Graduada em Artes Plásticas pela Escola Guignard - UEMG, com
habilitação em Fotografia e Cerâmica, a também atriz Priscila Rezende, apresenta
trabalhos ligados à relação estabelecida entre o indivíduo e a sociedade contemporânea,
questões acerca das posições raciais e de gênero.
Dentre eles, está a performance “Bombril”, realizada na tarde
do último sábado (16) em frente ao Memorial Minas Vale. A performance critica a
condição dos negros no contexto social. Durante a ação a
artista ariou 40 utensílios metálicos – entre panelas e colheres – com o
próprio cabelo.
Com o propósito de entender melhor o trabalho, o MBP
encarregou-se de entrevistá-la.
MBP: De onde e como surgiu a ideia dessa
intervenção?
PR: O trabalho é uma
reflexão sobre a condição do negro no meio social. Essa reflexão surgiu na
verdade, há quase 10 anos atrás. Estava com uma amiga (negra) num aeroporto de
Belo Horizonte, e estávamos procurando informação. Fomos passando pelos balcões
e observei as moças que estavam trabalhando, todas muito elegantes e super arrumadas.
Eu comentei com a minha colega e ela completou dizendo que não via nenhuma
atendente negra no local. Eu não tinha reparado, observei e vi que ela
realmente tinha razão. Tinha uma única recepcionista negra no local. A partir
daí foi automático, praticamente em todos os locais que eu vou eu observo isso.
Sempre sofri preconceito, desde criança. Antes eu não era tão observadora com
relação a isso, mas passei a observar. Vejo uma pessoa negra trabalhando, observo
o que ela está fazendo, qual local ela está.
Alguns
locais que são óbvios. Se você lê uma revista, raramente você vê modelo negro,
na televisão é a mesma coisa... é muito difícil você ver o negro nessa posição.
A partir de situações das quais eu já passei de preconceito e em relação a ter
o cabelo como ponta e foco de agressão. Criei essa relação do cabelo como sendo
referência pejorativa e muitas vezes, apelidado como cabelo “Bombril” .
Como
a ideia era exatamente questionar essa colocação e a posição do negro no meio
social. Eu criei essa relação do cabelo e os nomes pejorativos que as pessoas utilizam
pra se referir ao negro. Geralmente o negro está numa posição pejorativa. Por
isso, a performance foi pensando nessa posição que a nossa sociedade não
considera privilegiada, mas que são posições (profissionais) que a gente
precisa. As pessoas que servem outras. Em muitos locais observei que geralmente
o negro está em posição operacional. Por isso, a performance aconteceu no chão,
ariando a panela, representando o negro que serve ao outro.
MBP: Como foi chegar num nome para a
performance (Bombril) ?
PR: O nome foi mais
fácil. Foi um dos primeiros que me veio na cabeça justamente por conta dessa
condição da mulher negra, como aquela que serve e que geralmente trabalha nas
casas, e o apelido, referindo-se ao cabelo. Veio mais fácil o nome, é uma marca.
As pessoas transformaram em outra coisa. Pra
mim a palavra Bombril nem me remente a
marca, quando alguém fala eu penso muito na referência do cabelo negro.
MBP: O que você diria sobre as suas
vivências como mulher negra e crespa assumida?
PR: Parar de alisar o
cabelo foi uma liberdade pra mim. Eu alisava porque minha mãe alisava quando eu
era criança. Sempre cuidou do meu cabelo. Meu e da minha irmã. Por volta dos 8
anos eu comecei a alisar o cabelo. Eu fazia porque ela (mãe) falava, era o que ela
queria. Em determinado momento eu parei. Quando tinha 12 anos por conta da
natação cortei bem curtinho e depois eu falei que não queria mais alisar. Falei:
”Não, eu não quero alisar mais não”, fiquei um tempo [risos]. Meu cabelo foi
crescendo e foi virando um black, e um dia ela decidiu cortar meu cabelo. Eu
com 12 anos, não ía discutir.
Quando
eu tinha 18 anos passei por uma situação que eu me senti ridícula. Era uma
época de chuva e eu estava com o cabelo alisado. Meu cabelo nem molhou, era só
umidade. Estava num shopping, me olhei no espelho e meu cabelo estava um
terror. Eu falei: "Ah, gente! Eu não acredito! Não vou mais passar por isso." É uma
escravidão que você passa e eu não me sentia bem de forma nenhuma. Não estava
me achando bonita e não me sentia bem comigo mesma. Foi uma liberdade!
Era uma escravidão, todos os procedimentos que eu tinha que passar pra fazer o
cabelo ficar liso, ficar enrolando o cabelo na hora de dormir, secar. Eu não me
sentia bem. Quando penteava o cabelo ele nunca ficava do jeito que eu queria.
No fim das contas eu não me sentia bem comigo mesma.
Comecei
a trançar o cabelo na época, fiquei muitos anos trançando e usando cores nas
tranças. Geralmente
trançava num dia, no dia seguinte trançava de novo. Hoje sinto uma liberdade.
Liberdade em todos os sentidos. Eu não tenho que ficar fazendo todos aqueles
procedimentos e nem seguir padrões. Eu faço o que eu quero. Pretendo depois
deixar meu cabelo de novo, fazer um black, tranças, permanente...
Quando
eu era criança estudei em colégio particular. Praticamente não tinham alunos
negros na escola. Tinham muitos preconceitos e um padrão completamente
diferente do que a gente é.
Eu
vejo a minha irmã e minha mãe que ainda alisam o cabelo. E quando eu olho, eu
penso: “Nossa gente, elas precisam se libertar disso” [risos]. Foi
uma liberdade. Agora que eu raspei a cabeça também, mais ainda [risos].
MBP: Como é a história do seu cabelo e a
importância de ser crespa pra você?
PR: Me deu liberdade. A partir disso, eu me senti firme pra
assumir o que eu sou, do jeito que eu sou. Não me importo se estou dentro de um
padrão ou não. Eu que tenho que me sentir bem. Quem tem que me achar bonita sou
eu. Se o cabelo está legal pra mim é o que vale.
Eu
passei a ter uma identificação maior com a cultura negra. Toda essa questão da
cultura negra e da raiz disso sempre foi muito afastada pra mim. Num determinado
momento eu reparei que eu nunca tive uma aproximação com essa raiz. E aí eu
passei a procurar e a tentar conhecer melhor. Me assumir foi principalmente procurar me
conhecer melhor, aceitar, me admirar do jeito que eu sou independente de estar
dentro ou fora de padrões.
Quando
eu decidi raspar o cabelo, nossa! Comecei a reparar a questão de gênero, ser
mulher. Eu comecei a reparar isso também, Como uma cabelo é uma questão tão
emblemática, tão simbólica. Mulher tem que ter cabelo grande. Mulher que tem
cabelo curto, se raspa a cabeça, já muda. Não duvido que achem que eu sou
lésbica, ou que eu fiquei louca (risos). Comecei a reparar como a questão do
cabelo e da aparência é determinante pra figura feminina. Não só ser negra e
reassumir o cabelo crespo. Mas, a mulher tem muito a questão da vaidade, como
que dão tanto valor e como isso determina a ideia que as pessoas tem do que
você é.
MBP: Acha possível as pessoas refletirem
sobre ou se abrirem para a temática apresentada a partir da performance realizada
no último dia 16? O que foi observado enquanto estava atuando?
PR: Eu já tinha feito o
trabalho uma outra vez num local fechado. Dentro de uma faculdade. Na primeira
vez foi bem impactante. Dessa eu imaginei que seria tão impactante quanto ou
mais por ter sido na rua. Algumas pessoas que já conheciam meu trabalho foram, outras
que já tinham ouvido falar mas não conseguiram estar presentes na primeira vez.
Quis que fosse na rua exatamente pra que tivesse esse impacto, essa surpresa de
quem estivesse passando. Até eu fiquei surpresa quando vi algumas fotos. No
momento do trabalho eu estou no chão, numa posição extremamente desconfortável
lavando as panelas com meu próprio cabelo. Pra eu conseguir fazer isso, tenho que me
contorcer. Tem um sofrimento durante o ato. No momento do trabalho, percebi que
boa parte das pessoas ficaram chocadas, fotografando. Quando passava algum
ônibus as pessoas que estavam dentro faziam uma expressão de susto. Espero que
a partir disso as pessoas questionem. Embora o trabalho não seja algo tão óbvio,
eu acho que é possível fazerem essa ligação. Eu sou uma pessoa, mas ali o meu
cabelo está sendo um objeto, dá pra refletir. Dá pra fazer uma reflexão na
nossa sociedade que durante muito tempo viu o negro como objeto de trabalho.
MBP: O grupo MBP é um coletivo de
mulheres que tem como foco principal incentivar o uso do cabelo natural. O que
você pensa a respeito desses grupos de incentivo que viabilizam projetos para o
público negro?
PR: Acho interessante.
Apesar de nunca ter participado de nenhum grupo acho que é legal, temos que
pensar em nos apoiar e nos colocar na sociedade. Fazer isso para o negro, mas
que isso vá além. Pensando em igualdade,
se queremos nos mostrar como igual, que busquemos mostrar também a igualdade.
Que fique claro que somos iguais. Temos que buscar a igualdade e não nos vermos
como superiores ou melhores. Existe ainda muito grande uma imposição social
a respeito do negro. A primeira vez que eu fiz o trabalho uma colega minha me
questionou sobre o por que não falar sobre os negros que conquistaram uma
posição importante e que venceram. Uma vez, assisti um jornal e tinha uma
repórter negra. Achei o máximo, mas a moça estava lá com o cabelo alisado. Fico
me perguntando, será que foi uma imposição? Ela tá lá mais está enquadrada
dentro daquele padrão que é o que costumam aceitar na tevê. Então fico me
perguntando: será que isso é mesmo um respeito? Uma conquista? Uma inserção? O
ideal é que façamos um trabalho pra nossa valorização, mas de forma a mostrar
que somos iguais e que isso seja aberto pra todos.
Fotos: Natalie Matos
Juro que fiquei chocada, mas também orgulhosa de ser negra e saber que ainda podemos lutar. MUITAAAA CORAGEM por parte dela, posso imaginar a cara das pessoas. Muitos fazem piadas e tudo mais , mas não consideram preconceito, é brincadeirinha. Adorei a entrevista, ela está super certa, precisamos nos libertar. Encontrei várias imagens dela procurando no google por → priscila resende bombril ← e adorei ainda mais a iniciativa. Parabéns a Priscila por ser negra com orgulho e ao blog por divulgar ato tão importante pra nossa cultura negra (:
ResponderExcluirSigo tbm o face de vcs, se puder passa lá ? http://noquintaldomundo.blogspot.com.br
Bjoos
Obrigada pelo comentário, Tammy. Que ações como essa nos levem, como indivíduas e coletivamente, para um estado de descontentamento e ação. Precisamos mudar a história.
ExcluirOlá, Tammy. Foram raras as brincadeiras neste momento da performance da Priscila.
ExcluirA unica brincadeirinha que ouvi foi um sujeito dizendo "que mulher doida". Os demais que paravam para observar ao redor, pareciam entender de alguma forma a mensagem que ela estava passando. Digo que foi uma performance maravilhosa! Abraços e Meninas Black Power, parabéns pela entrevista!
poxa, tudo muito MASSA, MUITO LINDO, MUITO LEGAL, tô acompanhado vocês desde o Face...
ResponderExcluirMe add, e tô no aquardo do post da minha foto que já foi enviada e reenviada p vêr la no Face :D
http://maisdemimeumundo.blogspot.com.br/
vai lá e me visita, apesar de tá precisando muito de um UPGRANDE !!
Marcella, mande para nosso e-mail: blogmbp@gmail.com às vezes não recebemos pelo facebook.
ExcluirBeijos crespos.