"Eu vou mudar o mundo." |
Sempre
penso na melhor forma de falar sobre um assunto sem polemizar, atacar ou
ofender quem quer que seja. Mas não é raro ver sites, blogs e páginas do Facebook que, por ignorância ou má fé, ofendem generalizadamente qualquer
leitor minimamente crítico. O que eu penso sobre qualquer coisa não pode ser
ofensivo, e se for, preciso rever meu pensamento, pois do contrário, qualquer
diálogo fica inviabilizado. Mas deixe-me ir ao meu assunto de uma vez: O
cabelão crespo, cheio, pra cima, é poderoso? É lindo? Para ostentá-lo e
exibi-lo com orgulho, é preciso conseguir ver a história que ele carrega, e
mais, a História que ele representa.
Falar
dele (do cabelão!) acaba nos levando a assuntos que são obrigatoriamente
polêmicos. Cabelo crespo faz pensar em negritude, que faz pensar em racismo,
que faz pensar em ações afirmativas, cotas... um assunto puxa o outro, não
necessariamente nesta ordem, mas todos acabam surgindo e precisam ser
debatidos. Mas precisamos fazê-lo com propriedade, lendo sobre os assuntos,
pensando coletivo. Não podemos pensar que nossa opinião, baseada apenas na
nossa experiência individual, é capaz de dar conta de assuntos tão complexos.
Temos que agregar o pensamento do outro, sair da zona de conforto e nos colocar
no lugar do outro.
Não
é novidade que a população pobre é em sua maioria negra, e que podemos atribuir
esse fato à escravidão. Mas onde muitos veem derrota, eu vejo poder, vejo luta.
Quando nossa querida princesa Isabel assinou a lei Áurea, não o fez por bondade
ou caridade como insistem em narrar, mas por pressão. 95% dos descendentes de
africanos já eram livres na Corte Imperial, e conseguiram tal liberdade negociando,
fugindo, comprando, trabalhando, se agrupando. Foi coletivamente, mesmo que
talvez não houvesse a consciência do coletivo[1]. A
visibilidade que a Corte Imperial tinha pra o restante do país fez parecer
impertinente que a escravidão fosse uma instituição ainda. Assinar a lei Áurea
foi uma tentativa desesperada de tentar fazer parecer que a monarquia estava
também se modernizando, mas moderno e monarquia definitivamente não combinam.
Claro que outros fatores colaboraram com a abolição da escravidão, mas
estudando bem o movimento de libertação do negro, vemos intelectuais
teorizando, pensando nas melhores formas de encaminhar a libertação dos
escravizados, mas vemos pessoas comuns vivendo suas vidas e construindo suas
liberdades individuais, e interferindo na forma como eram vistas, e
garantindo/reivindicando (a duras penas) para si o direito de cidadãos. O
desejo de liberdade que vira realidade para uma pessoa, confere poder a outras:
ver que é possível, transforma. O processo ainda não está finalizado, mesmo
depois de tanto tempo, mas é importante que não pare.
Pessoas
simples que conheceram a escravidão, tiveram que lutar por necessidades básicas
cotidianas. A herança deixada, é a liberdade, é o poder ser, é o ser dono de
si. Pode não parecer muito quando se vive em uma sociedade de consumo, pode não
parecer muito quando a gente vê o vizinho conseguindo bens materiais, mas o
poder ser já me dá uma perspectiva maravilhosa. O mérito pessoal não exclui o
fato de que ainda falta muito para conseguirmos coletivamente condições ideais
de vida, mas menos ainda anula a complexidade da sociedade classista, racista,
elitista e vários outros “istas”. Mas hoje temos muitos em quem nos espelhar.
Pessoas que por méritos individuais garantiram para si melhores condições de
vida. No entanto, o que talvez essa pessoa não se dê conta é que ela me dá
poder. Quando uma negra modelo, ou atriz ou juíza ganha visibilidade, abre-se
um horizonte de possibilidades pra muitos. É um espelho. Se ver naquela
situação, vislumbrar aquela posição para si, é poder.
Nossas
ações são coletivas, mesmo sem querer, mesmo sem serem conscientes, e por menos
importantes que pareçam. Pessoas são espelhos. Usar o cabelo crespo é um
exemplo do que inspira: afirma a beleza, confere poder. É o poder ser, sem
precisar se adaptar. Valeu pro século XIX e vale pra hoje também: ações
simples, que parecem sem importância pra coletividade, rompem com padrões
comportamentais e estéticos. Então sim, o crespo tem poder... e maior do que
pode parecer.
Referências:
[1] Ver mais sobre o assunto:
RIBEIRO, Manoel Pinto. A MULHER NEGRA E A MPB (1930-1945) http://www.filologia.org.br/abf/rabf/7/103.pdf
ALENCASTRO, Luis Felipe de. (orgs)
História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
CHALHOUB, Sidney. Visões da
liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte . São Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
Texto interessante e logo de início propõe o diálogo, que é uma troca que sempre traz aprendizado. Ao falar sobre o cabelo crespo, que traz consigo alguns temas correlatos, inclusive o preconceito que dificulta o diálogo. Daí, a necessidade do espelho, que faz com que outros vejam novas possibilidades, o sonho surge, seja para ser o presidente do supremo ou para deixar a madeixa livres, crespas e lindas!
ResponderExcluir(Parabéns pelo texto, Jaci)
Obrigada, Murilo!!! Ser espelho é nesmo revolucionário!!!
ResponderExcluirParabéns pelo texto gostei da forma que você introduz o dialogo sobre nossas questões as referencias também são muito boas.
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