Volta e meia, me lembro dos anos 80: da minha infância recheada
de bullying racista. O meu cabelo era tachado sempre como sujo. Por eu ter um
"jubão", me chamavam de "piolho", por terem a certeza que
um cabelo cacheado e cheio não tem dignidade de ser limpo e bem cuidado. Depois começaram a me chamar de cabelo de vassoura e de Bombril... Dá pra
perceber que todos os apelidos tem uma ligação? Eles nada se parecem entre
si, mas tem uma interseção: a sujeira. O piolho vem da falta de cuidado, a
vassoura e o Bombril são sujos, de tanto limpar resíduos e poeira.
Depois de muita luta e conscientização social, o racismo foi criminalizado e
não mais fui tachada por esses adjetivos pelos coleguinhas, verbalmente. Mas,
pra meu espanto, depois dos meus 30 anos de idade, com muitas teorias (de que
não existe essa coisa de cabelo ruim, que não tem cabimento ofenderem o meu
cabelo, já que ele não fez nada pra ninguém), me deparo com um bullying
midiático, oriundo da minha área profissional, que é ditadora: a maldita da
moda!
Essa área que "super me aceita" por eu ter um cabelo "black
power", mas que acredita que mantenho esse estilo com superficialidade,
por pura referência estética e como passaporte pra muito "close". Mal
sabem eles que o meu cabelo é identidade... E mal sabia eu que eles acham o
meu cabelo ruim e de Bombril, como os meus coleguinhas dos anos 80. Só que
esse pessoal não está nos corredores das escolas, nem parados nas ruas, fazendo
piadinhas de mim. Esse é o pessoal que dita o estilo das passarelas e fala
diretamente pra mídia que quer me homenagear com a palha de aço, pois o meu
suposto cabelo ruim é um mega conceito estrutural.
Sim, gente. Foi com isso que me deparei na matéria super fofa e descolada sobre
o desfile do estilista Ronaldo Fraga. O stylist jurou que homenageou os negros
com o cabelo de Bombril e ainda disse: "A palha de aço mostra que o
suposto cabelo ruim é na verdade uma escultura em potencial".
Esse rapaz se esqueceu que existe gente que luta diariamente pra aceitar os
seus fios por terem acreditado a sua vida toda que esses
"lamberiam" com o fogo, que o cabelo teria só serventia "pra
arear" panela. Ele esqueceu de pesquisar que muitas pessoas ainda são dependentes de escovas
progressivas, alisamentos e chapinhas pra se sentirem melhores e mais
"gente". E muita gente por conta disso perde o cabelo, se mutila,
fica doente física e psicologicamente.
Muito obrigada, mas não preciso dessa sua homenagem. Não quero esse bullying
racista hype... O dia que a moda entender que a questão de valorização do povo negro não é só
estética e musical, que existe causa, sangue, suor e lágrimas em toda nossa
conquista e que existe consumidor negro que pode boicotar uma marca dessas...
O dia que tiverem consciência de tudo isso, vão parar de rir das nossas
mazelas, com os aplausos e sorrisos VIPs da primeira fila. Por uma moda mais
inteligente e menos alienada! Por uma moda mais humana! É esse o meu desabafo.
“ESSE POST FAZ PARTE DA BLOGAGEM COLETIVA PELO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL, UMA INICIATIVA BLOGUEIRAS NEGRAS.”
obrigada!!!!!
ResponderExcluirObrigada pelo texto. Esses desaforos que ficam presos em nossa garganta precisam ser exteriorizados. De coração obrigada.
ResponderExcluirFaço minhas as suas palavras!!
ResponderExcluirola! Vim fazer uma visita e dizer que seu espaço esta muito lindo!
ResponderExcluirParabéns,forte abraço... de camiseta
Muito bom!
ResponderExcluirObrigada, Simone!
ExcluirPerfeito!!
ResponderExcluirObrigada pelo comentário!
ExcluirModa: questão (pre)conceitual.
ResponderExcluirExato, Catia!
ExcluirE só mais uma coisa...é muito mais fácil associar ao bombril, não pela sujeira, oq eu acho bem subjetivo, mas sim pela estética! Significado de crespo: que apresenta superfície áspera; lanoso, rugoso. 2.que apresenta textura ondulada, como que em ondas ou anéis; frisado.
ResponderExcluirCrespo não é insulto, é textura, assim como o liso!Não existe textura certa ou errada, textura é textura! O bombril é crespo. O macarrão é enrolado, cabelos cacheados lembram macarrão.
Deve-se descontruir essas mensagens erradas, só assim eliminaremos essa nojeira de preconceito!