BIA E EU.




    Um dia desses, na minha casa, de manhã. Tinha acabado de lavar o cabelo e estava executando o ritual de pentear enquanto atualizava o Meninas. Um tempinho antes nós encontramos a necessidade de falar mais sobre o crespo de crianças e fiquei inquieta por não conhecer muitas fontes que sirvam de base. Pensei no tanto de tempo e de luta que ainda teremos pra construir um mundo justo que receba bem minhas filhas, com produtos e informações suficientes para abrigar as vastas cabeleiras que elas terão.

   Enfim, estava nessa de refletir com depoimentos, me inspirar nas imagens e amar meus cachinhos naturais em crescimento, quando apareceu uma visitinha (no sentido mais fofo da palavra) de cara amassada, crespinho arrepiado, estranhamente perfeita àquela hora da matina. Deu um pulinho aqui pra ver desenhos e comer biscoitos antes de partir pra escola, com uma mochila que parece bem maior que ela. Bia, filha da minha vizinha e amiga de infância. Quase três anos de idade, cabelo crespo intacto. Foi esse pingo de gente que ampliou meu pensamento até meus dias de infância, quando eu, minha irmã e a mãe dela tínhamos cabelos naturais e lindos, enormes e volumosos, tão enroladinhos quanto o dela. Em que parte da história a gente se deixou alterar? Olhei pra Bia e tive medo. Será que seus cachinhos sumirão também? Não pode ser! A mãe dela está na fase dos cortes, eu e minha irmã retomamos a rotina natural, mas doeu muito chegar até aqui. Quantos anos nadando contra a melhor maré.

   Vi minhas filhas nela. Também não quero que elas tenham esse tipo de reflexão um dia. Não quero que a Bia lamente o crespo perdido quando tiver 18 e um cabelo alisado que não se parece nem de longe com ela. Só há uma solução: conscientizar agora, já que prevenir é melhor que remediar. E foi assim. Acessórios e roupas coloridas das "tias tortas", câmeras na mão e vamos lá. De repente Bia se tornou a modelo da gente e saiu de uma simples sessão de desenhos pra outra, de fotos no jardim. Dia de sol bonito no quintal e ela parecia uma das flores. Rosa alegre, cachos fechados. Tudo vivo, crescendo. Muitos minutos contando pra dos nossos cabelos, elogiando o cabelo dela, pedindo poses e que nunca alisasse, conversando num dialeto que só ela entende.

   Hora da escola. Desmontamos a produção com alguma resistência, mas ela entendeu que precisa ir pra crescer e ser um crespo pensante. Pra aula, com o cabelo penteado numa miniatura de puff, cheia de cachos na ideia, um tantinho mais consciente dela mesma e de nós todas, pronta pra desenhar a igualdade que a gente quer alcançar. E a mensagem que fica, Meninas: não alterem suas "Bias", não façam o mesmo que fizeram com vocês e tantas outras. Crespo é lindo, sim. Somos lindas como somos. O passo fundamental pra um mundo onde o nosso olhar sobre nós seja bonito e saudável é construir nos pequenos cérebros de hoje a melhor imagem que eles possam ter deles mesmos. Contem histórias, comprem flores, coloquem cores, inventem tranças. Deixem crescer livres! Cultivem! Mudar a história é coisa nossa. 



This entry was posted on 18/09/2012 and is filed under ,,,,,,,,,,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

5 Responses to “BIA E EU.”

  1. Que texto mais lindo, gente!

    Então, vou contar aqui a história da minha priminha, Bella, que mora na Bahia. Lembro dela bem pequena, com um cabelão lindo, brincando de cabelereira aqui em casa. Virou pra mim e disse: "Fernanda, minha mãe falou que, quando eu tiver 15 anos, vou poder alisar o cabelo". Eu na época estava numa batalha para voltar ao meu cabelo natural, me escandalizei. Disse pra ela que o cabelo era lindo daquele jeito, e que eu queria ter o cabelo como o dela. Ela achou estranho.
    Hoje a Bella tem 13 anos, mora muito longe de mim, mas pelo face já vi que está com o cabelo bem alisadinho, no meio das costas. É parecida com todas as outras meninas da idade dela. A mãe dela também escova o cabelo no salão toda semana - então acho que funciona como um espelho mesmo. É muito complicado para uma menina adolescente não querer ser "bonita", ou seja, igual a tudo o que ela vê, tudo o que a cerca. A gente precisa mudar isso.

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  2. Gente a Bia é lindaaaaaaaaa! Parabéns pelo texto =)

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