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DO TRONCO DA SENZALA AO POSTE DO FLAMENGO

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por Fabíola Oliveira

Foto: Carlos Latuff

       Fala... Pode falar! Fala só pra mim! Você concorda com ela que eu sei! Você que passou no concurso público, e que saiu do subúrbio pra morar na Zona Sul. Você que conquistou tudo sozinho - meritocracia detectedVocê que se esforçou tanto na universidade, e que depois de formado em Direito ou Medicina irá trabalhar no escritório/consultório da família e perpetuar a espécie dos ricos cidadãos de bem.

Fonte desconhecida
       Você que acha que todo mundo é igual diante das oportunidades e que quem cai nas garras do banditismo o fez por safadeza e por uma tendência natural ao crime (tem gente que nasce ruim mesmo, não é, seu inatista?). Você que "lutou" pelos indígenas e que "ama" os quilombolas seria capaz sim de encher esses pretos, que pegam seu iPhone pra trocar por pedra (crack), de pauladas. Eu sei que você que defende a causa das baleias do ártico, do povo Amish e dos pigmeus africanos, sabe que o crime tem cor. E que se parece comigo! O crime tem cabelo crespo. Nariz largo. Lábios grossos. O crime é analfabeto. É pobre. É filho de puta e de alcoólatra. É faminto. É jovem. É preto.


        A "justiça"- aquela que tarda, falha e mata - é rica e branca (um "viva!" à democracia racial brasileira!). Eu sei que você não é racista - você tem até amigos negros (uns 5 que sobreviveram ao ambiente insalubre da Puc-Rio, onde a cada 599 estudantes filhos de desembargador, 1 é preto, fugitivo da bárbara e perversa estatística). Eu sei que você ama Baile Charme, Baile Funk, Maracatu, Jongo, Samba, Rap... na Gávea! Mas eu também sei que o crime é sintoma de um câncer chamado Racismo e que o Estado e a sociedade civil, com suas próprias mãos, matam gente preta! E para você que se ofendeu com o texto, cuidados nos comentários: racismo é crime! Não que você seja racista, claro...

DEMOCRACIA DA VERDADE

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Fonte: G1

       Olá, Meninas Black Power. Meu nome é Juliana Luna, todos me chamam de Luna por aqui. Moro em NY há 4 anos e trabalho com moda, dança e arte. Sou tipo uma entrepreneur. Tenho 27 anos e fui convidada pelo MBP para escrever no blog e participar como colaboradora internacional. Fiquei muito lisonjeada pelo convite! Minha história como crespa é longa. Me libertei há uns 10 anos... Escutei muita coisa pelo fato de ter este cabelo, que é um mundo, meu mundo.
       Estou feliz em compartilhar um pouco dessa história com vocês. Let’s go! Hoje foi um dia normal para mim até eu me deparar com as notícias dos protestos na Turquia. Até então eu não sabia o que estava acontecendo, porque a mídia não reporta sobre nada. Navegando por blogs e Facebook, li sobre os protestos e fiquei muito revoltada. A opressão à qual este país sobrevive é surreal. Lembro de ter assistido o filme de um amigo, artista, o JR, Inside out Project, onde ele dá voz a pessoas ao redor do mundo todo, através da arte. O projeto consiste em fazer fotos de pessoas ao redor do mundo. Essas fotos são impressas em posters que são colados em muros, paredes e prédios como forma de expandir a voz do povo, como uma forma de lembrar à sociedade que indivíduos existem e que cada um tem uma história para contar.
      Esse projeto foi feito na Turquia também. Fotógrafos turcos foram às ruas, fotografaram gente normal. Pedestres, feirantes, taxistas, enfermeiras, donas de casa, idosos... pessoas. Vale lembrar que a Turquia esteve sobre regime ditatorial por anos, e agora "não mais". A equipe decidiu colar as fotos de inúmeros cidadãos Turcos no muro mais conhecido da cidade, o muro onde anos atrás esteve a foto do ditador. Decidiram fazer isso como simbolismo de que agora o muro pertence ao povo.
       Mas, assim que o time foi para as ruas colar as fotos, as pessoas queriam saber quem eram esses rostos. Quem eram essas pessoas nas fotos? Qual ideia eles queriam disseminar colocando essas fotos pelos muros? A mentalidade oprimida das cidadãos criou uma tensão desnecessária na colagem das fotos. Pessoas pensando que as fotos eram de algum grupo separatista tentando tomar o poder(?!). Resultado da operação? As fotos foram retiradas. No fim a discussão foi positiva. Em vez de ver o resultado como falha... a equipe viu como um passo à frente. Pelo menos a ação criou debate, instigou os cidadãos a pensarem e se expressarem livremente. Alguns admiraram, outros rasgaram as fotos, outros criticaram, outros acharam interessante, outros gritaram e xingaram. Muitos não entenderam a ideia de que arte pode sim gerar liberdade... principalmente de expressão! Isso é democracia. Cada individuo tem direito de expressar sua opinião e não engolir o sapo.
       Não adianta... a gente só aguenta a opressão até certo ponto. A tensão está sempre presente, até que explode no mais inesperado momento. Semana passada os protestos foram pacíficos. Foram contra a derrubada de árvores e demolição do parque Gezi, para construção de mais um shopping center. Praticantes de yoga, pessoas como eu e você, foram para o parque e acamparam à noite, para na manhã seguinte, tentarem impedir a derrubada das árvores. Mas, esse gesto pacífico, democrata, mostrou que nós temos direito à opinião e voz até a página dois. Estes protestos na Turquia só mostram como nós seres humanos vivemos às sombras de constante tensão que escala, escala, escala...
     Me emocionei ao ver a solidariedade de todos os Turcos cansados de sentir essa tensão diária, escalar, e engolir cada nó na garganta, e viver mais um dia nessa farsa social. Agora todos eles marcham por justiça e verdadeira democracia. Se juntam em uma única voz para dizer que eles querem viver a verdade. Marcham em uma ponte de união e identidade. Como mulher afro-brasileira, me lembro de existir em um ambiente completamente mascarado, onde me expressar é ser "aceito" desde que não interfira na estética alheia. Muita gente me pergunta, seu cabelo é estilo? Não. Meu cabelo sou eu. É personalidade, é afirmação, é resistência. Meu cabelo é parte da minha busca por verdade. Meu cabelo é a minha verdade. Meu cabelo é parte de não engolir mais os nós que estiveram na minha garganta por tanto tempo. Que me fizeram chorar e me sentir inferior por tentar ser alguém que eu não sou, viver na falsa democracia. Meu cabelo é um desabafo e um meio de impedir essa tensão crescente dentro de mim, por eu ser mulher, por eu ser negra, por eu não ser rica, por eu morar no exterior, por eu não ser estereotipada, etc. Tensão! Por todos os lados!
      "Seja você", eles dizem. Até que você vai procurar um emprego, de cabelo black. Ih! Mas aí você não entra nos padrões estéticos da firma... Seja você! Eles dizem. Até que você entra para trabalhar em uma empresa, te colocam na mesa que ninguém quer, te pagam o salário mais baixo e fazem você trabalhar o dobro... por que você é “você”. Seja você! Eles dizem... mas ninguém te dá atenção se você entra na loja para comprar um produto, a não ser que seja o segurança do estabelecimento.  
      Eu sou diferente, sou uma mulher que não tem medo de desafios, sou uma mulher que vê o lado positivo das coisas e sempre faço meu melhor. Sou uma mulher orgulhosa de ser negra, de ter o cabelo que representa minha coragem, acima de qualquer padrão estético. Amo meu visual, amo quando vejo mais e mais meninas marchando em direção a verdadeira democracia. Se libertando. Essa é a nossa ponte. Essa é a nossa busca pela verdade. Como afro-brasileiras, esse é o nosso protesto. Sermos cheias de identidade, personalidade e auto-estima. Buscar a verdadeira democracia.
    Eu me identifiquei com o povo Turco. Não tenho ideia do que seria estar lá, sendo bombardeada com gás lacrimogêneo non stop e rajadas de água, mas tenho ideia do que eles querem, porque eu quero o mesmo. Eu quero viver em verdade. Eu quero ser e existir, sem ter que fingir. Eu quero ser parte de uma comunidade real. Não uma comunidade que é consumista e alienada por shopping centers e TV, que se deixa levar por interesses de uma minoria que quer controlar, abusar, extorquir, roubar e ainda assim achar que é correto usar violência contra seres humanos, a troco de nada. Eu quero ser parte de algo autêntico, maior, mais "rebelde". Assim como meu cabelo.



DIREITO CRESPO - INJÚRIA RACIAL X RACISMO

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Olá, meninas! Meu nome é Helena Brasil, me formei em Direito no final de 2010, fiz uma pós graduação em 2011, me tornando então especialista em Direito Público e Tributário. Hoje, trabalho como advogada em sociedade com dois amigos, também advogados, na empresa Miranda, Aquino & Brasil Consultoria Jurídica.
Bom, essa apresentação se faz necessária nesse texto, porque ele é diferente dos outros que já escrevi aqui no blog. Esse texto dá início a um projeto de conscientização das meninas crespas quanto a seus direitos e a defesa deles. Não é raro recebermos relatos de violência, agressão, práticas discriminatórias, dentre outros e muitos não sabem como agir nessa situação.
Para que possamos estar aptas a nos defendermos das condutas criminosas e ofensivas a que sofremos, devemos estar munidas de toda informação necessária para que nossos direitos sejam respeitados e exigidos.
A nossa legislação já possui alguns institutos garantidores dos nossos direitos e nesse texto vamos tratar especificamente sobre dois crimes diferentes, que são comumente confundidos em nossas falas e atitudes. Vamos falar sobre a Injúria racial e o crime de Racismo.
Acontece o crime de Injúria quando alguém utiliza-se de palavras vagas e imprecisas com o objetivo de ofender a honra subjetiva de uma pessoa. Honra subjetiva é aquilo que você pensa a respeito de sua própria honra, se alguém ofende a sua honra subjetiva, ofende sua dignidade, seu decoro. Na injúria, alguém te dá uma qualidade ruim e pode fazer diretamente a você ou a terceiros, e se consuma quando a vítima toma conhecimento.
No caso da Injúria Racial, a lógica é a mesma da injúria chamada de comum, o agressor ofende a honra subjetiva da vítima, lhe dando uma qualidade ruim, ofendendo a sua dignidade e decoro, porém pra isso usa de palavras referentes à raça, cor, religião ou origem. “Só podia ser negro”, “negro imundo”, “macaco”, “cabelo duro”, “cabelo bombril”, são exemplos de expressões e palavras que podem ser caracterizadas por injúria racial.
O crime de Injúria Racial está no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal e tem pena de 3 anos de reclusão e multa, podendo ser aumentada em 1/3 se for cometida na frente de várias pessoas. Importante: A ação penal nesse crime, só pode começar se houver queixa. Ou seja, pode estar passando um policial na hora do crime, que se o ofendido não for à delegacia mais próxima e fizer o registro da ocorrência, ele NADA pode fazer.
Para ser caracterizado o crime de Racismo, deve haver por parte do agressor, uma conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade. O crime de Racismo se pratica sempre com o impedimento do exercício de algum direito. Quando determinada empresa se recusa a contratar negros, quando algum lugar impede a entrada ou passagem de negros, são exemplos de práticas que se enquadram no crime de racismo.
O Racismo é um crime que não admite fiança e não prescreve, sendo considerado pela lei mais grave que a Injúria Racial, inclusive com punições mais severas. A ação penal desse crime não depende de queixa, pois por ser um crime contra a coletividade e o bem protegido é a dignidade da condição humana, o Ministério público pode processar o agressor. É importante ir á delegacia fazer o registro da ocorrência, para que sejam tomadas as medidas legais cabíveis.
As práticas que se enquadram no crime de Racismo, estão dispostas na lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que pode ser facilmente encontrada na internet.
Há quem diga que devemos ter mudanças nas nossas leis. Na maioria dos casos, sinceramente, não vejo necessidade. Em muitos pontos nossas leis são bem específicas e explicativas, sendo exemplos em muitos outros países. O que nos falta é eficácia dessas leis, e boa parte disso é de nossa responsabilidade.
Geralmente o que faz alguém cometer um crime é a sensação de impunidade, ou seja, que nada irá lhe acontecer depois, como punição. Você, Menina Black Power, não deve se calar diante das agressões sofridas.
Ressalto que não incentivamos que qualquer pessoa enfrente o agressor verbalmente ou fisicamente. Não queremos, de maneira nenhuma, colocar sua segurança em risco, porém queremos que vocês sejam conscientes dos seus direitos e usem das proteções que as leis lhe garantem.
Se você for vítima de injúria racial ou racismo, filme, grave, tire fotos, veja quem está perto e possa servir de testemunha e por favor, vá à delegacia, chame a polícia...FAÇA ALGUMA COISA!
Entendemos que é difícil pensar em delegacia, polícia, ação penal, provas... quando estamos numa situação dessas, pois queremos imediatamente esquecer o ocorrido. São situações que nos envergonham, mas que só iram acabar se tomarmos atitudes.

Para crimes, apenas punição. Para uma sociedade consciente, informação.