por Élida Aquino
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GRN Photography - Gustavo Novais |
Não são raros os casos
em que, ao perguntamos para uma menina o que ela quer ser quando crescer, a
resposta que vem é “uma bailarina!”. Independente da minha vontade de ser uma
(e nunca tive o desejo como algumas amigas tiveram), sempre observei atentamente
a dança. De um lado desejava ter o corpo magro, ágil, leve e elegante; de outro percebia que
é um espaço excludente quando se pensa na quantidade mínima de negros dançando. Sendo raras as
meninas que conseguem realizar o sonho, mais raro ainda é realizar o sonho
sendo negra... Fato incontestável, minha gente. Basta olhar fotos de companhias
famosas e perceberão que não há como desmentir. As desculpas são muitas e vão
do "defeituoso" biotipo negro que não se encaixa na dança (já que
negros são muito pesados para o ballet) até a cultura negra que não
cruza com a leveza eurocêntrica que a atividade exige (afinal, danças africanas
são tão brutas, não é?)
Mas o motivo aqui, pelo menos agora, não é protesto.
Recentemente, respondendo mensagens na página do Coletivo, tive o prazer de
encontrar Ingrid Silva. O papo era
sobre reunir as Meninas em Nova York, mas achei genial conversar com uma
bailarina negra. Mais que isso: uma
bailarina negra, brasileira, com carreira internacional! Era a raridade falando comigo e eu não podia deixar escapar sem
mostrar pra todo mundo. Antes da conversa, quero lembrar de quem tornou
meu olhar mais cuidadoso para a questão. Começo com Mercedes Baptista. "Primeira
mulher negra a passar no exigente concurso e fazer parte do corpo de baile do
Theatro Municipal do Rio de Janeiro", criadora do ballet afro, ajudou a colocar dança clássica
no carnaval, colocou o negro brasileiro no ballet (vale a pena assistir o documentário
"Balé de Pé no Chão - A Dança Afro de Mercedes Baptista"). Michaela DePrince é
uma das surpresas do momento. natural de Serra Leoa, órfã por causa da guerra, adotada por um casal americano e alguém que descobriu a vontade de ser bailarina enquanto revirava revistas num orfanato; depois a Misty Copeland, "terceira solista afro-americana na história e a primeira em duas décadas no American Ballet Theatre", que desenvolveu toda técnica em tempo sobrenatural, já que começou os estudos de dança muito tarde diante da maioria. Agora tenho a Ingrid na galeria de inspirações. Segundo as informações que li no site do Dance Theathre of Harlem, onde ela atua agora, a diva começou os estudos de ballet aos 8 anos no Projeto Dançando Para não Dançar, também Escola de Dança Maria Olenewa e de Deborah Colker. Foi para Nova York em 2007 e não parou mais. Currículo lindo, preta linda e com certeza as ricas experiências fazem jus ao que eu esperava encontrar. Agora vocês vão sentir o que foi nosso papo, se inspirar no exemplo e na dança da Ingrid, depois espalhar essa energia por aí. Aproveitem!
Michaela DePrince |
Meninas Black Power: Conta pra gente de onde você é?
Ingrid Silva: Eu nasci no Rio de Janeiro, sou carioca da gema.
MBP: Como, onde e quando foi seu primeiro contato
com o ballet?
IS: Eu tinha um vizinho que era mestre sala da Mangueira,
se chamava Tio Arisio. Ele comentou com a minha mãe sobre uma professora de ballet que havia aberto uma sala e vagas
para interessados na Vila Olímpica da Mangueira. Eu já fazia vários esportes e
o ballet entrou na minha vida como
apenas mais uma atividade. Naquela época eu tinha 8 anos.
MBP: Como era o seu cabelo nesse momento? Como você lidava com ele?
MBP: Como era o seu cabelo nesse momento? Como você lidava com ele?
IS: Meu cabelo naquela época era tratado pela minha
mãe, em casa. No tempo que se fazia permanente com “bigudinho” pra deixar os
cachinhos (na verdade produto químico, que acaba com cabelo da gente). Eu não
tinha cabelo comprido o suficiente para fazer uma coque de bailarina de verdade
[risos], então comprei um cabelo em forma de “xuxinha” e colocava em volta do
meu cabelo preso. Aí conseguia fazer o coque. Foi assim por um bom tempo.
MBP: Agora é a hora da aventura! Como você foi
parar nos EUA, como foram os primeiros tempos aí e qual o valor dessa
experiência para você?
IS: Quando eu tinha 18 anos, uma professora negra
brasileira que recém tinha chegado de Nova York foi dar aula no Projeto
Dançando Para Não Dançar. O nome dela era Bethania Gomes, ele havia dançado no Dance Theatre of Harlem, e deu a ideia a
Theresa Aguilar, diretora do projeto DPND, que eu fosse fazer audição nesta
companhia de ballet americana no verão de 2007. Eu vim para Nova York fazer a
audição através do projeto DPND, com a diretora Theresa Aguilar, passei entre 30 candidatos (somente 4 foram escolhidos), retornei em
janeiro de 2008, dancei por 4 meses num grupo de pré-profissionais da escola,
depois fui escolhida pelo Arthur Mitchell, diretor da companhia, para dançar
num grupo jovem que representava a companhia. Se chamava Dance Theatre of Harlem Ensemble. Dancei neste grupo durante 4
anos. Ano passado foi o retorno da Dance
Theatre of Harlem Company, que agora tem a direção de Virgínia Johson, um
dos maiores ícones da dança clássica na América e uma das primeiras bailarinas
negras nos Estados Unidos. A cada dia que passa eu vejo a importância que a
minha carreira tem feito na vida de muitas crianças, na vida em geral de quem
vem nos assistir nas performances e principalmente na minha vida. Saí do Brasil
aos 18 anos para viver um sonho que muitas meninas não têm oportunidade de viver!
MBP: O que é o Dance
Theatre of Harlem? Qual é a história?
IS: Que honra dançar em uma companhia que foi
fundada em 1969, no Harlem, pelo primeiro bailarino negro que dançou no New
York City ballet, Arthur Mitchell! O Dance
Theatre of Harlem é conhecido como "a primeira companhia de ballet
clássico negra" nos Estados Unidos. A primeira grande companhia de ballet que prioriza dançarinos negros,
que agora esta sob a direção de Virgínia Johnson. O Dance Theatre of Harlem tem uma importância de inclusão geral, é
uma companhia multirracial, pois estende oportunidades para etnias em geral. Acontece
que desde que ballet existe, muitas
pessoas acham que negros não são aceitos na dança clássica, por conta de fatores
físicos, cor da pele, cultura... Por isso a presença de negros na companhia é
mais perceptível, já que há uma abertura muito maior para esses dançarinos. O
DTH é uma companhia flexível em todos os sentidos. Nós temos um repertório
vasto, tanto clássico quanto contemporâneo, com a missão de promover diversidade
no mundo do ballet, e trazer o ballet clássico para todos os níveis
sociais.
IS: Bom, é regrada de certa forma. Eu acordo todo
dia as 08h30, minha aula geralmente começa 10 horas. Chego ao trabalho às 9 horas
para me preparar para aula, que consiste em fazer exercícios e preparar o corpo
pro dia de trabalho, que consiste em 6 horas de ensaio e 1 hora de folga. Meu
dia geralmente termina por volta das 7 horas da noite. É assim o decorrer do
ano, dependendo do nosso repertório de dança... Mas eu também tenho vida social!
Acredite. [risos] A gente tem que arrumar tempo pra tudo.
MBP: Com certeza! E como é a “pressão
psicológica” de ser uma bailarina?
IS: Olha, na verdade a pressão psicológica é bem
forte. Você tem que ser bem seguro do que quer. Acho que "foco" é a
palavra chave. Pro bailarino é muito difícil aceitar um erro. Quando é cometido,
ele se julga o tempo inteiro, e a vida toda dança de frente pra um espelho.
Acho que sempre tentar e nunca desistir é essencial. Ballet não é fácil e não é pra qualquer um. De certa forma você tem
que ser persistente em todo dos sentidos e jamais desistir!
MBP: Conta a história de como decidiu voltar ao
cabelo natural?
Depois do BC, divando no salão Miss Jessie's |
IS: Há 2 anos atrás eu estava conversando com meu
namorado, quando, por uma ideia dele, concluímos que eu ficaria muito mais
bonita com cabelo natural do que com cabelo liso. Além disso, a agressão que o
produto químico fazia ao meu cabelo era péssima. Eu ia ao salão todo mês,
pagava 80 dólares pra ter o cabelo liso por 1 mês, e todo mês era a mesma
coisa. Um dia cansei, não achei que isso era mais pra min, e entrei no processo
de transição, que foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. É quando seu
cabelo não está nem natural e nem sem o produto químico. A transição durou um
tempo, decidi um belo dia ir a um salão chamado Miss Jessie’s, especializado em
cabelos naturais, e aí tive o big chop,
como dizem. Adeus cabelo com produtos químicos e que seja bem-vindo um cabelo
natural e saudável.
MBP: Incrível! E como foi a reação das pessoas ao
redor? Muitas declarações de reprovação ou dúvida sobre ser uma bailarina com
cabelo naturalmente crespo?
IS: Olha, a reação de algumas pessoas ao meu redor
não foi boa. Muitos não gostaram, incluindo minha mãe. Outros simplesmente
amaram. Com minha mãe, por ela estar no Brasil e aí quase não há pessoas que
usam cabelos naturais, dá até pra entender. Todo mundo acha que se você não for
ao Beleza Natural ou não usar permanente, seu cabelo é duro! Este é um termo
erradíssimo, mal usado e de péssimo gosto. Por favor, mudem de conceito. Cabelo
natural é lindo, dá trabalho (como qualquer outro cabelo), mas é seu. Não use o
cabelo natural por estar na moda e sim para construir sua própria identidade.
Hoje em dia a minha mãe, que não entendia sobre o cabelo natural, adora e ela
mesma mudou e aceitou o cabelo natural através da minha iniciativa. Achei isso
super importante e legal. Quando eu fui ao Brasil, em agosto desse ano, estava
no metrô e percebi que muitas pessoas estavam me olhando, tentando entender o
meu cabelo [risos]. Eu achei engraçado e até quase perguntei pra uma senhora o
motivo, mas depois pensei bem e achei melhor não. Na verdade meu cabelo é comum
como qualquer outro e as pessoas tem que ser mais abertas mentalmente e mudar
seus conceitos!
MBP: Quais produtos você usa aí e como é o acesso
aos produtos e serviços para cabelos naturalmente crespos?
IS: Como fiz minha transição e todo o processo no
salão Miss Jessie’s, uso os produtos de lá. São ótimos, mas um pouco caros. Aqui
é bem mais fácil achar qualquer produto para cabelo natural. O mercado é
bastante vasto e tem variedades para todos os tipos. Eu uso Baby Butter Cream ou Curly Merengue, cremes de pentear da
Miss Jessie’s. Uso Cantu Shea Butter
com bastante azeite de oliva misturado como creme de hidratação. Para
desembaraçar o cabelo debaixo do chuveiro, uso o Monoi Repair Mask, da Carol's Daughter. Também uso Super Slip Sudsy Shampoo e Jelly Software Curls, da Miss Jessie’s,
como se fosse um gel uso quando faço coque de ballet e para finalizar com um
brilho.
Ela é uma fofa e fotografou os produtos, gente! |
MBP: Como é a relação das mulheres negras com o próprio cabelo aí? Há muitas assumindo o cabelo natural? Como elas se comportam?
IS: Acho que de uns tempos pra cá muitas mulheres
começaram assumir seu cabelo natural. Elas têm blogs, sites e Instagram com todas
as informações para quem faz transição, sobre que tipos de produtos usar, penteados.
Há até grupos de pessoas que fazem reuniões e trocam ideias de como cuidar do
cabelo...
MBP: Quais seus planos pro futuro?
IS: Na verdade vivo um dia de cada vez. Planos pro
futuro ainda não tenho. Só quero dançar bastante... Também penso em estudar
psicologia na área da dança. Acho muito importante.
MBP: Queria saber que dicas você daria para mães
negras que tenham filhas que querem ser bailarinas e para as que já tenham
filhas no ballet
IS: Acho que o mais importante é que a criança
aproveite a fase de ser criança e que ela tenha o ballet como uma atividade e não profissão desde de cedo. Assim caberá
a ela decidir se é disso que ela gosta ou não. Acho que o incentivo é super
importante vindo da família. Sempre apoiar os sonhos dos filhos, por mais
difíceis que sejam. Ballet é bem
difícil, então o apoio da família e disciplina é essencial.
MBP: Sua palavra de incentivo enquanto mulher
negra, natural, bem sucedida e brilhante para mulheres negras brasileiras.
IS: Desde de que mundo é mundo, nós mulheres
aprendemos a cozinhar, lavar, passar, ter filhos, cuidar da casa e ser
sustentadas pelos maridos. Só que os anos passaram e nós queremos igualdade. Temos
que ser independentes, confiantes, com bastante disciplina e foco. Existirão
muito impedimentos no caminho que vão tentar desviar da meta, mas aí entra sua
responsabilidade de lutar pelo que quer e acreditar em você mesma. Não deixe se
abalar pela cor da sua pele ou pelo seu cabelo. Você é guerreira e poderosa.
Abaixo vocês podem ver um vídeo especial feito pela Ingrid, ensinando como fazer o coque de bailarina num cabelo crespo natural, outras fotos (lindas!).
No anúncio, Ashley, também bailarina da companhia |
Meninas da escola. Foto: DTH |
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Foto: GRN Photography - Gustavo Novais |
Foto: Ingrid |
Foto: GRN photography - Gustavo Novais |
Foto: GRN Photography - Gustavo Novais |
Foto: GRN Photography - Gustavo Novais |
Nossa, um dos posts que mais gostei. Ingrid você é lindíssima, parabéns!
ResponderExcluirQue bom, flor! Beijos crespos.
ExcluirMuito Obrigado!
ExcluirNão danço ballet, não sou do meio artístico, mas adorei a matéria.
ResponderExcluirParabéns!
Que bom! Obrigada por ler e comentar. Beijos crespos.
ExcluirAmiga, vc está um arraso e merece tudo de melhor... SEMPRE!!! Bjus
ResponderExcluirobrigado amigo fico feliz que voce gostou da materia da MBP.
ExcluirQue felicidade de ver minha amiga brilhando pelo mundo! torço muito por você sempre! sucesso, e parabéns pela matéria .
ResponderExcluirMuito obrigado pelo carinho!
ExcluirBelíssima matéria *-* Exemplo de vida!
ResponderExcluirFiquei curiosa: qual é o instagram dela?
É @ingridsilva, Carla. ;)
ExcluirQue coisa linda! Ela me inspirou mais ainda para trabalhar meu corpo e conseguir o que quero. Também sou bailarina, mas não tão boa ainda quanto ela, e sempre senti falta de ver bailarinas negras. Quando criança disse a minha mãe que nunca poderia ser uma solista porque não existe princesa negra. Cresci e me vejo na obrigação de ir atrás do que quero para ser feliz e servir de exemplo para as próximas bailarininhas!
ResponderExcluirQue linda, Dandara! Quer compartilhar sua história com a gente? Nosso email é blogmbp@gmail.com e gostaríamos de publicar lá na página. Beijos.
ExcluirQue d+ ... adorei a matéria :D
ResponderExcluirObrigada!
ExcluirQue post maravilhoso! Também faço ballet e sou a única mulher negra na minha escola. E sofri por uns meses pra fazer o coque por ter o cabelo natural. Hoje pra evitar transtornos já saio de casa com ele pronto e bem firme. Sucesso!!!!!
ResponderExcluirQue legal, Larissa! Conta sua história pra nós? Nosso email é blogmbp@gmail.com e gostaríamos de publicar lá na página. A inspiração não pode parar.
Excluiradorei! a matéria me lembrou quando eu tinha uns 4-5 anos e fazia ballet. E eu simplesmente odiava porque eu era a única "diferente" da aula.As meninas brancas me zuavam muito e pra mim era uma tortura e pedi pra minha mãe me tirar.Pra mim ballet sempre foi um trauminha HAAH mas cara,que bom que o tempo passou e vejo que há mudanças e que rola sim de uma negras ~linda por sinal ~ ser famosa e arrasar pelo mundo!
ResponderExcluirCom certeza! Podemos tudo. É isso que não esperam que a gente saiba. ;) Tomara que sua filha possa passar pelo ballet sem problemas e contando com sua inspiração, Jess.
ExcluirBeijos e obrigada pelo comentário.