A entrevista da semana é com Ana Gomes. Educadora há anos da rede municipal de ensino, ela nos concedeu a honra de conhecer a Escola Municipal Alberto Rangel na Cidade de Deus, onde atua como coordenadora pedagógica.Atenta às questões étnicas presentes no ambiente escolar, ela nos conta um pouco sobre sua vivência profissional.
Ana: Meu nome é Ana Cristina Gomes, mas
sou mais conhecida como Ana Gomes. Tenho 52 anos. Amanhã faço 53 anos. Nasci no
Rio de Janeiro, no Lins. Passei parte da minha infância na Tijuca. Na adolescência
me mudei para Jacarepaguá.
MBP: Há quanto tempo você trabalha na
rede municipal de ensino?
Ana: Entrei em 1985. Trabalho há 28 anos
na rede.
MBP: Há quanto tempo você trabalha aqui
na Cidade de Deus?
Ana: Na CDD já trabalhei inúmeras vezes
e em várias escolas. Trabalho na CDD desde 1991. Vim pra essa escola em 2004
como coordenadora pedagógica.
MBP: Quais são os desafios em trabalhar
em um escola dentro de uma comunidade?
Ana: Todos. Todos os desafios. O grande
desafio de trabalhar na comunidade, de trabalhar com adolescentes, é você achar
que tem o poder
da transformação.
Esse poder não está em mim e nem em nenhum de nós, mas o grande desafio é você
realizar uma atividade/ação onde aquelas pessoas se sintam fortes e elas
consigam trabalhar essa autorregulação e o crescimento da comunidade. Quem sabe
o que essa comunidade precisa pra se transformar é a própria comunidade. Se eu
não moro nela, acho que o grande desafio é esse: Não achar que está em mim esse
poder de chegar e mudar tudo. Nosso papel, como corpo estranho, como dizia
Paulo Freire, é de estimular a leitura transformadora, propiciar uma outra
leitura de mundo. A partir dessa outra leitura de mundo, a comunidade pensa no
que eles vão construir pra eles, para aquela comunidade.
MBP: Qual o número de alunos da escola?
Atende qual segmento?
Ana: A escola atende o ensino
fundamental II (6º ao 9º ano). Temos 450 e poucos alunos.
MBP: Qual é a etnia predominante dos
alunos da sua escola?
Ana: Predominante 80% é de pretos e
pardos. Então a gente pode dizer que 80% são negros se a gente utiliza aquele traço
do IBGE que negros são pretos e pardos.
MBP: Como você avalia a construção da
identidade étnica hoje nos alunos da sua escola e qual é o papel da escola
dentro disso?
Ana: Acho que tem algumas coisas. Cidade
Deus é uma questão muito especial. São meninos e meninas lindos. Eles possuem
uma autoestima e uma consciência de si no que diz respeito ao aspecto físico
bastante forte. Os cabelos estão sempre bem cortados e tem sempre uma novidade
no cabelo. Eles cortam, fazem uns desenhos.. Os meninos sempre aparecem com
novidades aqui..... mais até do que as meninas.
MBP: Por que você acha que as meninas
não aparecem com essas novidades no cabelo?
Ana: Ah, porque ainda tem o mito de que
tem que alisar, né? Nem sempre alisar dá certo. Muitas mantêm o cabelo
relaxado, que é uma coisa bacana, mas manter esse cabelo relaxado envolve
determinado custo, bem diferente do menino que vai lá e corta o cabelo e faz um
penteado. É diferente de manter um tratamento químico. O tratamento químico
para ter um resultado, ele é caro. Muitas ficam nessa dúvida do alisar. A
questão mais profunda não é a questão da identidade, é a questão da autoestima.
Você sabe que você é negro pela quantidade de melanina e características
físicas. A autoestima significa gostar de você da maneira que se é. Esse é o
diferencial e é aí também que entra a escola. Você só constrói a autoestima no
momento que você devolve pra eles alguns outros valores em relação à história
negra, em relação ao papel da população negra na sociedade, devolvendo para os
alunos a história, o entendimento de quem foram/são. Todo nosso processo
civilizatório é totalmente pautado na sabedoria negra. Assim os alunos ficam mais fortalecidos...
MBP: Em que medida os professores estão
preparados para fazer esse movimento de devolver a história para os alunos com
objetivo de fortalecer a autoestima deles?
Ana: Os professores não têm reserva.
Sempre que pergunto: vamos trabalhar isso? Vamos trabalhar aquilo? Não existe
resistência. Esta escola de uma maneira geral, é bastante receptiva. Meus
professores nunca chegaram pra mim e falaram que não entendiam a pertinência de
trabalhar esse tema. A gente encontra mais resistência no aluno, tanto por
questões da religiosidade, como dá questão da vergonha, o “negro envergonhado”.
Por isso é importante falar sobre as discriminações. Se não falamos sobre elas,
não colocamos pra fora, elas ficam escondidas e continuam crescendo, crescendo.
De maneira geral, a gente não tem muitas dificuldades em falar sobre essas
questões.
MBP: Quais são as ações práticas que
vocês desenvolvem na escola para fortalecer a identidade dos alunos?
Ana: A prática é sempre através da
Literatura, aumentando nosso acervo relacionado a isso. Ano passado nós fomos
presenteados com duas coisas maravilhosas: uma contadora de histórias que só
trabalha com essa temática. Nessa ação, envolvemos a escola inteira. Nós
tivemos também um oficineiro que nos presenteou com o Wilson Rabello que trabalha
com a peça Carolina de Jesus, do lixo ao
luxo. Ele veio umas cinco vezes e apresentamos também para escola inteira. Usamos
muito nossa sala de leitura. A gente usa o calendário também, pois é legal para fazer reflexões sobre as datas e
trazer a temática da identidade. Por exemplo, o 8 de março. Trabalhamos com a
questão da mulher, mas também a questão da mulher negra. Sempre que a gente
pode vem alguém fazer um debate, passamos filme. A atividade MAIS PRÁTICA é não
relaxar sobre a discussão da identidade.
MBP: Lá fora tem um mural com o Joaquim
Barbosa. Qual foi a motivação?
Ana: A motivação foi o 20 de novembro. Teve uma atividade
feita na escola, na sala de leitura e a professora trabalhou com a figura
do Joaquim. Isso é legal sobre devolver
a história para os alunos, fazemos um movimento de olhar pra trás e pra frente,
construindo referências. Não tem como "passar batido por Joaquim Barbosa". Ela
não é ator, não é jogador de futebol e se construiu como trabalhador.
MBP: Mudando de assunto..rs. Há quanto
tempo você tem cabelo natural. Como foi essa história?
Ana: Eu sempre fico achando que eu vou
fazer os dreads. O tempo inteiro fico achando que vou fazer, pois acho bonito. Acho mulher
madura linda de dread ! Pra
fazer o dread tem que parar de usar química.
MBP: Você usava química?
Ana: Fiz relaxamento várias vezes. Então
passei a fazer um bem leve, um desses de farmácia. Até que decidi que não
queria mais fazer.
MBP: E por que?
Ana: Na verdade é isso: Eu quero fazer
os dreads! Meu principal objetivo é esse, fazer os dreads. Eu acho lindo com
turbantes... E essa história de que a química me faz muito mal. Eu nem pinto o
cabelo, pois tenho uma baixa resistência a ela. Acho bonito também quando você vê seu
próprio cabelo.
MBP: O que você acha que poderia ser
feito, de forma prática, para incentivar as meninas a terem o cabelo natural?
Para deixar elas mais confiantes?
Ana: De verdade, eu não sei. Você
esbarra com todo um olhar da sociedade, com toda uma referência de
beleza na qual a mulher negra está pouco incluída. A gente começa a estar um
pouco mais incluída nesse padrão de beleza, mas a mulher negra ainda está pouco inserida.
Ainda se usa a química e principalmente o alisamento do cabelo para ter mais status.
Ainda é preciso trabalhar a autoestima. Talvez se a gente fizesse umas oficinas
de beleza para cabelos crespos. Por que quando algumas oficinas de beleza vêm para
escola, as oficinas vêm com a proposta da transformação, de alisamento.
MBP: Existe isso, oficinas de beleza na
escola?
Ana: Sim, algumas empresas oferecem pra
comunidade.
MBP: Pra finalizar Ana, o que significa
ter cabelo crespo pra você?
Ana: Ah...Ter cabelo crespo é bom. É
muito bom. Bom mesmo.
Adorei a entrevista!!Parabénss meninas!!
ResponderExcluirAna Gomes é minha referência!!!!!
ResponderExcluirParabéns pela matéria, meninas.
Virei fã de Dona Ana Gomes!
ResponderExcluirParabéns pela entrevista meninas, muito boa!
Adorei a entrevista. Ter o que perguntar à quem tem o que responder é coisa maravilhosa! Parabéns!
ResponderExcluirMumu Silva
www.blogdomumu.com