais aguardado. Numa conversa conduzida pelo Coletivo MBP, vamos dialogar sobre vivências, cuidados e possibilidade de nossos cabelos crespos. O próprio Coletivo conduz na sequência a conversa "Lynch e seus reflexos na sociedade negra contemporânea", dialogando sobre a Carta de Willy Lynch e seus reflexos atuais.
        Também vamos nos deleitar com a dança do grupo Femme e da bailarina Valéria Moña, curtir o som do grupo de pagode composto por mulheres da A.M.A.R, o rap contagiante de Mr. Ronney e, fechando nosso dia com muita grooveria, o som da Banda Consciência Tranquila, que embala todo mundo nos encontros incríveis do Baile Black BomNo Encrespando Kids, nosso espaço infantil que estará aberto para receber crespinhas e crespinhos durante o evento e é uma grande novidade, haverão atividades conduzidas pela recreadora Natália Regina, contação de histórias afirmativas com Kemla Baptista e uma brinquedoteca recheada de diversão e assinada pelos parceiros da Era Uma vez o Mundo. O Bazar Encrespando, nosso espaço de afronegócios, conta com A Quixotesca, Colares D’Odarah, D'Negro, Era Uma Vez o Mundo, Lulu e Lili Acessórios, Makeda Cosméticos, NBlack, O Alquimista de Chad, Pixaim Acessórios, Soul Bamba e Trançando Ideias
       Ah! Quem passar pelo Encrespando também vai conhecer a carinha de todas as integrantes do Coletivo na exposição “Bonec@ Pret@ é identidade”, assinadas pela alta costura de Srta. Chris e as bonecas lindas de Era Uma Vez o Mundo.
Arte: Era Uma Vez o Mundo
      Desejamos muito ver vocês na próxima Sexta-feira, fazendo história junto com o Meninas Black Power e compartilhando muito amor. O Encrespando é nossa casa e queremos que quem passar por lá possa desfrutar de um entretenimento saudável, conscientizador, que reflita toda beleza e resistência de nossa negritude. Venham com a gente!

Incrições*: 
http://goo.gl/0QGr1E

Programação completa:
16:00 às 16:30 - Abertura dos portões
16:30 às 17:00 - Abertura e oficina de turbantes com Colares D'Odarah
17:00 às 17:40 - Palestra A.M.A.R - "A autoestima da mulher preta"
17:50 às 18:20 - Workshop MBP - perguntas e respostas sobre cabelos crespos, dicas de cuidados e penteados
18:30 às 19:10 - Conversa Crespa com o Coletivo MBP - "Lynch e seus reflexos na sociedade negra contemporânea"
19:10 às 19:20 - Apresentação do grupo de dança Femme
19:30 às 19:40 - Apresentação de dança afro com Valéria Monã
19:50 às 20:20 - Apresentação do grupo de pagode A.M.A.R
20:30 às 20:40 - Apresentação do grupo de dança Femme
20:40 às 21:00 - Apresentação do rapper Mr. Ronney
21:00 às 22:00 - Apresentação da Banda Consciência Tranquila 

Programação do Encrespando Kids:
17:10 às 17:30 - Workshop "Como cuidar do crespinho" com Renata Morais (idealizadora da Lulu e Lili Acessórios e integrante do Coletivo MBP) - dicas de cuidados e penteados para cabelos infantis
17:40 às 18:30 - Contação de histórias 
18:40 às 19:20 - Hora do alongamento - Preparando o corpinho pra se movimentar 
19:20 às 20:00 - Vamos Dançar? 

* A entrada é franca, mas as incrições devem ser efetuadas para fins de controle e inclusão nas promoções que acontecerão no decorrer do evento. As inscrições estarão disponíveis até 24/07, às 12h.

NOSSAS ESTATÍSTICAS SOB O OLHAR DE MARCELO PAIXÃO

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por Juliana Barauna
     Conheci pessoalmente o professor Marcelo Paixão durante uma entrevista concedida à primeira temporada do Programa "O Bagulho é Doido" para o Canal Brasil. Estava na equipe técnica, atrás das câmeras, e contive  a expectativa de ouvir de tão perto sobre um tema que faz parte da vida e do cotidiano de todos nós, pretas e pretos, em qualquer nível social: relações de trabalho, desigualdades sociais e raciais. Passou bastante tempo, até que um dia desses encontrei esta foto e resolvi escrever brevemente sobre alguns trechos do livro "Manifesto Anti-Racista - Idéias em Prol de uma utopia chamada Brasil" entre outras análises do professor Marcelo Paixão.
    O processo histórico de escravização de negr@s african@s até a data da farsa da abolição é um dos principais pontos que originam a larga diferença econômica entre pretos, pardos e brancos hoje no Brasil, provocando conflitos e tensões entre os diferentes grupos étnicos e/ou culturais. A abolição não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem terras, educação e direitos civis plenos aos descendentes de escravizados e "libertos". Pelo contrário, políticas públicas urbanas e higienistas refundaram as diferenças sob novas bases sociais e étnicas.
   Vítimas constantes de racismo e preconceito, os grupos menos favorecidos e historicamente discriminados são excluídos do mercado de trabalho, do sistema educacional, dos meios tecnológicos, restando-lhes apenas a condição de subalternos e marginalizados. Para Paixão (2006, p. 18), "o enfrentamento das questões derivadas das relações étnicas e raciais encontra-se, certamente, entre os maiores desafios da humanidade no século XXI".
     Muitas são as barreiras que impedem que os grupos menos favorecidos tenham acesso a um padrão de vida melhor. Dentre estas barreiras está o acesso à educação escolar, isto é, ao conhecimento científico e aos saberes sistematizado, que ainda é privilégio da elite. Poucos são os que conseguem furar essa barreira que os impedem de desenvolver-se intelectual, social e profissionalmente, o que nos leva a pensar que não basta ter acesso à escola se a educação oferecida aos grupos menos favorecidos não é adequada e suficiente para qualificar nossas crianças e jovens. Indicadores como homicídio, incidência da mortalidade materna e trabalhadores que recebem salário mínimo ainda são ocupadas majoritariamente por negros e pardos.
      Para não fechar sem falar em números, índices, melhorias e o longo caminho que temos a percorrer, o bom desempenho da economia brasileira na última década favoreceu um aumento da renda de toda a população do país, inclusive dos pretos e pardos. Considerando apenas os últimos anos, entre 2010 e 2012, nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras, o rendimento médio dos trabalhadores aumentou cerca de 7%. Para os brancos, a expansão do rendimento foi de 5%. Para os pretos e pardos, o aumento foi de 11%.

 Mesmo considerando este avanço, as assimetrias raciais na renda seguem muito elevadas. Em 2012, nas 6 maiores regiões metropolitanas, os trabalhadores brancos ganhavam, em média, R$ 2.237,20.  Já os trabalhadores pretos e pardos, R$ 1.255,96; ou seja, em 2012, a renda média dos brancos era ainda 78% superior a dos pretos e pardos.

 A redução da taxa de desemprego beneficiou os negros e pardos. Foi uma redução significativa? O que isso representa para os negros e para a economia do país?
 Assim como para a renda, também o nível de desemprego melhorou na última década no Brasil. Sempre considerando as seis principais regiões metropolitanas do Brasil, podemos ver que, em 2003, a taxa de desemprego era de 11,2%. Na média de 2012, foi igual a 5,5%.
 Entre a população branca, a taxa de desemprego caiu, entre 2003 e 2012, de 9,6% para 4,7%. No mesmo período, a taxa de desemprego da população preta e parda passou de 13,4% para 6,4%; ou seja, houve uma redução no desemprego mais expressiva entre os pretos e pardos (10 pontos percentuais) do que entre os brancos (4,9 pontos percentuais).
 Contudo, isto não deve ocultar outra dimensão muito importante. Apesar da redução das desigualdades raciais, e de gênero,  especialmente na última década; a estrutura social brasileira se mantém fundamentalmente inalterada.

Se de um lado, o bom desempenho econômico do Brasil melhorou os indicadores socioeconômicos, e as políticas sociais adotadas conseguiram mitigar as situações de pobreza e elevar as condições de vida da população, de outro lado estes fatores não foram capazes de alterar a alocação relativa de recursos entre os grupos. A posição social de cada grupo de cor ou raça e sexo se mantem praticamente imutado no tempo. Basta pensar que, ainda em 2011, cerca de uma em cada cinco mulheres negras ocupadas no Brasil era empregada doméstica.
   O vídeo abaixo trata a questão do preconceito racial no Brasil. Na introdução, trabalhadores e moradores da Chácara do Céu fazem algumas críticas à nossa sociedade. Em seguida, o professor Marcelo Paixão debate sobre alguns pontos que envolvem este tema.



Sobre Marcelo Paixão:
    Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1989), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994) e doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2005). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro em regime de Dedicação Exclusiva. Pesquisador do CNPq entre 2010 e 2012, Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e bolsista Capes de Pós-doutorado na Universidade de Princeton, New Jersey, EUA. Foi membro do Conselho Universitário da UFRJ entre 2009-2012. Coordena o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER), vinculado à mesma UFRJ e criado em 2006. Realizou e realiza atividades de pesquisa no campo das desigualdades étnico-raciais, relações de trabalho do meio urbano e rural e crise do mundo do trabalho. Leciona as disciplinas de Economia Política, Economia do Trabalho, Introdução à Economia, Introdução às Ciências Sociais, Nação e Nacionalidade.

Nota: As informações que fazem parte do conteúdo específico desse texto foram retiradas do livro "Manifesto Anti-Racista - Ideias em Prol de uma utopia chamada Brasil", escrito por Marcelo Paixão, entrevista do professor ao Globo Cidadania (Maio de 2013) e dados do  LAESER - UFRJ. 

“AH. . . MAS O MEU CABELO NÃO É ASSIM!”

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por Élida Aquino 



         Pra começar, compartilho com vocês a reflexão abaixo, exposta pela Kelsey Janae. Olhem:
"Antes de retornar ao natural nunca tinha ouvido falar da classificação dos tipos de cabelo. Todo mundo que eu conhecia usava alisantes e nossos cabelos se comportavam praticamente do mesmo jeito: quando molhados, eram fios rígidos e retos na extensão e inchados na raiz, indicando a hora de um novo relaxante. Quando decidi ser natural, vi uma lista sobre os diferentes tipos de cabelo num site. Começava com o 2A (totalmente liso) e ia até o 4C (muito crespo). Também foram listados diferentes tipos de produtos para o cuidado de cada tipo de cabelo. No início da minha jornada a lista dos tipos de cabelo parecia bastante útil no que diz respeito ao desenvolvimento de meu próprio "regime de cuidados" e, depois que observei isto, não refleti novamente. Em seguida, comecei a perceber que eu tinha três tipos de cabelo diferentes. Além disso, aprendi que não é só porque alguém com um tipo semelhante ao meu usa determinado produto que o mesmo irá ter efeito igual em mim. Conforme o tempo passava, notei uma divisão subjacente entre "as naturais" em relação aos diferentes tipos de cabelo. Tenho observado que as que não são naturais, mas desejam ser, muitas vezes hesitam em fazê-lo por causa do medo de ter um tipo de cabelo "menos desejado". Eu acho que partir para o natural é abraçar quem você é e amar sua textura. Parece que ainda existem certos padrões de beleza, mesmo dentro da “comunidade de cabelo natural”, que estão ligados aos tipos de cabelo.”

Traduzindo livremente: "Discriminação de texturas? 10.375 liks e 3.101 compartilhamentos vs. 3.796 likes e 295 compartilhamentos. Ambos são sobre twist out de três mechas."
       Quem nos acompanha sabe que sempre privilegiamos todas as texturas, exatamente pra que todas se encontrem. Enquanto compartilhamos tantas inspirações, é visível a existência de um "cabelo ideal". Minha preocupação com este padrão, mesmo após permitirmos nossos cabelos, veio ao perceber que cabelos do tipo "cachos perfeitos" são os mais cobiçados e há gente fazendo de tudo pra chegar neles. Também há gente ensinando como caçá-los loucamente. Parece que quanto mais fake o cacho, mas desejado ele se torna. É bizarra a frequência de declarações do tipo "eu queria tanto meu cabelo assim!", "o cabelo dela é tão incrível!", "eu nunca vou ter esse cabelo..." e etc. Todos sempre muito cheios de lamento, sabem? Como se ter um fio mais crespo fosse a maldição do século. Não é uma simples admiração. 
      Repartimos sempre em Coletivo estas observações. Todas nós notamos como é comum encontrar um "preciso de um cabelo desses" sendo dito por aí. Às vezes ele é dito até por quem já passou pela transição, mas ainda pensa em alcançar a "perfeição". Ressalto que a questão aqui não é liberdade de escolha, mas a constante busca por ser "melhor" do que se é. Uma das razões para a existência do Meninas Black Power é gerar o olhar cuidadoso sobre nós mesmas. Não aprendemos isso naturalmente por conta de todo desprivilégio que impera. Ora, se quem nos lê diariamente continua inferiorizando sua própria imagem, querendo trocar por outra, não cumprimos nossa missão! Nos esforçamos para falar aos mais de 40.000 cérebros que não adianta muito cultivar o cabelo, passar pelo Big Chop ou todos os outros processos de transição, e depois olhar fotos numa página qualquer e querer ser aquilo que está na tela, se inspirar exclusivamente num espelho que não lhes reflete. É preciso haver uma transição de mentalidade enquanto o cabelo muda. 

         Pensem bem: será que esses cachos tão queridos dos editoriais de moda não passaram por nenhuma adaptação? Será que as atrizes não passam um tempão sentadas em cadeiras de algum super hair stylist fazendo babyliss fio por fio? Estamos falando do esforço midiático em influenciar pessoas, da ideia de que só assim seremos aceitas. Além disso, o que faz com que aqueles cabelos tipo 3 (com cachos super abertos), com bastante definição e volume, sejam mais belos que um 4C? Será que um 4C não tem beleza e vantagens? Eu mesma respondo: está tudo errado. Há beleza em todo lugar. Está na hora de sermos mulheres diferentes, que admiram a beleza da outra, mas compreendem o valor da beleza que está no próprio corpo.
         Fico feliz quando perguntam como é meu cronograma ou as receitas que gosto de fazer, mas tudo acaba no momento do "meu cabelo nunca vai ser bonito como o seu". Depois de algum tempo sendo "conselheira crespa" por aí, entendo que a insegurança na transição, por exemplo, é normal. Passar pela transição é um processo de desconstruir padrões e se reaprender. É preciso crescer com esta experiência e se libertar das imposições. Não estamos aqui por moda, não estamos buscando o título de "a mais style do baile", não queremos ter o cabelo mais bonito pra oprimir nossas iguais. O ponto principal é identidade. Ela se manifestará na resistência e posicionamento diante de um mundo racista, que pensa que precisamos obedecer regras para sobreviver. Por isso, se vocês que estão lendo acreditam que um "cabelo black" é apenas estilo, sugiro que revejam o conceito. Faço também a pergunta que a Juliana Barauna deixou: o que vocês vão fazer com o black quando a moda acabar?  


       Somos todas rainhas. Todas nós estamos sendo refeitas, nos levantando dos processos que nos quebraram por anos, curando o coração enquanto cicatrizamos as feridas de nosso couro cabeludo. Toda essa mudança dá trabalho, às vezes é dolorosa, mas é vital para abrir os olhos e a mente. Para entender de vez que o mais importante não é nosso tipo de cabelo, mas o quanto de amor temos por ele. Vamos ostentar cada cabelo como coroas na prática! Vocês sabem: existem coroas diferentes, mas todas sempre preciosas. Desejo para nós este mesmo brilho e liberdade.

Fonte: BGLH