COISA NOSSA - MÃES


       Minha mãe tem 50 anos e faz um mês que ela fez big chop. O cabelo dela estava detonado por conta de uma escova progressiva, daí ela resolveu cortar para ir num salão famoso que faz relaxamento aqui no Rio. Aproveitei a oportunidade para falar sobre cabelo natural. Já havia tentado conversar antes mas ela sempre me levava na brincadeira. Perguntei se lembrava da primeira vez que usou química e como era seu cabelo natural (eu nunca vi nem tinha ideia de como era). Pra minha surpresa ela ficou nervosa, ficou com gagueira, riu, mas um riso diferente, nada  engraçado, era como se ela estivesse tentando puxar da memória algo que ela já tinha deletado fazia anos, o riso era sua defesa, era um tipo de "nem ligo pra isso... faz tanto tempo!"
        Durante a conversa me revelou coisas que nunca havia imaginado que ela tinha passado. Coisas dolorosas para uma criança de 10 anos, que fizeram ela  orgulhar-se em ser uma mulher, casada com branco e ter uma filha "morena", de traços finos. Ela sempre dizia isso como se a herança genética do meu pai fosse o maior presente que ela me deu. Não fazia por maldade... Ela realmente achava que estava me fazendo bem.
        Aos dez anos de idade ela usou pente quente oficialmente pela primeira vez. Disse que desde os 8, 9 anos, esperava por esse momento, pois isso significava que não era mais criança. Abandonaria as tranças. Mulher adulta não usava tranças, tinha cabelos lisos. Foi um momento divino segundo ela e que saiu balançando as madeixas que voavam pela primeira vez
       Antes disso já havia alisado com as amiguinhas (escondida da mãe). Elas se reuniam no quarto para alisar, queimavam suas orelhas, testa, e saiam felizes. Tadinhas! Eram meninas... Isso me doeu muito. Doeu mais ao ouvir minha mãe falar, sem notar a gravidade, como se fosse algo normal, uma traquinagem de criança. Ela lembrou de um episódio em que o pente em brasa soltou do cabo e caiu nas costas da menina de 8 anos e a deixou  com feridas em carne viva.
       Perguntei sobre sua juventude. Ela disse que foi sempre de cabelos alisados: pente quente, tesoura Marcel, etc. A única vez que usou natural foi na época em que black power era moda, mas depois voltou as químicas. Desta vez usou a famosa pasta.
       Ouvi tudo isso com uma tristeza no peito. Por que só nós mulheres pretas temos que nos descaracterizar para ser aceitas? Por que temos que sofrer tão novas? Hoje mesmo eu a ajudei a fazer twist nos seus cabelos e apesar das brincadeiras de mau gosto de algumas pessoas da família, até mesmo do meu pai, ela continuará firme e eu segurarei na sua mão e juntas reconstruiremos essa história.

           Disse para ela que uma nova geração de mulheres esta se levantando e que esta geração  mostrará o que é ser bonita e feliz de verdade sem se anular, sendo feliz como Deus nos fez, e que isso tudo é herança da militância de anos de nossas irmãs pretas  e que daremos continuidade COM MUITO, MAIS MUITO AMOR.


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7 Responses to “COISA NOSSA - MÃES ”

  1. Lindo me emocionei e lembrei das minhas tias que recriminam o cabelo crespo e relacionamento com homens negros!!Triste mais tenho a certeza que tudo isso vai fazer parte de um passado!!!!

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  2. Nossa, que relato lindo... me emocionei porque vi na história dessa mãe a história da minha mãe também. Que lindo este apoio que a Angélica está dando à mãe. Hoje em dia ainda é difícil assumir o crespo, mas nem se compara a tempos atrás...
    beijos

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    1. Imagina essas mulheres de "tempos atrás" sendo confrontadas com as verdades, né?! É um processo extenso e intenso que fica nas nossas mãos. Beijos e obrigada por comentar.

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    2. Lauri a luta continua, essa semana minha mãe cogitou a possibilidade de ir naquele salão que citei, chegou até a ir la´fazer uam avaliação, mas na hora se lembrou das nossa conversas e não relaxou, estou tentando fazê-la entender o qnt aquele cabelo que está renascendo é importante.

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  3. Esta história faz parte de muitas famílias de origem negra. É um fato triste. Hoje eu entendo meu cabelo e entendo minha mãe que só alisou meu cabelo porque insisti muito. Pois ela preferia trançar minhas madeixas. Ela ficou super feliz quando na época da faculdade tentei usar meus cabelos como vieram ao mundo. Mas durou pouco eu não tinha muito a quem recorrer pois meus cabelos eram muito secos, mais secos que os dela (mais maleáveis é verdade).
    Ser natural é lindo, é ser você. Temos que nos conscietizar deste fato, e passarmos adiante. Sua mãe levou 50 anos para entender, que ótimo. Ela poderia morrer sem entender. como muitas já se foram. Obrigada por compartilhar esta parte da sua vida conosco Angélica.
    Bjs e força no afro também.

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