Falar sobre cabelos
numa perspectiva de gênero masculina é uma coisa interessante. O cativante do
tema vem do fato de homens em geral tenderem não se preocupar tanto com os
cabelos quanto as mulheres. Esse fato, que de antemão digo ser uma meia-verdade,
tem haver com a representação do gênero masculino. A propósito, é nesse sentido
que gênero deve ser entendido nessa pequeno texto, ou seja, uma representação.
Explico-me. Gênero, numa perspectiva antropológica e sociológica, é uma ideia
construída do ponto de vista histórico, social e simbólico sobre o que vem a
ser masculino e/ou feminino dentro da sociedade não tendo necessariamente
relação direta com o sexo biológico (ter nascido com um pênis ou vagina). Exemplo:
uma transexual pode ser alguém do sexo masculino cuja auto-identificação de
gênero é feminina. Levando em conta esse aspecto, gênero é uma categoria
bastante flexível onde há performances mais masculinizadas e outras mais
feminizadas. Assim sendo, agimos, nos relacionamos e construímos nossos
desejos/sentimentos tendo como referências essas representações.
        A representação
normativa (aquela que estabelece uma norma ou padrão a ser seguido por todos)
que se construiu do gênero feminino coloca ênfase na emotividade e preocupação
com aparência e, nesse aspecto, o cabelo é um elemento essencial. No caso
masculino aparência é um elemento desprezado ou entendido como menor perante
outros como força, virilidade e não demonstração de sentimentos. Quando a
aparência é enfatizada no gênero masculino, ela sempre se encontra atrelada a
outros aspectos como, por exemplo, força. Daí entende-se a fixação que certos
homens tem por um corpo musculoso. Junto a não exibição de sentimentos e uso da
violência esses elementos constroem a imagem do homem "durão" visto
recorrentemente em papéis interpretados no cinema por artistas como Arnold Schwarzenegger, Silvester Stallone, Chuck Norris, Charles Bronson, Vin Diesel e outros remetendo a uma noção bastante valorizada de
masculinidade.
      E já que citei Vin
Diesel, reflitamos sobre a negritude desse autor. Segundo consta, esse é um dos
assuntos que o consagrado ator de blockbusters
farofas de Hollywood evita comentar
embora o mesmo se auto-identifique como "uma pessoa de cor" (palavras dele). Daí
vai (ou vem) a pergunta: você se lembra de ter visto alguma foto de Diesel com cabelo?
Sim, existem algumas aí na web, mas ele optou de vez pelo look cabelo raspado quando sua calvície ficou mais evidente. Por
outro lado, me pergunto se a preferência do ator pelo visual do cabelo raspado
por navalha talvez não remeta também a um certo incômodo com a sua negritude. Isso me lembra em muito também a relação com o cabelo que o jogador de futebol Ronaldo "Fenômeno" teve durante boa parte da sua carreira. A propósito, aqueles que tem memória boa devem se lembrar do episódio de anos atrás no qual Ronaldo, ao ser questionado sobre episódios de racismo nos estádios, se solidarizou aos seus colegas jogadores negros, mas se auto-classificou com "branco".
       A ideia generalizada de
que homens não se preocupam com seus cabelos é, como já disse, uma meia-verdade.
Aparência é algo central para ambos os gêneros. Contudo, homens e mulheres
negros tem motivos específicos para se preocupar com o cabelo. Entre os séculos
XVIII e XIX ocorreu a estruturação do racismo científico europeu que
estabelecia hierarquias entre as ditas "raças" que eram entendidas como
realidades biológicas distintas e hierarquizadas: brancos europeus seriam
superiores a negros, asiáticos e indígenas. A miscigenação era vista como algo
negativo e a ser evitado, pois os indivíduos nascidos de relacionamentos
inter-raciais incorporariam as características da raça inferior do par. Nesse
contexto, determinadas traços fenotípicos como a pele escura, o nariz mais
achatado, os lábios grossos e os cabelos crespos tornaram-se símbolos de
inferioridade e ausência de beleza. Fácil deduzir que o padrão a que todos os
outros grupos raciais deveriam se medir era o do grupo branco europeu. Isso
explica em parte a relação de repulsa e incômodo que muitos negro/as tem com
seus cabelos crespos, usualmente classificados como "ruins" em detrimento dos
"bons" cabelos lisos. 
       No próximo post falarei de algo polêmico:
alisamentos. Diferente do que muitos pensam essa não é uma prática exclusiva
das mulheres negras. Nós, homens, se não o fazemos hoje, já fizemos algum dia
no passado. Até lá. Muita Paz, Muito Amor!
Márcio Macedo, também
conhecido como Kibe, é estudante de doutorado em sociologia e escreve no seu
blog, NewYorKibe.


















