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"TENTA PRA VER!" - GABRIELO GABRIELO E O BC

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por Grupo de Trabalho Moda e Beleza

Foto: Gabrielo Gabrielo
      Hoje a gente conta com a presença especial desse muso que arrasa e faz a gente se divertir demais (assista aos vídeos aqui)! Ele acabou de fazer o corte e deixou esse depoimento tão maravilhoso quanto ele pra dividir um pouco a sensação desafiadora e ao mesmo tempo encorajadora de entrar em contato com o próprio cabelo. Você está num momento de transição, cogitando o BC ou pensando em como é o seu cabelo de fato? Então vem aqui ler o que ele tem pra contar e, como de costume por aqui, inspire-se!

"Confesso que ainda dói um pouco ver que 60 ou 70% do meu cabelo foi embora... 
Mas foi por uma boa causa. Falam tanto de cabelo ruim e cabelo bom, quando na verdade o que arrasa mais é o que veio ao mundo de um jeito e permanece da mesma forma. Eu - já que muita gente não me aceitava nem um pouco com cabelo crespo ou cheio - fazia questão de aplicar produto químico pra no mínimo baixar o volume. Há uns meses atrás decidi mudar isso! Fiz meu corte de pontas. Como as pontas estavam cacheadas, escondiam o dano que a química causou na estrutura do meu cabelo. Ali estavam elas... As sequelas deixadas no resto do “belão”. Estavam à mostra. Eu já imaginava que elas iriam aparecer, mas foi preciso fazer! Mesmo assim não tive coragem suficiente pra jogar fora o que me restava... Me contentei com trapos! Decidi depois de um tempo: "Cansei desses arames feios! Isso é um cacho? Uma onda? O que é?". Esse sim é o cabelo que precisa ser domado: o danificado. Ou você se contenta com essas formas estranhas que essas tais empresas de relaxamento "zicas" colocam no seu cabelo, ou aceita o teu natural. Tanta gente não tem noção de como o próprio natural é lindo! Deixa ele crescer, vê pelo menos a sua raiz. Agora multiplica ela por 10. Por 50... Por 100 centímetros além... Olha que lindo! Não são só as modelos de revista ou as dançarinas da Beyoncé que fica bem assim, não. Experimenta pra ver! Dói em mim agora, mas daqui há pouco eu espero ver ele a coisa mais linda desse mundo. Eu amo o meu cabelo, do jeito que ele é! Beijos!"

#FALANDODETRANSIÇÃO COM THAYNARA ARAUJO

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por Grupo de Trabalho Moda e Beleza

Fotos: Acervo pessoal
    Desde sempre compartilhamos depoimentos sobre o processo de transição. É importante pra gente repassar exemplos de descoberta, de liberdade. Isso inspira, motiva e mais que tudo: mostra que é possível reposicionar o conceito já conhecido sobre a beleza de quem somos através de nossos traços, nossas pigmentações, nossas texturas no cabelo e por aí vai.
        Hoje temos o prazer de receber a Thaynara Araujo. Ela vai contar a experiência de transição (e inspirar pra caramba!). A casa está aberta pra todas que quiserem fazer o mesmo. Use a hashtag #falandodetransição, mande email pra blogmbp@gmail.com, entre em contato com uma das integrantes do Coletivo Meninas Black Power... Enfim, use esse espaço. É nosso, é seu. Agora aproveite a ideia da Thaynara e vá lá se conhecer. Beijos!

"Enquanto mulheres e meninas negras, somos submetidas, todos os dias a um padrão imposto pela sociedade que não nos contempla. Querem que disfarcemos nossos traços, nossa cor e, principalmente, nossos cabelos. Essa imposição começa desde a mais tenra idade, na pré-escola. Na mídia, há pouquíssimo espaço para representação. Na escola, somos chamadas das maiores atrocidades possíveis e assim por diante. Comigo não foi diferente. Aos três anos, fui submetida ao mundo do 'relaxamento capilar' pela minha mãe. Numa realidade muito comum à mulher negra, ela trabalhava em três turnos e não tinha tempo para cuidar de um cabelo tão volumoso e 'trabalhoso' quanto o meu. Assim, fui apresentada à guanidina, que usei por longos anos. Durante toda minha infância e adolescência passei pelos mais variados tipos de 'relaxamento': guanidina, lítio, tioglicolato e também por outros tipos de química, como o henê indiano. Tudo com o mesmo objetivo: tornar meu cabelo mais 'maleável', de forma que fosse aceito pelos padrões estéticos da sociedade. Aos quinze anos, conheci o que foi pra mim a realização de um sonho na época: a progressiva. Ela seria o fim de todos os meus problemas, já que prometia o resultado sempre tão buscado num cabelo liso, sem volume, sem frizz. Isso significava que eu poderia ser como as meninas da minha turma, que eu poderia ser bonita também. Mas junto com a ilusão e a esperança veio o grande 'problema'. Uma raiz que nunca ficava lisa e os retoques sucessivos, cada vez num tempo menor, a fim de tentar manter um aspecto 'natural' do cabelo. Assim como muitas, foram muitos dias nos salões, aguentando enquanto a química agia no meu couro cabelo, ardendo, coçando e muitas vezes, chegando a abrir feridas. Eu não entendia o porquê daquilo e muito menos porque eu sempre ouvia o mesmo 'mulher [negra], pra ficar bonita, tem que sofrer'. Eu queria ser como todas as meninas brancas que eu conhecia, apesar disso, por mais que eu tentasse, eu não conseguia. Meu questionamento enquanto mulher preta começou quando eu tinha por volta de 15 anos, estava no Ensino Médio e comecei a estudar em uma escola pública Federal. Ainda assim, eu não me sentia representada naquele espaço, no entanto, já me perguntava sobre todas essas questões. Graças à internet e ao amplo acesso às informações que nós temos hoje em dia, conheci grupos na internet, como o Meninas Black Power, onde muitas meninas se encontravam na mesma situação que eu e só então fui capaz de compreender muitas questões, principalmente o racismo e o sexismo. Em 2013, conheci a transição capilar (processo onde você deixa seu cabelo crescer naturalmente para tirar a parte com química dele). Eu não conhecia a textura do meu próprio cabelo, não sabia como cuidar dele e não imaginava como ele ficaria natural. Por muito tempo, acreditei que não seria possível ele voltar ao normal. Foi um processo muito difícil, pois não tive apoio nem da minha própria família. Me falavam sempre o quão 'duro' meu cabelo ia ficar, que ele ficaria feio, que eu não ia aguentar e me arrependeria. Quatro meses depois, cortei meu cabelo com apenas três dedos de raiz e durante algum tempo eu o deixei crescer natural, mas com tantas críticas, acabei ficando com a autoestima muito sensibilizada e voltando a fazer progressiva no cabelo, só para 'soltar os cachos'. Não deu certo. Depois de algum tempo, meu cabelo estava completamente disforme de novo. Durante um ano, conheci muitas amigas que me deram força para voltar à transição e assumir meu cabelo. Comecei a colocar esse ato enquanto político, acima de estético. Não era mais apenas uma questão de ficar livre da química, e sim um ato de resistência, de amor à mim mesma, a minha cor e aos meus traços. Finalmente me entendi como mulher negra e só assim a transição foi possível. Dessa vez foi diferente. Não era mais algo realizado por influência externa e sim uma necessidade interna. Mais uma vez, cortei meu cabelo. Ouvi, novamente, muitas críticas mas tive o apoio necessário para continuar. Atualmente faz cerca de um ano que mantenho meu cabelo natural. Acima de tudo, fico muito feliz por sido considerada um exemplo e ter conseguido apoiar amigas que passaram pelo mesmo processo. No lugar onde eu trabalhava, muitas meninas hoje já passaram pela transição, bem como na minha família também. É sempre importante ter essa representatividade, para que possamos entender onde estamos, quem somos e saber que podemos e devemos ocupar 
todos os espaços."

CRESPAS PLUS SIZE - PARTE 3

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por Grupo de Trabalho Moda e Beleza
Foto: Collective for us all
      Para encerrar este especial, vamos acompanhar uma entrevista e o depoimento de mais uma linda crespas plus size. Hoje é a vez de Gisella Francisca, blogueira, autora do blog Collective for us all, e Thays.

MBP - Como você começou com o Collective for us all??
Gisella Francisca - O blog começou como uma extensão virtual dos meus sketch books, mas bem menos autoral. Era como uma coleção de imagens e outros tipos de conteúdo que eu achava na internet e queria compartilhar ou reunir num só lugar. Depois eu fui incluindo conteúdo próprio, como meus textos e reflexões, por exemplo. Depois vieram as fotos próprias. Quando comecei a namorar meu atual namorado, eu passei a levar fotografia mais a sério, a investir em equipamento e workshops profissionais e a coisa foi evoluindo e meu blog foi virando o meu canal de lifestyle com bastante conteúdo de estilo e beleza – que são dois assuntos que estão amplamente presentes na minha rotina.  

MBP - Sempre gostou de moda? Quando seu interesse surgiu? 
GF - Eu sempre gostei de estilo, não necessariamente de moda. Desde criança sempre fui chegada a me vestir bem. Acredito que por influência da minha avó, mãe e das minhas tias. Uma delas morava na Europa e todas as vezes que vinha trazia uma novidade pra eu me inspirar. Eram os anos 80, então tinha bastante novidade chegando aqui no Brasil. Eu era novinha pra assimilar aquilo como tendência, mas fazia a minha leitura e escolhia as minhas peças. Fazia minhas próprias combinações, sob supervisão, claro. Mas o fato de sempre ter sido livre pra me vestir como queria e de ter influências dentro de casa contribuíram pra que eu desenvolvesse a consciência do estilo, por assim dizer. E sim, eu gosto de moda, claro. Mas estilo é bem mais a minha praia. Há algumas semanas li uma entrevista do estilista Erdem na revista AnOther e a frase resumia exatamente o que eu penso sobre moda e estilo: Moda é algo projetado, criado, imaginado. Estilo é instintivo. Ponto! 

MBP - De onde surgem e quais são as suas influências de moda? 
GF - Não me considero uma pessoa exatamente influenciada "pelas modas". Até porque tenho muito de cultura vintage no meu estilo. Se fosse influência de moda, eu estaria meio last season [risos]. Mas claro que tenho a minha interpretação das páginas da Vogue do mês, por exemplo. Minhas influências são uma coleção de experiências que já tive na vida, lugares que fui, coisas que vi, senti. Mas, ao colocar isso tudo em prática, na forma como me visto, é o que eu chamo de estilo. Essas minhas experiências somadas ao meu gosto pessoal criam a minha leitura do que vejo nas ruas, vitrines, blogs e revistas. Meu jeito de me vestir diz muito sobre mim. Gosto de mixes coloridos, divertidos, mas elegantes e comportados sem serem puritanos ou chatos.   O estilo da Miroslava Duma me agrada muito. Tenho prazer em ver as fotos de street style dela. A Iben, do Despite Color também é uma das minhas preferidas, assim como a Blair Eadie do Atlantic Pacific. A StyleDevil, Marianne Teodorsen, da Noruega é muito diferente e inspiração também. As suecas Sandra Beijer e a Elsa Bilgren também. A Nadia Aboulhosn é um colírio pros olhos de quem gosta de estilo com certeza. São os principais blogs que eu visito quase diariamente. 


MBP - Sempre esteve segura com seu corpo e seus cabelos ou já quis ser diferente? 
GF - Nem sempre, obviamente. Hoje em dia eu me conheço melhor, sei mais sobre mim, o meu valor e o meu caminho na vida. Essas coisas me fazem mais segura do que há alguns anos. Mas claro que todo mundo tem seus dias nublados, isso é normal. Mas, em geral, posso dizer que quase sempre estive segura com a minha imagem. Mas isso passa por muitas coisas além do espelho. Coisas às quais somos expostos desde pequenos influenciam muito nossas ideias acerca de valorização pessoal. Eu sempre gostei de comer bem e minha quantidade de exercícios nunca foi maior do que a quantidade de coisas gostosas que eu comia, por isso, magra eu não seria. Minha família é de pessoas mais carnudas, as mulheres são encorpadas e de cabelo natural, acredito que isso ajude muito. Claro que já quis acordar igual a Beyoncè, mas ter umas dezeninhas de quilos a mais nunca me matou de tristeza. Posso dizer que tenho a cabeça bem no ligar em relação à minha imagem. Olho no espelho e a sensação sempre foi boa.

MBP - Já sofreu algum tipo de preconceito? 
GF - Se já sofri eu não entendi ou não assimilei como preconceito por isso não me lembro. Já tiveram situações em que, se eu fosse ativista, diria que era preconceito, mas nunca foi nada explícito que merecesse minha atenção e/ou reação nesse sentido. 

MBP - O que você acha de no mundo da moda haver poucas modelos negras plus size?  
GF - Falta de contato com a realidade. Pouca exploração de nicho de mercado, erro de branding e uma pena, em geral.  Não sou muito ligada nas celebridades de TV, mas, o número de negras na Caras reflete a realidade? Acho que não e o Brasil está longe disso, eu acho.


MBP - Acha que é possível se vestir bem tendo pouca grana? 
GF - Claro. O parcelamento ajuda muito, né [risos]? Mas, brincadeiras à parte, é sim. Ter bom senso, estilo e consciência do que fica bem em você e do que é adequado a determinadas situações faz a vida muito mais fácil, eu acho. 
MBP - Qual a importância de assumir o cabelo crespo? 
GF - A mesma importância de assumir um cabelo liso. O que quero dizer é que é mais uma questão de aceitação própria do que do formato do cabelo. Essa é uma discussão enorme, evidentemente. Mas, quando eu faço apologia ao cabelo natural e aceitação do corpo, é visando atingir uma mulher que tem qualquer problema de autoestima relacionado às imagens e ideias deturpadas de beleza que temos em larga escala no Brasil e no mundo. Minha ideia vai mais em direção ao amor próprio em geral do que ao cabelo crespo em si. 

MBP - Qual a sua mensagem para nossas meninas sobre ser negra, crespa e plus size? 
GF - A minha mensagem é de amor e aceitação pessoal pra qualquer mulher e não pra um grupo apenas. Eu sou a Gisella Francisca, uma mulher com diversas características. Ser negra, crespa e vestir tamanhos considerados maiores são apenas três delas. Isso significa que ficar levantando bandeira de um grupo pode ser bom, não julgo isso. Mas a minha bandeira é a do amor próprio, respeito a si e aceitação do que é natural em você - isso vai além de cor da pele, textura do cabelo ou tamanho da roupa. 


Abaixo um depoimento de Thays:



"Desde que me entendo por gente, escuto as pessoas falarem no tal 'padrão de beleza'. Isso só foi criado pra que a baixinha, a gordinha ou a “pretinha do cabelo ruim” (porque é assim que sempre dizem) se olharem no espelho e se sentirem como o patinho feio. E isso é ridículo! Cada um é e pode ser do jeito que bem entender!  Sempre fui gordinha e (quando me importava com opiniões alheias) sofria muito com o preconceito. Foi um longo caminho até fazer com que as pessoas aceitassem e respeitassem minha escolha de ser como sou.  Hoje, o plus size está em alta, vemos muitos sites, blogs e noticias mostrando mulheres despreocupadas com seu manequim e sem medo de mostrar suas curvas, mulheres que se aceitam e se amam acima de tudo, e fico muito contente quando vejo isso! Ver mulheres que, assim como eu, viviam escondidas, com medo de possíveis julgamentos, lutando pra acabar com esse preconceito bobo e para mostrar que, mesmo dentro de um manequim 46, também pode ser uma mulher linda e desejada, é um motivo de orgulho pra todas nós!  Mas a luta não para aqui!...Dentro desse mundo Plus size vemos mulheres lindas, modelos desfilando suas curvas em passarelas, ensaios fotográficos, catálogos e mais catálogos. Mas e as plus sizes negras? Onde estão? Pode parecer mania de perseguição, mas não é!  Sejamos sinceros, o preconceito com os negros sempre existiu e, infelizmente, sempre vai existir. E, lamentavelmente não fugimos disso nem no mundo plus size. É um preconceito maquiado, dentro de um ambiente onde a ideia principal é acabar com a polêmica que envolve as mulheres plus sizes. Gente, não to dizendo que temos que nos fazer de vitimas. Muito pelo contrario!  Como Plus Sizes já quebramos o tabu de que mulheres acima do peso não têm lugar na sociedade, agora é a vez de mostrar que a Plus Size negra também pode estampar a capa de uma revista, ou fazer ensaios fotográficos maravilhosos como todas as outras! Se a mulher, por ter a pele negra sofre muito preconceito e a mulher gorda também sofre o mesmo ou mais, eu sendo negra e gorda sofro em dobro, e por isso vejo dois motivos a mais para lutar contra isso! Não é meu tom de pele, nem meu manequim que irão determinar se sou linda ou não, mas sim a maneira com que me sinto e me vejo: negra, gorda e linda!"

O CRESPO TEM PODER?

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"Eu vou mudar o mundo."
   Sempre penso na melhor forma de falar sobre um assunto sem polemizar, atacar ou ofender quem quer que seja. Mas não é raro ver sites, blogs e páginas do Facebook que, por ignorância ou má fé, ofendem generalizadamente qualquer leitor minimamente crítico. O que eu penso sobre qualquer coisa não pode ser ofensivo, e se for, preciso rever meu pensamento, pois do contrário, qualquer diálogo fica inviabilizado. Mas deixe-me ir ao meu assunto de uma vez: O cabelão crespo, cheio, pra cima, é poderoso? É lindo? Para ostentá-lo e exibi-lo com orgulho, é preciso conseguir ver a história que ele carrega, e mais, a História que ele representa.
  Falar dele (do cabelão!) acaba nos levando a assuntos que são obrigatoriamente polêmicos. Cabelo crespo faz pensar em negritude, que faz pensar em racismo, que faz pensar em ações afirmativas, cotas... um assunto puxa o outro, não necessariamente nesta ordem, mas todos acabam surgindo e precisam ser debatidos. Mas precisamos fazê-lo com propriedade, lendo sobre os assuntos, pensando coletivo. Não podemos pensar que nossa opinião, baseada apenas na nossa experiência individual, é capaz de dar conta de assuntos tão complexos. Temos que agregar o pensamento do outro, sair da zona de conforto e nos colocar no lugar do outro.
   Não é novidade que a população pobre é em sua maioria negra, e que podemos atribuir esse fato à escravidão. Mas onde muitos veem derrota, eu vejo poder, vejo luta. Quando nossa querida princesa Isabel assinou a lei Áurea, não o fez por bondade ou caridade como insistem em narrar, mas por pressão. 95% dos descendentes de africanos já eram livres na Corte Imperial, e conseguiram tal liberdade negociando, fugindo, comprando, trabalhando, se agrupando. Foi coletivamente, mesmo que talvez não houvesse a consciência do coletivo[1]. A visibilidade que a Corte Imperial tinha pra o restante do país fez parecer impertinente que a escravidão fosse uma instituição ainda. Assinar a lei Áurea foi uma tentativa desesperada de tentar fazer parecer que a monarquia estava também se modernizando, mas moderno e monarquia definitivamente não combinam. Claro que outros fatores colaboraram com a abolição da escravidão, mas estudando bem o movimento de libertação do negro, vemos intelectuais teorizando, pensando nas melhores formas de encaminhar a libertação dos escravizados, mas vemos pessoas comuns vivendo suas vidas e construindo suas liberdades individuais, e interferindo na forma como eram vistas, e garantindo/reivindicando (a duras penas) para si o direito de cidadãos. O desejo de liberdade que vira realidade para uma pessoa, confere poder a outras: ver que é possível, transforma. O processo ainda não está finalizado, mesmo depois de tanto tempo, mas é importante que não pare.
   Pessoas simples que conheceram a escravidão, tiveram que lutar por necessidades básicas cotidianas. A herança deixada, é a liberdade, é o poder ser, é o ser dono de si. Pode não parecer muito quando se vive em uma sociedade de consumo, pode não parecer muito quando a gente vê o vizinho conseguindo bens materiais, mas o poder ser já me dá uma perspectiva maravilhosa. O mérito pessoal não exclui o fato de que ainda falta muito para conseguirmos coletivamente condições ideais de vida, mas menos ainda anula a complexidade da sociedade classista, racista, elitista e vários outros “istas”. Mas hoje temos muitos em quem nos espelhar. Pessoas que por méritos individuais garantiram para si melhores condições de vida. No entanto, o que talvez essa pessoa não se dê conta é que ela me dá poder. Quando uma negra modelo, ou atriz ou juíza ganha visibilidade, abre-se um horizonte de possibilidades pra muitos. É um espelho. Se ver naquela situação, vislumbrar aquela posição para si, é poder.
   Nossas ações são coletivas, mesmo sem querer, mesmo sem serem conscientes, e por menos importantes que pareçam. Pessoas são espelhos. Usar o cabelo crespo é um exemplo do que inspira: afirma a beleza, confere poder. É o poder ser, sem precisar se adaptar. Valeu pro século XIX e vale pra hoje também: ações simples, que parecem sem importância pra coletividade, rompem com padrões comportamentais e estéticos. Então sim, o crespo tem poder... e maior do que pode parecer.

Referências:
[1] Ver mais sobre o assunto: RIBEIRO, Manoel Pinto. A MULHER NEGRA E A MPB (1930-1945) http://www.filologia.org.br/abf/rabf/7/103.pdf
ALENCASTRO, Luis Felipe de. (orgs) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte . São Paulo: Companhia das Letras, 1990.



ESSÊNCIA É IMUTÁVEL!

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  Desde pequenina minha mãe "relaxava" meus cabelos. Pra ela, divorciada, trabalhando e criando uma filha, fazer  isso dava muito menos trabalho. Cresci me acostumando com a manutenção nos cabelos, a felicidade de vê-los quando saia do salão e a tristeza de vê-los quando alguns dias se passavam.  Não é bom não conhecer o SEU cabelo, não é bom ser cópia e se sentir bem consigo mesma só quando se sai de um salão. Na minha pré-adolescência comecei a repará-lo quando crescia, via aquela raiz bem tratada, sem quebras e com um balanço "meio tóin tóin" que me fascinava. Decidi então parar de alisá-los. Era complicado. Eles soltos? Nem pensar!!!  Só os usava amarados.  Durante muito tempo eu me virava daquele jeito. Até que chegou o dia em que, mesmo amarrados, era nítida a mudança nele, da raiz ao meio super cheio e cacheado, e no restante ralo e liso.
  Vi uma criança na rua que usava o chamado baião de dois. Aquilo me deu a esperança de soltá-los sem que houvesse muita diferença. E assim fiz, lavava a cabeça uma vez por semana, fazia e ficava com esse penteado sem ter nenhum trabalho.
   Até que, inspirada em estudar dança, o que amo fazer, entrei num projeto chamado Valores de Minas. Esse lugar me fez ver pessoas de todos os tipos, todos os estilos, raças, cores, etnias e modos. Mesmo assim, retraída, admirava sem atitude aquela linda demonstração de essência das pessoas. Elas agiam sem se preocupar com as opiniões alheias ao redor.
   Durante as aulas éramos convocados à expressão. Tudo que fazíamos tinha que ser verdadeiro, tinha que vir de nós e sempre no fim ouvia uma reflexão diferente. Um papo de se descobrir, de reinventar as coisas, assim bem como a arte faz. E ela conseguiu fazer comigo, pouco à pouco minha juba (isso mesmo, minha juba!) foi sendo revelada, solta e completamente livre. Livre pra aparecer e mostrar quem eu sou, de onde vim e do orgulho dos meus ancestrais, que são minha família. Essa atitude me reinventou, além de mudar minha cabeça, mudou minhas atitudes, meu pensamento. Hoje os carrego com orgulho, penso mais, procuro aniquilar de mim os pré-conceitos e ser feliz, sem ter vergonha do que se diz! Aconselhando e ajudando também, com força, elogios e apoio outras pessoas que estão cansadas de ser padronizadas e que querem se colocar pra fora, botar a cara com orgulho de quem se é! Obrigada Deus pelo meu cabelo crespo! Bárbara D'alma.
  Esses são depoimentos de algumas adeptas ao "movimento do cabelo crespo" em BH:

"Sempre quis ter os cabelos mais cacheados e volumosos, porém não encontrava profissional para tanto e quando encontrava o preço era altíssimo, e por isso relaxei meus fios durantes longos anos. Mas sabe quando o seu cabelo não dialoga com a sua personalidade? Foi nesse momento que resolvi parar de relaxa e procurar um salão que pudesse atender minha necessidade. Cortei e hoje tenho um black e mesmo assim faço permanente afro nele para que os cachos fiquem melhor tratados e definidos... e desde que tomei essa atitude me sinto mais bonita e a cada semana descubro uma forma diferente e criativa para realçar a cabeleira." - Lorena Santos

"Nunca descobri qual é a essência do meu cabelo, pois de pequena minha mãe cortava ele curtinho e quando cresci caí na ditadura do cabelo esticado. Por várias vezes eu relaxei e ai com o passar do tempo eu não gostava e voltava a cortar ele careca, igualzinho a um homem. Até que decidi deixar ele crescer como ele realmente é e descobrir sua forma, pois hoje aos meus 31 anos não o conheço. Estou adorando esta descoberta... O cabelo afro me lembra meu pai e minhas origem, me faz ser mais transparente em minha essência. Esta sou eu." - Roberta Fabiane

"Descobri que ter cabelo crespo é lindo à uns dois anos. Por alisar o cabelo desde muuuito cedo, ficava com vergonha de ter que mostrar meu cabelo natural! Comecei a fazer um curso de moda, daí vi que as pessoas se mostravam como realmente são, sem importar com opiniões alheias. Comecei a usar rolinho/bobs no cabelo pra acostumar com a ideia de deixá-lo black, até que tomei coragem de fazer permante afro e hoje não me vejo jamais de escova, sinto muuuuuuuuito ORGULHO por ter o cabelo crespo e a cada dia que passa me sinto maaaais linda." - Dâmaris Gomes

"Estudei em escola de um nível social mais elevado e onde o bonito era seguir o que a mídia dizia. Desde sempre ouvia, até por parte da minha mãe, coisas como 'vá prender essa juba' ou 'essa gafuringa não tem jeito'. Então para me encaixar nos padrões comecei a alisar meu cabelo aos 8 anos. Desde então viciei... Foram vários 'tratamentos' diferentes, para tentar amansar a fera! Até que com 15 anos fiz a nova onda do momento, a escova progressiva. A maioria elogiava, mas no fundo eu sabia que não era eu. Então aos 17 voltei a me envolver com a arte, onde tive que realmente fazer uma busca do meu eu, e então decidi me assumir. Foi um ano deixando crescer, até que tomei coragem e cortei. No começo assustei um pouco pois nunca me imaginei de black! E realmente nos neuramos, achando que está todo mundo olhando e tal, mas eu segui em frente. E agora é só alegria. Amo meus cachos e química neles NUNCA MAIS!- Marys Armstrong


CONSCIENTIZE-SE! ALGUNS MOTIVOS PARA ASSUMIR E MANTER OS CRESPOS.

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    Certo dia, em uma aula de teatro, um colega me perguntou: "porque assumir os cabelos crespos"? Eu o respondi, mas depois continuei refletindo sobre o tema... Assumir-se crespa vai além  da estética ou estar "na moda". Essa mudança deve acontecer muito mais por autoconsciência. Por mais que muitos digam que não, nós vivemos em uma sociedade racista e preconceituosa, quer impor o "padrão" de beleza branco que é ter cabelos lisos, entre outras características (a beleza "padrão"). Tentam de maneira disfarçada "branquear" a sociedade, fazendo com que meninas alisem  o cabelo, por exemplo.

    Algumas mulheres e meninas, alguns homens  também, sentem  vergonha de assumir que seu cabelo é crespo  ou  até mesmo vergonha da própria cor de pele. A mídia também impõe esse tal "padrão". Mas boa parte dessas pessoas aderem ao "padrão" por não haver consciência  da importância de se assumirem como são.

     Nossos antepassados foram arrancados de suas tribos, trazidos para um terra estranha, tiveram toda sua cultura reprimida e nós não  devemos ter vergonha disso, não devemos ter vergonha das nossas raízes! Afinal, fomos nós os oprimidos e mal tratados. Se formos analisar bem,  de certa forma essa opressão  acontece até hoje e se continuarmos aceitando-a será sempre assim, sempre seremos oprimidos e as cenas de racismo  continuarão se repetindo.

     Uma das principais coisas que devemos ter em mente ao  nos assumirmos é que sofreremos preconceitos, sofreremos discriminações, já ouvi milhares de vezes as pessoas nas ruas falando "vou te dar um pente de presente","que cabelo ruim!" (outro conceito que devemos abominar é que cabelo crespo é cabelo ruim), "porque você não alisa seu cabelo?", entre muitos outros comentários. Já vi  casos de pessoas que foram ameaçadas de serem despedidas do  trabalho por não seguirem os "padrões" da empresa. Até dentro  da própria família essas coisas acontecem. Por exemplo, já ouvi uma parente dizendo  que morria de vontade de pranchar meu cabelo  e que meu cabelo dá agonia nela. Estes fatos são as consequências de "nadar contra a corrente", de não aceitar o "padrão" imposto pela sociedade, e enquanto continuarmos nos ocultando (não assumindo nossos crespos) essas coisas continuarão acontecendo com muito mais frequência. Sabemos que é duro ouvir e suportar certas coisas, mas em momento algum devemos desanimar. Além do mais as pessoas precisam aprender cada dia mais como lidar com as diferenças, que ninguém é igual a ninguém e que devemos ser respeitados pelo que somos. Não precisamos nos importar com as opiniões alheias e nem nos esconder por causa delas afinal, "do que adianta ter o cabelo liso se as ideias estão enroladas na cabeça?" 

    É isso, Meninas. Espero que todas continuem motivadas a manter seus crespos e não desistir deles. Beijos!