IDENTIDADE CRESPA


       Olá, crespas! Hoje falaremos sobre a importância de dissociar a ideia do cabelo crespo de ser mais um acessório fashion ou algo especial para pessoas ligadas às artes, mídias e afins. Afinal, quem nunca ouviu frases como: "Nossa! Como você é estilosa!", "Black power tá na moda, né?", "Você é atriz? Modelo? Cantora?". Diversas vezes algumas meninas já elogiaram meu cabelo e disseram que não são tão "estilosas" quanto eu e por isso não voltam para o natural, mas quando uma mulher com cabelo liso usa natural e não é tão ligada ao estilo, soa mais normal?
      A grande questão é entender que o seu cabelo faz parte de quem você é, então é impossível isso representar apenas um estilo ou uma tendência, pois estas mesmas  passam. Hoje, o cabelo crespo está realmente sendo mais incorporado, no entanto a falta de aceitação do uso do natural ainda é esmagadora, principalmente em ambientes profissionais.  
       Muitas vezes a questão da negação do cabelo crespo está profundamente relacionada com a vergonha de se apresentar diante de uma sociedade que marginaliza o cabelo do negro. A constante omissão do cabelo crespo se apresenta quando é necessário ir à uma entrevista de emprego ou uma festa social, por exemplo.
    Vamos entender o símbolo do cabelo crespo em outras culturas. Com a palavra, Fabíola , coordenadora do Grupo de Trabalho Histórico-político do coletivo Meninas Black Power e também idealizadora da grife Colares D’Odarah: "Em termos culturais, trazemos dois dados - dentre os infinitos aspectos dos simbolismos culturais africanos - que entendemos como relevantes para o entendimento da vergonha dos cabelos crespos: primeiro, em África, quando um guerreiro era abatido por seu opositor, recebia como punição, dentre tantas, o corte de seus cabelos, uma vez que essa atitude era a pior humilhação que poderia ser passada por um homem. Nos cabelos se concentrava todo um caráter simbólico, como, por exemplo, se identificava pelos tipos de cabelos e penteados o papel social que aquele homem desempenhava - se era militar/guerreiro, se era nobre, se era burocrata. Os cabelos, penteados com tranças, denunciavam qual 'classe social' aquele homem pertencia. Quando seus cabelos eram arrancados, esse homem perdia a identidade, por isso tamanha a  humilhação. Também nas religiões de matriz africana, para o sujeito passar pelo ritual de iniciação, ele precisa ter sua cabeça raspada, ou seja, seus cabelos cortados, como sinal de reverência total às divindades. O cabelo é ofertado como presente por ser a parte do corpo mais valiosa e sensível de uma pessoa; aquela que capta todas as energias do ambiente. Percebem a importância dos nossos cabelos? Por isso ressignificaram negativamente essas noções culturais e continuam nos humilhando, fazendo com que nossos homens pretos raspem a cabeça em sinal de higiene e respeitabilidade, que nossas mulheres pretas alisem a 'vergonha' do volume. Nos humilham diariamente. Vamos engrossar uma campanha em favor da valorização do uso dos nossos cabelos crespos não só pelo ponto de vista estético, mas pelo político-ideológico. Essa valorização da nossa ancestralidade real e majestosa é a cara das Meninas Black Power que, para além da estética, lutam pela emancipação política do povo preto. Tornemos esse movimento legítimo através de nossa adesão. Estejamos juntas, nós por nós!"
       Compreender que o seu crespo está intimamente ligado à sua identidade negra faz com que você consiga ter segurança e convicção. Assim, quando a tendência acabar, você continuará firme no seu posicionamento em relação ao uso do cabelo crespo. Perguntei para algumas crespas como se relacionam com o estilo e o crespo:



"... Dizem que cabelo é a moldura do rosto. Para mim vai muito mais além: é minha identidade, minha marca registrada. Nossa, foi a melhor coisa que fiz me reassumir! Hoje eu me acho linda de qualquer jeito, com qualquer roupa por mais simples que ela seja." - Letícia Martins, estagiária de Marketing, blogueira no Preta Pretinha Blog


"Meu cabelo é a minha identidade. A partir do momento em que assumi o meu cabelo crespo e passei a amá-lo do jeito que ele realmente é, descobri o meu verdadeiro eu. A vontade de zelar, enfeitar, e fazer diversos penteados surge naturalmente, pois trata-se de um cabelo de 1001 possibilidades: o que na maioria das vezes é visto apenas como estilo. Engana-se quem tem esse pensamento, pois creio que o cabelo crespo vai muito além disso, antes de tudo significa: liberdade, força e luta.” - Loana Novaes, integrante do coletivo Meninas Black Power, 
mãe e dona de casa

“É com tristeza e pesar que escrevo este pequeno depoimento. Não, não... Ninguém da minha família morreu. Porém, uma parte de mim vem 'sendo morta' a cada dia... Sou estudante de economia. E a minha futura profissão exige - digamos assim - um visual mais 'formal'. Um cabelo mais 'asseado', mais 'clean'. É com esse tipo de comentário que preciso me deparar todos os dias. As pessoas não avaliam minha competência, meu currículo, mas sim a minha aparência. Ainda assim, com todas as dificuldades, vou manter a minha posição para que mais crespas, economistas ou não, possam ter a liberdade de usar seus cabelos como quiserem, sem que sejam 'zoadas' ou discriminadas.”  - Ingrid da Matta, integrante do coletivo Menina Black Power e estudante de economia

      Assim como as meninas, conte sua história para nós, compartilhe as dificuldades e ajude outras crespas. Lembre-se: crespo não é só estilo, crespo é identidade.

This entry was posted on 09/09/2013 and is filed under ,,,,,,,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

19 Responses to “IDENTIDADE CRESPA”

  1. IMPORTANTÍSSIMO abordar esse tipo de questão aqui no blog.É preciso atentar p pequenos preconceitos em forma de "elogios",é preciso engrossar a luta por respeito a nossa identidade.

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    1. Com certeza Jac M, é essencial refletir sobre essas questões do dia a dia.

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    2. Que bom que curtiu! Obrigada pelo comentário.

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    3. Acho que assumir o crespo é sim uma forma de retomar nossa identidade mas quero ressaltar que apesar disso acho mais importante a liberdade da mulher negra. Sabemos que o padrão eurocêntrico é uma imposição mas além de ouvir piadas sobre o cabelo crespo, também já ouvi que 'mulher negra de cabelo colorido não fica bom', que 'gente negra de cabelo curto fica feio', 'negra não fica bem de batom x" e etc. Na maioria dos casos as pessoas sedem a imposição, eu sei, e é contra isso que a gente luta, mas têm garotas que mudam pelo simples gostar de mudar. Sou crespa hoje, não pretendo utilizar química nunca mais, mas não me sinto na obrigação de ser pra sempre porque ao meu ver essa luta é mais ampla, assumir o cabelo é só o começo. As outras pessoas sempre acham que têm direito de dizer como uma mulher negra deve ser pra ser aceita.

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    4. Certo, Carla. Importante lembrar que aqui não ficou um registro de imposição e sim a exposição dos motivos que fazem com que o cabelo crespo, natural, assumido como é, não seja colocado apenas como um acessório pra compor look. Como você mesma disse: isso está para além das roupas.

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  2. Também acho de extrema importância tratarmos dos crespos como IDENTIDADE! Diariamente ouço 'elogios' referentes ao meu cabelo, como é estiloso e macio (a maciez é sempre com um ar de espanto, diga-se de passagem). Poxa vida, meu cabelo vai muuito além do estilo! Gosto muito do blog MBP e sempre divulgo aos desinformados que ainda acreditam que é "um movimento black power = uma hora vai passar".

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    1. Obrigada pelo comentário e por nos ajudar na missão de espalhar boas ideias! Beijos crespos.

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    2. Morri de rir com o " a maciez é sempre com um ar de espanto". Vira e mexe escuto "Posso pegar no seu cabelo?" e realmente é hilária a expressão de "Nossa, é macio!".
      Muito relevante o tema abordado, meninas. Me identifiquei MUITO com as palavras da Ingrid da Matta, como coordenadora de uma escola vira e mexe algum pai demonstra um certo espanto quando vê meu cabelo, mas AMO quando me escutam conversar e trazer soluções. Aí vem o choque, da parte deles, de que sou uma profissional competente exatamente com a aparência que tenho.
      Com relação à estética do cabelo, depois que me livrei de alisantes há quase 2 anos, fiz escova uma única vez, mas sinceramente, não me sinto mais tão à vontade! O crespo passou a fazer parte da minha identidade mesmo. Não quero alisante NUNCA mais simplesmente por saber que é fácil me amar assim, como sou hoje. E no dia que der vontade de mudar o look, penteado nele! Ou até mesmo uma escova, mas nada que venha danificar meus fios como eram antes.
      Enfim, parabéns pelo post,MBP!

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  3. Oi Ingrid, sou economista e também tenho cabelo crespo. Estamos juntas nessa!!! Decidi assumir meu "crespo" quando entrei na faculdade e desde então nunca mais o reprimi! Qdo ainda estava cursando economia e a procura de um estágio houve uma seleção na qual penso ter sido desclassificada pela minha aparência. Nada foi dito, mas algumas vezes palavras são desnecessárias. Atualmente estou vivendo em Salvador e aqui não me sinto discriminada pelos meus cabelos. Mas de qualquer forma, se algum dia isso ocorrer terão que responder judicialmente. Não podemos nos deixar abater por questões como esta! Saudações crespas!!!
    Izabel Bell

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    1. Izabel, as dificuldades estão aí, mas nós estamos firmes para passar por todas elas, certo??? Vamos com tudo!
      Beijos!

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  4. Curiosamente sou crespa há alguns anos, mas crespa natural há dois meses, depois de longo processo. Secretária Executiva cansei de chocar grandes executivos em Brasília primeiramente com o meu rastafari (tranças), depois com minhas tranças nagôs, cabelo puff e agora por fim decidida a ser black natural por pura identidade e felicidade libertadora de ser quem sou realmente, me deparo com Nãos velados na busca pela recolocação profissional no RJ. Mas a cada entrevista vou mais crespa, redonda e com auto estima inflada... Terão que me engolir!!! Alexia Sant`Anna

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    1. Alexia! Seguimos lutando para que a colocação profissional não dependa da estética!
      Obrigada pelo comentário! Você é um exemplo!

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  5. Sou feliz com crespo me sinto na moda e nem ligo por críticas..

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    1. Que bom que você está feliz, flor. A gente espera que o sentimento permaneça mesmo sem estar na moda, ok? Beijos e obrigada pelo comentário.

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  6. Olá meninas, estou crespa faz 1 semana, foi uma longa transição que teve seu pontapé na gravidez onde tive que parar com os alisamentos, então decidi que não alisaria mais os cabelos, fui cortando as pontas até que meu cabelo natural estivesse numa altura em que eu me sentiria bem para cortar, então cortei e está um black curtinho e cheio de cachinhos bem pequeninos que eu estou amando ver, pois curiosamente eu não conhecia meu cabelo ele era alisado desde a infância. Agora estou curtindo muito cuidar e enfeitar e me sinto muito mais verdadeira comigo, não preciso mais negar quem eu sou de verdade, e isso me trouxe um ganho na auto estima que não consigo mensurar. Meu filho de 1 ano me viu de cabelo curtinho, riu e me beijou a única opinião que importava! Estou feliz com a minha decisão e vejo quanto tempo perdi com alisamentos inúteis, mas acredito que tudo tem seu tempo e esta mudança aconteceu na hora certa. Adoro o blog, os depoimentos e as dicas. Parabéns! Força sempre e viva o crespo! Beijos

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    1. Que lindo seu depoimento! Parabéns pela iniciativa e por ser exemplo pro seu filho. Obrigada pelo carinho!

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