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CABELO CRESPO É O NOME DO NOSSO CABELO

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Por Jaciana Melquiades
Foto: Jaciana Melquiades - Atividade MBP
Existem vários substantivos que podem ser utilizados para caracterizar nossos cabelos e que não apresentam dano à nossa autoestima. "Ruim" não é um deles. É juízo de valor e, neste caso, nunca deveria ser utilizado como adjetivo. Isto posto, vamos falar um pouco sobre representatividade, estética preta e militância.
É evidente e crescente o número de mulheres e homens que estão assumindo a cabeleira black power e colorindo as ruas com cores vibrantes nos cabelos. A aceitação da estética preta parece estar crescendo, mas a cada passo que damos em nosso direito à normalidade de apenas poder ser o que somos, recebemos ataques racistas vindos de comentários naturalizados, que depreciam nossas características. Vídeos e blogs sobre a beleza da mulher, do homem e da criança negra estão aumentando, e são extremamente importantes no que diz respeito à representatividade, mas as mensagens mais compartilhadas nas redes sociais são justamente aquelas que nos tiram do eixo.
A falta de representatividade positiva que a população negra sofre, deixa em nossas crianças uma lacuna identitária que, na maioria das vezes, é preenchida por elementos que não refletem a população negra no geral. Essa lacuna nos persegue por toda a vida e, se não somos cautelosos e atentos, reproduzimos todo autoódio que nos ensinam a sentir de nós mesmos. Nosso cabelo, nosso nariz, nossa cor: tudo acaba virando alvo de reclamações, insatisfações e desejo de afastamento do fenótipo que nos é natural.
Foto: Reprodução internet
A experiência que temos neste coletivo em lidar com o público infantil e jovem que não se vê representado, nos deu a certeza de que é preciso combater o racismo em todas as esferas em que for identificado. Nossas atividades tem como objetivo geral promover a autoestima na juventude negra a partir da reflexão sobre as razões da existência do racismo. Essa reflexão é capaz de promover o autoconhecimento e, consequentemente, a elevação dos valores positivos relativos à negritude. A primeira atividade que desenvolvemos em uma escola nos permitiu reconhecer problemas de autoestima nas crianças. Apesar de elas terem uma percepção cromática da própria pele condizente com as características fenotípicas de cada uma delas, concepções depreciativas dessas características estiveram presentes o tempo todo em seus discursos.
A TV corrobora o que elas aprenderam a pensar sobre si, não com afirmativas, mas com a negação do uso de nossa imagem em suas peças publicitárias: "são feias", "o nariz é largo demais", "o cabelo é ruim". A adaptação aos padrões aparece para nossas crianças e para os nossos jovens como obrigatória, e é sempre dolorosa. A química que modifica nossos cabelos crespos, queima e fere o couro cabeludo, e cada vez que nossos cabelos tornam a crescer, o desespero de esconder nossas raízes toma conta de uma infinidade de mulheres e homens negros. Mas nossas raízes resistem sempre e tornam a nascer.
A sociedade brasileira é dividida em categorias raciais cotidianamente, sem necessariamente ter que haver um manual para que todos saibam a que  categoria pertencem, no entanto, enfrentar a empreitada de combater o racismo e a discriminação de nossas características fenotípicas não poderia acontecer sem o risco dos desentendimentos. Combater é obrigatoriamente sublinhar e tornar visível a discriminação, os termos camuflados sob o véu da "brincadeira" revelar o que por tanto tempo julgou-se não haver. Combater o racismo, é começar de dento de nossa comunidade preta a eliminar os sintomas do racismo que nos adoece: aprender a ver a beleza de nossos cabelos crespos, que são tão diversos; de nossa cor de pele, dos formatos de nossos rostos que são tão expressivos e fortes.
Foto: Jaciana Melquiades - Atividade MBP
Uma nova forma de militância e resistência cresce e se fortalece: Meninas, mulheres e homens pertencentes à comunidade preta estão escrevendo sobre a nossa beleza. Mulheres pretas estão diariamente gravando vídeos que nos ensinam a cuidar de nossos cabelos crespos, maquiagens que nos favorecem, nos ensinam a usar roupas que deixam nossos corpos volumosos à vontade. Aprendemos a usar turbantes e seu significado ancestral. Nossa comunidade cada vez mais se vê bela e se fortalece com esse olhar, cada vez mais nos vemos espelhados e representados positivamente uns nos outros e assim ficamos mais fortes. Que compartilhemos o que nos representa! Comentemos o que nos fortalece. Eliminemos o ranço racista que insiste em nos dividir.

DEIXA O MEU CABELO EM PAZ? NEGRITUDE, MASCULINIDADES E CABELOS CRESPOS - PARTE 1

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       A primeira parte do título do presente texto foi retirado de uma canção brega que fez sucesso na voz do cantor Oswaldo Nunes e serviu de trilha sonora para casais dançarem samba-rock nos bailes blacks de São Paulo nos anos 1970. A letra da música remete ao fato de um jovem ter cabelo grande (talvez "black") e isso ser motivo de problemas, confusão e discórdia (ouça a canção AQUI). Contudo, em parte da letra se afirma de forma categórica: "não corto o meu cabelo, de jeito nenhum eu vou cortar". Fui convidado por minhas amigas do Meninas Black Power a escrever sobre a relação entre cabelos crespos e homens negros. Em meu blog pessoal, o NewYorKibe, já abordei o tema dos cabelos crespos a partir da perspectiva da classe e focada nas mulheres (ver AQUI), mas abordar a temática racial sobre o prisma da estética e masculinidade é algo novo para mim.  A discussão é complicada e longa e, assim sendo, optei por dividir a história toda em três partes/posts de maneira a não entendiar o/a leitor/a com um texto muito longo.
        Falar sobre cabelos numa perspectiva de gênero masculina é uma coisa interessante. O cativante do tema vem do fato de homens em geral tenderem não se preocupar tanto com os cabelos quanto as mulheres. Esse fato, que de antemão digo ser uma meia-verdade, tem haver com a representação do gênero masculino. A propósito, é nesse sentido que gênero deve ser entendido nessa pequeno texto, ou seja, uma representação. Explico-me. Gênero, numa perspectiva antropológica e sociológica, é uma ideia construída do ponto de vista histórico, social e simbólico sobre o que vem a ser masculino e/ou feminino dentro da sociedade não tendo necessariamente relação direta com o sexo biológico (ter nascido com um pênis ou vagina). Exemplo: uma transexual pode ser alguém do sexo masculino cuja auto-identificação de gênero é feminina. Levando em conta esse aspecto, gênero é uma categoria bastante flexível onde há performances mais masculinizadas e outras mais feminizadas. Assim sendo, agimos, nos relacionamos e construímos nossos desejos/sentimentos tendo como referências essas representações.
        A representação normativa (aquela que estabelece uma norma ou padrão a ser seguido por todos) que se construiu do gênero feminino coloca ênfase na emotividade e preocupação com aparência e, nesse aspecto, o cabelo é um elemento essencial. No caso masculino aparência é um elemento desprezado ou entendido como menor perante outros como força, virilidade e não demonstração de sentimentos. Quando a aparência é enfatizada no gênero masculino, ela sempre se encontra atrelada a outros aspectos como, por exemplo, força. Daí entende-se a fixação que certos homens tem por um corpo musculoso. Junto a não exibição de sentimentos e uso da violência esses elementos constroem a imagem do homem "durão" visto recorrentemente em papéis interpretados no cinema por artistas como Arnold Schwarzenegger, Silvester Stallone, Chuck Norris, Charles Bronson, Vin Diesel e outros remetendo a uma noção bastante valorizada de masculinidade.
      E já que citei Vin Diesel, reflitamos sobre a negritude desse autor. Segundo consta, esse é um dos assuntos que o consagrado ator de blockbusters farofas de Hollywood evita comentar embora o mesmo se auto-identifique como "uma pessoa de cor" (palavras dele). Daí vai (ou vem) a pergunta: você se lembra de ter visto alguma foto de Diesel com cabelo? Sim, existem algumas aí na web, mas ele optou de vez pelo look cabelo raspado quando sua calvície ficou mais evidente. Por outro lado, me pergunto se a preferência do ator pelo visual do cabelo raspado por navalha
talvez não remeta também a um certo incômodo com a sua negritude. Isso me lembra em muito também a relação com o cabelo que o jogador de futebol Ronaldo "Fenômeno" teve durante boa parte da sua carreira. A propósito, aqueles que tem memória boa devem se lembrar do episódio de anos atrás no qual Ronaldo, ao ser questionado sobre episódios de racismo nos estádios, se solidarizou aos seus colegas jogadores negros, mas se auto-classificou com "branco".  
       A ideia generalizada de que homens não se preocupam com seus cabelos é, como já disse, uma meia-verdade. Aparência é algo central para ambos os gêneros. Contudo, homens e mulheres negros tem motivos específicos para se preocupar com o cabelo. Entre os séculos XVIII e XIX ocorreu a estruturação do racismo científico europeu que estabelecia hierarquias entre as ditas "raças" que eram entendidas como realidades biológicas distintas e hierarquizadas: brancos europeus seriam superiores a negros, asiáticos e indígenas. A miscigenação era vista como algo negativo e a ser evitado, pois os indivíduos nascidos de relacionamentos inter-raciais incorporariam as características da raça inferior do par. Nesse contexto, determinadas traços fenotípicos como a pele escura, o nariz mais achatado, os lábios grossos e os cabelos crespos tornaram-se símbolos de inferioridade e ausência de beleza. Fácil deduzir que o padrão a que todos os outros grupos raciais deveriam se medir era o do grupo branco europeu. Isso explica em parte a relação de repulsa e incômodo que muitos negro/as tem com seus cabelos crespos, usualmente classificados como "ruins" em detrimento dos "bons" cabelos lisos. 
       No próximo post falarei de algo polêmico: alisamentos. Diferente do que muitos pensam essa não é uma prática exclusiva das mulheres negras. Nós, homens, se não o fazemos hoje, já fizemos algum dia no passado. Até lá. Muita Paz, Muito Amor!


Márcio Macedo, também conhecido como Kibe, é estudante de doutorado em sociologia e escreve no seu blog, NewYorKibe.

AÇÃO EDUCATIVA MBP - VIGÁRIO GERAL

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    No dia 17 de julho o Coletivo Meninas Black Power marcou presença em mais uma intervenção. Dessa vez foi junto com a bairro-educadora Daiana Ramos, na E.M Jorge Gouvêa, em Vigário Geral, Rio de Janeiro. Nossa roda de conversas com a turma do 7º ano, que tinha um pensamento bem deturpado de sua imagem, resultou na melhora da autoestima das alunas e dos alunos que estavam presentes conosco. 
 Começamos nos apresentando, apresentamos a proposta do coletivo e perguntamos sobre o que eles achavam das suas imagens e das nossas. Resultado desse questionamento do exterior para o interior: um quadro repleto de ofensas e palavras que asseguram que cabelos crespos ou cacheados ainda são alvo de um dos preconceitos mais prejudiciais a nossa formação básica, o racismo. 
     Muitos associaram seu in natura a cabelo de palha de aço, pixaim, esponja, e não conseguiam enxergar a beleza particular deles. Nós intervimospedindo para que as crianças escrevessem ou desenhassem como elas se viam no espelho, e isso gerou resultados bem diferentes do que elas nos falaram no início da atividade. Elas queriam expor que o natural não era algo que as tornasse menos, e sim mais, por elas saberem quem eram de verdade, mas faltava algo que as estimulasse a essa prática. Além desse exercício, as meninas e alguns meninos começaram a se interessar em cuidar de seus cabelos, de suas imagens e principalmente de suas formações sociopolíticas e culturais. 
     Foi uma sensação prazerosa responder aos pequenos/pequenas e suas perguntas bombásticas, foi ótimo perceber que essa intervenção, aos nossos olhos, contribuiu  um pouquinho, mas que poderá fazer toda diferença para sempre nas vidas deles. Não sei se de efeito imediato, pois não estamos todos os dias lado a lado para fortalecer o pensamento delas, mas acredito que, ao longo do tempo, essa vivência, mesmo que única (até então) tenha dado uma luz, uma brecha para eles compreenderem que esse trabalho é mais que estético, é posicionamento político, cultural, que resgata uma ancestralidade perdida, onde cada família perde sua história por conta de uma cultura imposta, padronizada. 
    É essa nossa meta, nossa ideia, formar cidadãos que saibam de seu passado, organizem e intervenham no presente para que um futuro de qualidade e igualdade seja realmente alcançado. E a mudança não está apenas sobre a responsabilidade da geração que nos sucederá, ela está na mão de todos nós, homens negros e mulheres negras, cientes de sua posição e de sua história. Essa ação é mais uma de muitas ações que estarão sendo relatadas aqui. Que nosso exemplo inspire você que nos lê e gere alguma vontade de melhorar o mundo em que vivemos. 
       Abaixo, mais alguns registros desse momento super especial e importante pra nós:






IDENTIDADE CRESPA

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       Olá, crespas! Hoje falaremos sobre a importância de dissociar a ideia do cabelo crespo de ser mais um acessório fashion ou algo especial para pessoas ligadas às artes, mídias e afins. Afinal, quem nunca ouviu frases como: "Nossa! Como você é estilosa!", "Black power tá na moda, né?", "Você é atriz? Modelo? Cantora?". Diversas vezes algumas meninas já elogiaram meu cabelo e disseram que não são tão "estilosas" quanto eu e por isso não voltam para o natural, mas quando uma mulher com cabelo liso usa natural e não é tão ligada ao estilo, soa mais normal?
      A grande questão é entender que o seu cabelo faz parte de quem você é, então é impossível isso representar apenas um estilo ou uma tendência, pois estas mesmas  passam. Hoje, o cabelo crespo está realmente sendo mais incorporado, no entanto a falta de aceitação do uso do natural ainda é esmagadora, principalmente em ambientes profissionais.  
       Muitas vezes a questão da negação do cabelo crespo está profundamente relacionada com a vergonha de se apresentar diante de uma sociedade que marginaliza o cabelo do negro. A constante omissão do cabelo crespo se apresenta quando é necessário ir à uma entrevista de emprego ou uma festa social, por exemplo.
    Vamos entender o símbolo do cabelo crespo em outras culturas. Com a palavra, Fabíola , coordenadora do Grupo de Trabalho Histórico-político do coletivo Meninas Black Power e também idealizadora da grife Colares D’Odarah: "Em termos culturais, trazemos dois dados - dentre os infinitos aspectos dos simbolismos culturais africanos - que entendemos como relevantes para o entendimento da vergonha dos cabelos crespos: primeiro, em África, quando um guerreiro era abatido por seu opositor, recebia como punição, dentre tantas, o corte de seus cabelos, uma vez que essa atitude era a pior humilhação que poderia ser passada por um homem. Nos cabelos se concentrava todo um caráter simbólico, como, por exemplo, se identificava pelos tipos de cabelos e penteados o papel social que aquele homem desempenhava - se era militar/guerreiro, se era nobre, se era burocrata. Os cabelos, penteados com tranças, denunciavam qual 'classe social' aquele homem pertencia. Quando seus cabelos eram arrancados, esse homem perdia a identidade, por isso tamanha a  humilhação. Também nas religiões de matriz africana, para o sujeito passar pelo ritual de iniciação, ele precisa ter sua cabeça raspada, ou seja, seus cabelos cortados, como sinal de reverência total às divindades. O cabelo é ofertado como presente por ser a parte do corpo mais valiosa e sensível de uma pessoa; aquela que capta todas as energias do ambiente. Percebem a importância dos nossos cabelos? Por isso ressignificaram negativamente essas noções culturais e continuam nos humilhando, fazendo com que nossos homens pretos raspem a cabeça em sinal de higiene e respeitabilidade, que nossas mulheres pretas alisem a 'vergonha' do volume. Nos humilham diariamente. Vamos engrossar uma campanha em favor da valorização do uso dos nossos cabelos crespos não só pelo ponto de vista estético, mas pelo político-ideológico. Essa valorização da nossa ancestralidade real e majestosa é a cara das Meninas Black Power que, para além da estética, lutam pela emancipação política do povo preto. Tornemos esse movimento legítimo através de nossa adesão. Estejamos juntas, nós por nós!"
       Compreender que o seu crespo está intimamente ligado à sua identidade negra faz com que você consiga ter segurança e convicção. Assim, quando a tendência acabar, você continuará firme no seu posicionamento em relação ao uso do cabelo crespo. Perguntei para algumas crespas como se relacionam com o estilo e o crespo:



"... Dizem que cabelo é a moldura do rosto. Para mim vai muito mais além: é minha identidade, minha marca registrada. Nossa, foi a melhor coisa que fiz me reassumir! Hoje eu me acho linda de qualquer jeito, com qualquer roupa por mais simples que ela seja." - Letícia Martins, estagiária de Marketing, blogueira no Preta Pretinha Blog


"Meu cabelo é a minha identidade. A partir do momento em que assumi o meu cabelo crespo e passei a amá-lo do jeito que ele realmente é, descobri o meu verdadeiro eu. A vontade de zelar, enfeitar, e fazer diversos penteados surge naturalmente, pois trata-se de um cabelo de 1001 possibilidades: o que na maioria das vezes é visto apenas como estilo. Engana-se quem tem esse pensamento, pois creio que o cabelo crespo vai muito além disso, antes de tudo significa: liberdade, força e luta.” - Loana Novaes, integrante do coletivo Meninas Black Power, 
mãe e dona de casa

“É com tristeza e pesar que escrevo este pequeno depoimento. Não, não... Ninguém da minha família morreu. Porém, uma parte de mim vem 'sendo morta' a cada dia... Sou estudante de economia. E a minha futura profissão exige - digamos assim - um visual mais 'formal'. Um cabelo mais 'asseado', mais 'clean'. É com esse tipo de comentário que preciso me deparar todos os dias. As pessoas não avaliam minha competência, meu currículo, mas sim a minha aparência. Ainda assim, com todas as dificuldades, vou manter a minha posição para que mais crespas, economistas ou não, possam ter a liberdade de usar seus cabelos como quiserem, sem que sejam 'zoadas' ou discriminadas.”  - Ingrid da Matta, integrante do coletivo Menina Black Power e estudante de economia

      Assim como as meninas, conte sua história para nós, compartilhe as dificuldades e ajude outras crespas. Lembre-se: crespo não é só estilo, crespo é identidade.

ESCREVEDORAS DE NÓS!

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       Fico cá pensando sobre nossos receios em relação à leitura e à escrita... Eu poderia tecer milhões de teorias libertárias, falar do papel negligente da escola em nossa formação crítica, etc. Mas vou falar desse bloqueio através do olhar sensível. A escrita é, naturalmente, um reflexo da oralidade. Nós, enquanto mulheres negras descendentes de africanas e africanos, vivemos a experiência da fala no nosso DNA. Nossa ancestralidade nos faz contadoras e contadores de estórias. Então, por que não nos vemos na posição de contadoras da história?! Da nossa história?!

    Reafirmando que a escrita é reflexo da fala, penso que nossa dificuldade em produzir textos vem do silêncio que o racismo nos impôs. Nossa fala foi calada com a mesma violência que os corpos de nossos ancestrais escravizados foram agredidos e feridos. O silêncio era a garantia da sobrevivência, afinal "se gritar, apanha mais!".
     Sendo assim, essa escrita, até rasgar a fronteira que existe entre a tinta e o papel, se esconde. Essa escrita demora a chegar. Essa escrita ainda se cala diante do receio. Essa escrita ainda não veio...
      Enquanto mulheres pretas, já temos textos internos capazes de alimentar blogues e páginas por mais de 500 anos, com postagens diárias! Enquanto mulheres pretas na construção do empoderamento, temos a capacidade de compartilhar nossos pensamentos de forma orgânica e humanizada.
    Não se sintam constrangidas: vamos nos compartilhar e nos ensinar e nos aprender! O Grupo de Trabalho Histórico e Político do Coletivo Meninas Black Power não é o Grupo de Trabalho mais acadêmico, como pode às vezes parecer por conta do imponente nome! Ele é - e deve ser! - o Grupo de Trabalho que cumpre a função de contar nossa própria história por nós mesmas!
    Por isto convido à todas que usem as letras, as palavras, frases e textos como arma contra os nossos cativeiros particulares. Que cada fonema escrito quebre um elo dessa corrente invisível que nos prende e machuca diariamente. Que nossa escrita surja e insurja! Que possamos contaminar mais mulheres pretas com nossa força e amor. Escrevam-se! Beijos carinhosos de Fabíola Oliveira, coordenadora do GT HEP e escrevedora de mim.


CONEXÃO TOQUE DE PRETTA

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   Depois de uma semana cinzenta, a chuva deu trégua e permitiu que um dia quente e ensolarado recebesse o evento Conexão Toque de Pretta. Muita gente bonita e afrobaphônica coloriu o velho Centro do Rio de Janeiro. Realizado na Incubadora Afro brasileira, o evento reuniu empreendedores negros. As Meninas Black Power foram convidas para cobrir o encontro e compartilhar com vocês essa reunião de muita gente bacana, bonita e que vale muito conhecer. Afinal, nós temos muita gente em quem nos inspirar.
Nina e algumas Meninas da
Equipe MBP Rio
   Produtora do ramo de eventos culturais, que atua na promoção de artistas e empreendedores afrodescendentes, a Toque de Pretta pretende dar suporte aos profissionais negros que produzem pensando especificamente no público negro. De cara, falamos com a Nina, uma das organizadoras do evento (que no dia estava com um turbante vermelho LINDO!), e é coordenadora e fundadora, junto com Jana Guinond, da ONG Estimativa. Ela é administradora de empresas, com pós-graduação na área de gerência de projetos e tecnologia, e em anos de experiência, percebeu que a segmentação dos trabalhos é o segredo da valorização e crescimento do profissional. E o foco da produtora é esse nicho cada vez mais crescente, de empreendedores negros, visando dar suporte a esses profissionais. Com esse propósito, o Conexão (que está em sua segunda edição) reuniu trabalhos lindos. Um pequeno bazar com as marcas Devassas.com, Ewa Ireti e Chad, trouxe ao encontro artigos de moda e cuidados cosméticos naturais artesanais. A estilista Ligia Parreira, da Devassas.com, apresentou suas peças já conhecidas por muitas cariocas, e ainda uma estampa nova feita exclusivamente para o evento. Aliás, Meninas, vocês que são black power, precisam ver que charme a estampa criada para as Meninas Black Power.

    
    Teve de tudo no Conexão: música comandada pela DJ Pretinha; workshop sobre cuidados com a pele negra e também automaquiagem; um grande encontro entre a Ligia da Devassas, as Meninas Black Power e Dani Marie (vencedora da promoção Devassas e MBP); também teve a Georgia Gomes, passista e quituteira das boas. Requisitada para vários eventos – e vale o destaque –, Georgia, que é de família sambista, chegou ao Toque de Preta a partir de uma rede de conhecidos pessoais do Facebook e se enquadrou na proposta da produtora: ela é empreendedora e negra. Por ser muito jovem, se espanta ainda com a fama que seu nome já alcança no mundo do samba (e fora dele também).  
À direita Geórgia; à esquerda a Dani
Cintia e Maiara
   Encontramos duas seguidoras da página que foram conferir de perto o evento e, é óbvio, não perdemos a chance de conversar com as duas. Maiara e Cintia souberam do evento através da página Meninas Black Power. Estavam encantadas por estarem pela primeira vez em um "evento afro, com muita gente de cabelo black"  (fala delas, hein, gente?! Quem não foi já sabe que não pode perder o próximo).  Cíntia nos contou que por conta de insatisfações com a química que usava, radicalizou nas vésperas de uma festa e cortou tudo. Lá no Conexão recebeu dicas de "sobrevivência" neste universo crespo e espera pelas próximas edições do Conexão, que, vamos torcer (divulgar e estar presentes), farão muito barulho e proporcionarão debates fundamentais ao nosso fortalecimento enquanto grupo organizado e consciente e , sem dúvida, reunirá os blacks mais lindos no Rio.


Atualização (25/01/2013):
    Acabamos de receber um vídeo lindo da Estimativa que mostra vários blacks afrobaphônicos que marcaram presença. Vem com a gente nessa?




CRÓNICAS DE CHOCOLATE

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   Bem-vindos a minha primeira… bem, na falta de melhor palavra, posso dizer mesmo crónica. Antes tudo, gostaria de esclarecer que eu não sou brasileira, mas sou luso-cabo-verdiana, ou seja, nasci e vivi em Cabo Verde, mas vivo agora em Portugal. Tenho as duas nacionalidades. Espero que o português que uso não seja difícil de compreender.
  Escolhi dar o nome "Crónicas de Chocolate" não só porque este blog trata da nossa africanidade, também porque o castanho é uma das minhas cores favoritas, é o tom da minha pele e também porque adoro chocolate. A sério. Adoro.
 Para começar vamos fazer um pequeno contexto da história entre Portugal e África, okay? Bom, para quem não sabe Portugal teve colónias em África, América do Sul e na Ásia. Em África foram colónias, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. A colonização portuguesa em África começou no seculo XIV, na conquista de Ceuta em 1415, mas a verdadeira colonização começou no século XV. O fim da colonização portuguesa e independência das colónias africanas começou com o fim da ditadura, em 1974 com a Guiné Bissau, e acabou em 1975 quando Cabo Verde, São Tomé, Moçambique e Angola obtiveram independência. Devido presença portuguesa em território africano, há muitos africanos em Portugal. Durante muitos anos a comunidade cabo verdiana tinha o maior número em Portugal, recentemente foi ultrapassada pela comunidade brasileira.
    Enfim, tudo isto para dizer que em Portugal há muita influência africana. Quer seja na música, na comida, jeito de falar ou até mesmo na roupa. África faz parte de Portugal, há ainda imensos portugueses nas antigas colónias e há ainda mais africanos em terras lusas. Por mais que brigadas nacionalistas, extremistas, patriotas, neo nazistas (sim, porque temos alguns por aqui também) tentem inverter a situação, será praticamente impossível tirar África de Portugal e Portugal de África.
   Nesta pequena crónica semanal vou explicar o que é ser Africana em Portugal, tanto na moda, como nos cabelos, convivências, relações e peripécias. Vou tentar explicar-vos, mais ou menos, o que é ter 22 anos, ser africana, ter um cabelo para cuidar e estar em Portugal. Contar histórias, pequenos eventos, conversas e quem sabe até entrevistas. Vou dar a minha opinião e os meus pontos de vista, não espero que concordem sempre, nem espero que estejamos sempre em polémicas, mas sim que consigamos um debate saudável e educativo.
   Vou escrever sempre que possível e espero que gostem do que aqui aparecer. Beijinhos e comam muitos chocolates. 



O CRESPO TEM PODER?

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"Eu vou mudar o mundo."
   Sempre penso na melhor forma de falar sobre um assunto sem polemizar, atacar ou ofender quem quer que seja. Mas não é raro ver sites, blogs e páginas do Facebook que, por ignorância ou má fé, ofendem generalizadamente qualquer leitor minimamente crítico. O que eu penso sobre qualquer coisa não pode ser ofensivo, e se for, preciso rever meu pensamento, pois do contrário, qualquer diálogo fica inviabilizado. Mas deixe-me ir ao meu assunto de uma vez: O cabelão crespo, cheio, pra cima, é poderoso? É lindo? Para ostentá-lo e exibi-lo com orgulho, é preciso conseguir ver a história que ele carrega, e mais, a História que ele representa.
  Falar dele (do cabelão!) acaba nos levando a assuntos que são obrigatoriamente polêmicos. Cabelo crespo faz pensar em negritude, que faz pensar em racismo, que faz pensar em ações afirmativas, cotas... um assunto puxa o outro, não necessariamente nesta ordem, mas todos acabam surgindo e precisam ser debatidos. Mas precisamos fazê-lo com propriedade, lendo sobre os assuntos, pensando coletivo. Não podemos pensar que nossa opinião, baseada apenas na nossa experiência individual, é capaz de dar conta de assuntos tão complexos. Temos que agregar o pensamento do outro, sair da zona de conforto e nos colocar no lugar do outro.
   Não é novidade que a população pobre é em sua maioria negra, e que podemos atribuir esse fato à escravidão. Mas onde muitos veem derrota, eu vejo poder, vejo luta. Quando nossa querida princesa Isabel assinou a lei Áurea, não o fez por bondade ou caridade como insistem em narrar, mas por pressão. 95% dos descendentes de africanos já eram livres na Corte Imperial, e conseguiram tal liberdade negociando, fugindo, comprando, trabalhando, se agrupando. Foi coletivamente, mesmo que talvez não houvesse a consciência do coletivo[1]. A visibilidade que a Corte Imperial tinha pra o restante do país fez parecer impertinente que a escravidão fosse uma instituição ainda. Assinar a lei Áurea foi uma tentativa desesperada de tentar fazer parecer que a monarquia estava também se modernizando, mas moderno e monarquia definitivamente não combinam. Claro que outros fatores colaboraram com a abolição da escravidão, mas estudando bem o movimento de libertação do negro, vemos intelectuais teorizando, pensando nas melhores formas de encaminhar a libertação dos escravizados, mas vemos pessoas comuns vivendo suas vidas e construindo suas liberdades individuais, e interferindo na forma como eram vistas, e garantindo/reivindicando (a duras penas) para si o direito de cidadãos. O desejo de liberdade que vira realidade para uma pessoa, confere poder a outras: ver que é possível, transforma. O processo ainda não está finalizado, mesmo depois de tanto tempo, mas é importante que não pare.
   Pessoas simples que conheceram a escravidão, tiveram que lutar por necessidades básicas cotidianas. A herança deixada, é a liberdade, é o poder ser, é o ser dono de si. Pode não parecer muito quando se vive em uma sociedade de consumo, pode não parecer muito quando a gente vê o vizinho conseguindo bens materiais, mas o poder ser já me dá uma perspectiva maravilhosa. O mérito pessoal não exclui o fato de que ainda falta muito para conseguirmos coletivamente condições ideais de vida, mas menos ainda anula a complexidade da sociedade classista, racista, elitista e vários outros “istas”. Mas hoje temos muitos em quem nos espelhar. Pessoas que por méritos individuais garantiram para si melhores condições de vida. No entanto, o que talvez essa pessoa não se dê conta é que ela me dá poder. Quando uma negra modelo, ou atriz ou juíza ganha visibilidade, abre-se um horizonte de possibilidades pra muitos. É um espelho. Se ver naquela situação, vislumbrar aquela posição para si, é poder.
   Nossas ações são coletivas, mesmo sem querer, mesmo sem serem conscientes, e por menos importantes que pareçam. Pessoas são espelhos. Usar o cabelo crespo é um exemplo do que inspira: afirma a beleza, confere poder. É o poder ser, sem precisar se adaptar. Valeu pro século XIX e vale pra hoje também: ações simples, que parecem sem importância pra coletividade, rompem com padrões comportamentais e estéticos. Então sim, o crespo tem poder... e maior do que pode parecer.

Referências:
[1] Ver mais sobre o assunto: RIBEIRO, Manoel Pinto. A MULHER NEGRA E A MPB (1930-1945) http://www.filologia.org.br/abf/rabf/7/103.pdf
ALENCASTRO, Luis Felipe de. (orgs) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte . São Paulo: Companhia das Letras, 1990.



SENHORAS BLACK POWER

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E eu estava ali, no Encontro de Cinema Negro, eu deveria estar assistindo aula como sempre, mas o destino quis que eu estivesse lá, presente, e acabei sendo liberada mais cedo. Pude ver com meu próprios olhos pessoas que sempre admirei, conhecer um pouco mais das histórias dos meus avós e bisavós, vi os projetos de meus semelhantes, dos que lutam comigo. No final tudo será exaltado e a minha luta não será em vão, a juventude não se esquecerá do que foi feito e da luta que tivemos pra que ali estivéssemos. Eu ficaria contente se as emoções parassem por aí. Até que eu olhei para porta e vi uma senhora negra, com os seus 60 e poucos anos. Muito bem vestida, com um black grisalho e pensei, no auge da minha metidez: "O que a minha versão mais madura está fazendo aqui?" Fiquei apaixonada por aquela mulher, que até então,pra mim, era desconhecida. É claro que fiquei curiosa pra conhecê-la, mas depois lembrei que eu me conheço muito bem, então saberia quem ela é. Fiquei ali a observando e admirando aquela linda mulher, a cada gargalhada me passava mais segurança, maturidade e felicidade. Vi que serei "Bela&Blackuda" até o fim. Nem o tempo, nem ninguém mudarão a minha cabeça, porque raiz é raiz.

São poucas, mas as senhoras negras da década de 40, de 50, são elas as que nos ensinam o que é luta, nos inspiram, dão uma aula do que é vencer, do que é viver. Essas mulheres são nossas avós, são as senhoras que vimos pela rua batalhando com seus cabelos grisalhos.

Há três meses achei um dos pedaços do meu espelho dando aula, mas não era só uma aula de uma matéria teórica, aquilo era uma aula de vida, aquela senhora rodava a manivela da minha mente e por ela surgiam ideias atrás de ideias, eram tantas que chegavam a doer a cabeça e ela não deixa de me incentivar e nunca deixará.
Precisamos de exemplos, nos espelharmos em alguém e dizer: - “É assim que eu quero ser! É isso que eu quero transmitir.” Agradeço a todas as senhoras que não negam suas raízes e as que lutaram pra que hoje seja assim, por vocês continuaremos a luta!