Começaremos a falar sobre a questão do cabelo crespo com uma visão biológica. Segundo estudos[1] a sua característica é de origem dominante, ou seja, aquele que se manifesta mesmo somente ele num par de cromossomos. Por essa visão a maioria dos brasileiros, especificamente, povo constituído devido a uma miscigenação, possui em grande parte pelo menos um quarto desse gene dominante que disponibilize essa característica mesmo que ela não se faça presente fenotipicamente (lembrando que há questões de relações e a genealogia das pessoas envolvidas, trata-se apenas de uma comparação abrangente em termo de dominância). Sendo assim, como se pode aceitar que algo dominante geneticamente falando torne-se contrariado fisicamente? Seriam as mídias, as pressões, a falta de tempo, a falta de autorreconhecimento? São muitas perguntas que dificilmente se responde diante de um assunto tão polêmico, ainda mais na área de educação, onde lidamos com crianças, jovens e adolescentes em formação e que essas perguntas estão cada vez mais fortes quanto à questão de se apresentar a uma sociedade onde as diferenças ainda são apontadas como excentricidade ou moda.
Tendo em vista a lei 10.639/2003 que torna obrigatório o ensino da
História e Cultura Afro Brasileira nas escolas
públicas e particulares, percebe-se que o quadro de profissionais não tem a
formação que abrange esse conteúdo e nem acesso a esse tipo de material para
ser aplicado em seus planos pedagógicos o que agrava a expansão dessa
historicidade no ambiente escolar onde a tendência quanto à discriminação do
cabelo crespo é nítida. E com a falta de conhecimentos básicos sobre os
cuidados com esse tipo de cabelo podem-se causar conseqüências como modificação
dos fios (através dos processos de alisamento, pranchas, ferro quente, etc...)
que causam sérios problemas de saúde e emocionais, em alguns casos, quando
nossas jovens são submetidas a esses procedimentos.
A saúde das que passam por esse tipo de química acabam
desenvolvendo alergias, ferimentos no couro cabeludo, queimaduras e quedas que
podem levar a área atingida a um dano permanente. Lembrando que em alguns
casos, quando não há acesso a esses recursos, raspa-se o cabelo da criança,
situação mais comum no caso dos homens do que das mulheres.
Em relação ao uso de ferros e chapas, além das queimaduras essas
causam um desconforto nas crianças, pois a sua durabilidade é curta,
necessitando constantemente de repetir o exaustivo processo de alisamento.
Diante desses trabalhosos procedimentos, o emocional da criança torna-se
fragilizado, pois ela perde o direito de conhecer mais sobre seu corpo e o que
ele lhe oferece e gera o sentimento de culpa por não ter nascido com o cabelo
que fosse prático e a não aceitação de suas características fenotípicas (cor,
pele, cabelo, etc.)
Por que a criança deve passar por uma série de procedimentos
capilares durante seu processo de crescimento se ela pode ter noção e
capacidade de escolher e tratar seus cabelos conforme se desenvolve? O processo
de transição envolve questões individuais e subjetivas. Além disso, trata-se da
questão familiar também, pois são eles que lidam diretamente com a parte de
conservação e cuidados do cabelo da criança até uma determinada idade.
Além disso, as escolas não costumam oferecer materiais que
permitam que as crianças negras se identifiquem como parte do meio em que estão
inseridas e costumam alegar que o cabelo crespo é visto como um cabelo
descuidado, propagador de doenças e insetos e que por isso devem ter um cuidado
a base de procedimentos químicos para que possam ser facilmente manipulados em
ambientes escolares.
Vale lembrar que há exceções quanto essas definições, mas é possível perceber
que a sua maioria ainda se faz desse argumento quando se trata de saúde e bem
estar dos cabelos, acrescento mais uma fala da professora doutora antropóloga
social, Nilma Lino Gomes, que serve de reflexão em cima de alguns argumentos
expostos: “É um processo
complexo, tenso e conflituoso e pode possibilitar tanto a construção de
experiência de discriminação racial quanto a superação do racismo”
O que pode ser feito para que o cabelo crespo seja respeitado e
devidamente valorizado por primeiramente por aqueles que o possuem e pela
sociedade que o julga de forma preconceituosa?
Não há uma solução, mas podemos amenizar essa situação de auto-aceitação com a
intervenção de grupos militantes em parceria com os projetos pedagógicos das
escolas, onde sejam feitas palestras, oficinas de cuidados, conservação e
formas alternativas de manter e valorizar o cabelo crespo como os turbantes, as
tranças e outros penteados que estejam ao alcance dos familiares para que assim
sirvam de incentivo para as crianças e jovens em sua busca de identidade e
aceitação. Vale lembrar que enquanto a lei 10. 639 não se cumprir de devida
forma, a intervenção de ONGs e projetos com o cunho pedagógico podem ser
utilizadas como forma de estimular conhecimento e pensamento na formação de
pessoas.
As tranças, em particular, são utilizadas de duas formas: prática
de cuidado com o corpo e rompimento com os estereótipos de cabelo descuidado e
sujo[2].
Esse comentário nos faz pensar na questão histórica, onde antes de
existirem os produtos químicos, equipamentos para alisar os cabelos eram com as
tranças que se tentava amenizar os apontamentos feitos pela elite e por uma
sociedade preconceituosa dentro de uma visão ocidental. Já nas origens
africanas, as tranças fazem parte de um rito de beleza. Essa questão das
tranças, dependendo da forma em que é inserida numa família negra, com a predominância
do cabelo negro, pode causar traumas a criança, devido a força que se usa ao
fazê-las, causando dores de cabeça e até machucados e que somente depois de
adultas passam a aceitar esse tipo de penteado em seus couros cabeludos devido
a variedade que são e as outras formas que são aplicadas no cabelo onde “as
múltiplas representações de uma sociedade racista influenciam o comportamento
individual”[3]. O que
deve ser analisado de forma individual, levando em
conta que cada família cultiva um tipo de crença e hábito em relação a
aceitação do cabelo crespo.
Deve-se considerar que soluções eficientes não se fazem de uma
hora para outra, até porque o racismo não será extinto de uma vez, é algo que
deve ser apresentado, discutido e aos poucos será compreendido como uma medida
que apesar de tardia poderia evitar situações dolorosas e constrangedoras para
as pessoas que passaram por ela. O resgate e a introdução da história da
cultura Afro-brasileira são necessários para que esses valores possam ser
repensados de forma coletiva e assim progressivamente tornar-se parte de um
cotidiano e não apenas como algo excêntrico e de resoluções temporárias (como
é visto em setores como o de moda e comportamento). A história dos nossos
ancestrais está constantemente sendo repassadas com apenas um olhar, do
colonizador, é mais que obrigação e parte do transmissor desse conhecimento que
é o professor procurar se aprimorar, repassando a visão dos que tiveram suas
histórias distorcidas e arrancadas de suas origens. O resgate de uma cultura de
suma importância para a formação do povo brasileiro deve começar pela sala de
aula.
[1] Informação retirada sobre
“Gene Dominante”: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gene_dominante
[2] Referência retirada do texto “Trajetórias
escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou
ressignificação cultural?” –
Nilma Lino Gomes – Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de
Educação
[3] Referência retirada do
texto “Trajetórias escolares,
corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação
cultural?” – Nilma Lino Gomes
– Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Educação
Ótimo texto. Quero conscientizar minha filha desde cedo, mas a própria família me critica. Essa é uma luta sem fim! :/
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