A "Abolição da Escravatura" não aconteceu
por amor. Foi por interesse político mesmo. O modelo escravista não estava
dando mais conta das necessidades do mercado, pois a então maior potência
econômica - Inglaterra - ditava as regras e exigia a existência de CONSUMIDORES.
Trocando em miúdos, a então iniciante Revolução Industrial que acontecia na
Europa, trazia ao mundo seus produtos fabricados em larga escala e precisava de
gente para comprar.
A Monarquia Brasileira estava sendo
pressionada por todos os lados: a Inglaterra queria que o Brasil tivesse um
Mercado Consumidor cheio de trabalhadores assalariados (não necessariamente
formado pelos homens e mulheres negros que já estavam aqui trabalhando há
séculos… de preferência, sem eles!); os abolicionistas queriam o fim da
escravidão, menos por bondade e mais por considerarem essa prática como sendo
um atraso à modernidade; os homens escravizados nunca aceitaram essa condição
sem luta, reivindicações e revoltas. O movimento para tornar-se livre gerou um
medo absurdo nos até então intitulados "senhores" e o governo deixou de dar
conta de tantas insurreições e fugas generalizadas. Havia ainda um fantasma que
assolava as elites brasileiras: o medo de que aqui ocorresse o mesmo que em
Santo domingo (uma revolta que promoveu a independência do Haiti. Vale a pena ler sobre!)
Pressões políticas, econômicas e
sociais derrubaram a monarquia brasileira; o medo de uma rebelião generalizada
era constante e crescente neste período… E tudo isso contribuiu para que, numa
última tentativa de salvar a monarquia, a Princesa Izabel assinasse a "Lei
Áurea". Não deu certo. A monarquia Brasileira não se sustentou sem ser
carregada pelas costas dos homens e mulheres escravizados.
Quando a Lei foi assinada, no Rio de
Janeiro, por exemplo, mais de 90% da população negra já era livre. A lei
teoricamente tornou todos os homens e mulheres pretos cidadãos. Mas o que
aconteceu com essas pessoas livres (e na teoria, cidadãs)? Nada! Os políticos
envolvidos na construção de um novo projeto político para o Brasil sem
escravidão acreditaram (e se planejaram neste sentido!) que a importação de
trabalhadores brancos associada à morte rápida e precoce dos trabalhadores até
então escravizada diminuiria a população negra, embranquecendo essas terras.
Foi um projeto político que criou pessoas marginalizadas, fora de quaisquer
planos de Educação, Saúde ou Moradia.
Sempre lutamos e a liberdade que temos,
conquistamos. Adotamos pequenas estratégias cotidianas, solitárias ou em grupo,
para proteção de nossas famílias… assim fomos nos afirmando pretos livres.
Temos muitas batalhas ainda. Depois das manifestações do segundo semestre do
ano passado, ficou explícito que não podemos aceitar os desmandos diários do
Estado. Não podemos deixar de gritar, exigir, sair para rua com palavras de
ordem na garganta e em grupo. Professores, rodoviários, garis, profissionais da
cultura ou vigilantes, todos estão nas ruas clamando por seus direitos,
articulando suas lutas, e desejando uma coisa somente: um mundo mais justo!
Queremos tudo que nos é de direito e nos foi negado como parte de um projeto
político de formação da cidadania brasileira: saúde digna, transporte que nos
respeite, educação de qualidade para os nossos pequenos e pequenas e acesso aos
bens culturais para todos. Exigimos o que é nosso. É o retorno do que
construímos em séculos. Esse país é de todos nós, e não só de uma minoria
abastada!
Acreditamos em apropriação. Quando falamos de apropriação, falamos de saber
histórico, de protagonismo da nossa própria história. Se todas essas greves
acontecem no mesmo momento e por conta do cansaço de pessoas que são quase
sempre invisibilizadas e o mais importante ainda, quando elas culminam num dia
que tem uma forte referência histórica, uma mensagem muito importante está
sendo passada, nos olhem, nos percebam, estamos aqui e cansamos de negociar, de
sermos explorados e de ter nossas reivindicações mediadas. Se observarmos ao nosso redor,
poderemos ver a todo tempo os reflexos que esse projeto político de cidadania brasileira
nos deixou. Que liberdade é essa que nos deixou e
nos deixa ocupar apenas os subempregos? Que liberdade é essa que não nos deu e
não nos dá oportunidades?Que liberdade é essa que continua
matando os jovens negros diariamente? Que liberdade é essa que a todo tempo
demoniza as religiões afro-brasileiras? Que liberdade é essa que estipula um
padrão de beleza totalmente eurocêntrico, e que fere a autoestima da
maioria dos pretos e pretas?
Esses exemplos são justificados apenas
pela desigualdade social, quando sabemos bem seu nome e sua cor. Que não
tenhamos medo de pronunciar seu nome e reconhecer seu rosto: é RACISMO. Mal
sabemos quem somos e de onde viemos, um povo esquecido às margens, arquivos
históricos queimados, histórias apagadas. Não temos nada a comemorar. Temos
muita luta ainda.
Para saber mais:
1 - O plano e o pânico: Os
Movimentos Sociais na Década da Abolição, de Maria Helena Toledo Machado.
2 - O espetáculo das raças: cientistas,
instituições e questão racial no Brasil, de Lilia Moritz Schwarcz.
3 - Visões da liberdade - Uma história das últimas décadas de escravidão na Corte, de Sidney
Chaloub.
* Texto produzido sob a supervisão da historiadora Jaciana Melquiades
* Texto produzido sob a supervisão da historiadora Jaciana Melquiades
Lindo texto ! Continuemos na luta! bjos
ResponderExcluirObrigada pelo comentário!
ExcluirAguardei o post sobre aboliçao e ja sabia que nao iria me arrepender em ler. Parabéns, os apontamentos históricos sao sempre muito importantes para entender como na verdade a postura racista do Estado nao mudou somente se dá de forma travestida do novo modelo econômico. Como diz Arisia Barros '' o racismo é um camaleao poliglota''.
ResponderExcluirQue bom que lhe contemplamos! É sempre uma honra poder contar com seu apoio. Beijos.
Excluir"Não temos nada a comemorar. Temos muita luta ainda."
ResponderExcluiruau.... a realidade é dura as vezes, mas ainda sim, é preferivel aceita-la.
Adoro esse blog. Força MBP!
Sempre é melhor vermos a verdade, né?! É o que permite alguma mudança... Agradecemos o comentário. Beijos!
ExcluirTexto maravilhoso.
ResponderExcluirVcs me inspiram na luta de cada dia.
Parabéns!!!
Lutemos juntos...
Marcélle L. Pereira.
Que bom, Marcélle! Vamos juntas. Agradecemos o comentário. Beijo!
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