O ator e cineasta Zózimo Bulbul morreu nesta quinta
(24/01) aos 75 anos. Ele sofria de câncer e não resistiu a uma parada
cardíaca. Sua carreira havia começado nas peças do Centro
Popular de Cultura da UNE e se encorpou no cinema, no qual se tornou um dos
maiores expoentes da cultura afro-brasileira nas décadas de 1960 e 70. Estreou
em em 1962, em "Cinco Vezes Favela", um dos marcos do Cinema Novo. Atuou em mais de 30 filmes, incluindo clássicos como "Terra em transe", de Glauber
Rocha; "Compasso de espera", de Antunes Filho e "Grande sertão", de Geraldo
Santos Pereira.
Chacrinha chamava Zózimo de "o negro mais bonito do
Brasil". Em 1969, se tornou o primeiro negro a ser protagonista de uma
novela brasileira, "Vidas em Conflito" da TV Excelsior. Tal fato fez com que
a censura da ditadura militar vetasse a novela. Aproveitando-se da polêmica, o estilista Dener
convidou Zózimo para desfilar, tornando-o o primeiro manequim de uma grande
grife brasileira. "Fui capa de revista, um sucesso! Só que não me conformaria
em ser um ator vazio", contava.
Em 1974, estreou como diretor com o curta "Alma no
Olho", uma reflexão da identidade negra por meio da linguagem corporal. Zózimo
aproveitara os negativos que sobraram do filme de Antunes Filhos para rodar seu
curta-metragem. Os integrantes da censura achavam que a obra tinha tom
"subversivo" e o chamaram para depor. "Alma no olho" foi inspirado em "Soul
Ice", de Eldridge Claver, líder dos Panteras Negras, grupo radical
norte-americano dos anos 60/70. Seu filme mais conhecido, no entanto, é um
documentário de 1988 intitulado "Abolição", com entrevistas de personalidades
sobre o centenário da abolição. Seu trabalho tinha como foco a luta contra as
desigualdades, cultura africana e da diáspora.
Em 2010, a convite do governo do Senegal, Zózimo
fez o média- metragem "Renascimento Africano", que mostra o país nas
comemorações dos 50 anos de independência. Fundador do Centro Afro Carioca de Cinema que,
realizou no final do ano passado o 6º Encontro de Cinema Negro
Brasil/África. Uma das últimas entrevistas que concedeu foi para
documentário em produção do cineasta americano Spike Lee. Em novembro, comentou
como transcorreu a conversa: "Tinha morado em Nova York quando a ditadura
apertou por aqui. Fiz muitos contatos, que sempre me ajudaram na organização
dos festivais de cinema. Spike esteve no Brasil e o único cineasta brasileiro
que quis entrevistar foi a mim. Porque ele sabia do meu comprometimento com os
irmãos africanos e em fazer com que o cinema seja ferramenta de luta."
Zózimo já estava enfraquecido pelo câncer que
enfrentava havia alguns anos. Falava com dificuldade. Estava muito atento ao
noticiário e enalteceu a figura do presidente do STF, Joaquim Barbosa, na
condução do julgamento do mensalão. "Que maravilha de atuação. Impôs-se com rigor e
inteligência como não se via há muito."
Zózimo e Spike Lee |
Com essa trajetória admirável Zózimo deixa muitas
recordações. "Um dos momentos mais marcantes ao lado de
Zózimo foi quando ele me chamou em sua sala no Centro afro Carioca de cinema e
me perguntou se eu gostava de bala. Achei a pergunta estranha, mas disse que
sim. Ele então disse com seu sorriso largo e afável que havia pedido ao Tadeu
para comprar um monte de balas porque naquele dia iria realizar um sonho de
infância. Zózimo falava de um baleiro daqueles giratórios que ele tinha mandado
fazer. Tadeu chegou com as balas, logo depois chegou o baleiro. Ficamos Zó, Tadeu
e eu dando risadas e comendo as balas. Zózimo me ensinou muitas coisas, vi muitos filmes
ao seu lado, muitos mesmo. Aprendi de tudo com ele, mas o que mais aprendi foi
que é preciso sonhar e que sempre é hora de encher o baleiro novamente, que
sempre é hora de sentir o gosto doce que a vida pode nos proporcionar." Fernando Barcellos é Diretor do Grupo de teatro
"Os Arteiros", Ator e cineasta. Conheceu Zózimo aos 18 anos e entre
outras produções, trabalhou a seu lado no Festival de Cinema Negro realizado
pelo Centro Afro carioca de cinema. "Bem,
sobre Zó só tenho a falar em sua dedicação ao cinema negro, em formar grupos de
jovens para sua continuação e da sua vontade voraz em querer trabalhar com
jovens sobre sua arte. Zózimo
sempre foi um visionário e eu sempre o admirei por isto, sobre a sua criação do
Afrocarioca de cinema e naquele espaço fazer encontros diversos para jovens e
adultos que tinham vontade de saber mais um pouco desta arte do cinema e em
especial com este olhar enegrecido. Trabalhamos
profundamente com intuito de trazer as escolas públicas e privadas, projetos
sociais, grupos, instituições , coletivos de estudantes negros, movimento
sociais, para nossos encontros para formação e estímulo deste cinema negro
protagonizado por atores e atrizes negras, diretores e diretoras negras com
intuito de trabalharmos auto-estima, a lei 10.639 no caso das escolas. O
sucesso deste trabalho foi muito por conta da insistência do Zózimo e acreditar
naquilo que ele sempre fez muito bem. Zózimo
Bulbul , um grande homem negro, um mestre em sua arte. Merece nossos
respeitos."
Alma no olho:
O papel e o mar:
Bia Onça é formada pela Ufrj, pertence a Associação
Aqualtune de Mulheres Negras e trabalha no Centro Afrocarioca de Cinema.
Histórias para serem registradas em nossas mentes e almas
ResponderExcluirMuito triste! Eu acho que, provavelmente, ele vai ser homenageado no proximo documentário do Spike Lee - "Go Brazil Go".
ResponderExcluirSomente uma observação: acho que no Brasil deveríamos ter uma lei que determine um mês da história negra semelhante ao Black History Month, com isso, iremos ensinar/relembrar grandes personagens da diáspora Africana: Zózimo Bulbul, Abdias do Nascimento, João Cândido, Luís Gama e etc. O problema é que o ensino fundamental/médio público foca muito em Zumbi do Palmares e esquece de grandes lideres abolicionista.
ResponderExcluirMeninas, o blog é maravilhoso! Recomendo a todos.
Fiquei meio sem chão quando soube da noticia da partida do Zózimo Bulbul, depois pensei ele descansou...enfim, lembro muito de seu sorriso largo e sua alegria de colocar os jovens a lutar e pensar que mesmo com grandes dificuldades temos que botar mesmo o pé na porta e lutar contra as discriminações e o racismo. Eu particularmente fiquei muito tocada, pois fui da última turma de oficinas de cinema no Centro AfroCarioca de Cinema Negro, tivemos uma convivência além de apenas estar todos os dias no encontro de Cinema Negro de todos os anos, sou frequentadora assídua desde o segundo encontro de cinema. Nossa, muitas histórias...mas consegui conviver um pouquinho mais com o meu João Cândido favorito( personagem que Zózimo fez em vários filmes...)e também no seu aniversario de carreira pedi bença. Que vá em paz grande Guerreiro Mandinga!
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