Conheci a música linda de Luedji Luna (ouçam: Dentro Ali)
quando estava passando pelo momento mais difícil da minha vida, a passagem de
minha mãe. Em versos como "Caso esteja por vir/me reconheça ali/em um domingo
de sol/ou um dia qualquer/ apareça!" Luedji me acalentou com sua sonoridade
intimista e carinhosa, com sua voz tranquila e malemolência baiana e me
acalmou como poucas vezes senti ao ser tocada por alguma canção. Luedji é
pura poesia e na entrevista que segue vocês poderão conhecer um pouco mais
dela.
MBP - Quem é Luedji Luna?
LUEDJI - Eu sou
Luedji Luna, filha de Adelaide Santa Rita e Orlando Santa Rita, neta de Maria
da Paixão Santa Rita e Eliezer Santa Rita, e de Eutália de Jesus Gomes e
Lorival de Jesus Gomes. Mulher, preta, baiana, cantora e compositora.
MBP - O que te levou a escolher a sua
profissão?
LL - Eu não escolhi a música, foi ela quem me escolheu!
MBP - Como foi o caminho da sua graduação? LL - Foi um caminho árduo, porque foi um caminho de negação do meu próprio
caminho. Eu não estudei música, não me formei em música, negava a música a todo
custo, a custo da minha própria saúde mental, emocional, espiritual, eu jamais
seria cantora, eu jamais viveria de música, isso não estava dentro do projeto
político e de vida dos que me antecederam, por essa razão eu passei numa
universidade pública, fui uma boa aluna, e fiz um curso tradicional, mas aquilo
que tem de ser tem muita força. Hoje eu sou!
MBP
- Como se deu a descoberta da sua negritude?
LL
- Eu
acredito que a descoberta da minha negritude é um processo, ela é uma
descoberta contínua, porque temos muita coisa do racismo pra desconstruir, e
ainda há muito o que se curar. No meu caso, eu acredito que essa descoberta se
deu na medida em que eu comecei a me posicionar politicamente, a agir no mundo
nesse sentido, foi com a militância, a negritude é um ser/fazer. Eu nunca tive
crise de identidade, nunca me vi como uma mulher branca, ou quis ser uma, sou
de uma cidade onde mais da metade da população é negra , que se sabe negra, e
que cultua essa raiz, sou filha de pais militantes, que me deram um nome
africano, portanto, ser negra, e saber-me negra nunca foi um dilema, a
descoberta da minha negritude acontece na medida em que começo a me
colocar e interferir no mundo a partir do lugar de mulher negra, na medida do
que posso, e do que sei fazer, que é arte. O que eu quero dizer com isso é que
ser negro, e se reconhecer como negro, numa sociedade como a nossa, racista,
genocida e segregadora, não basta pra ser negro.
MBP - Quem são as pretas e pretos que te inspiram?
LL - Minha
mãe Adelaide Santa Rita, meu pai Orlando Santa Rita, minha tia Rita Santa
Rita, Vilma Reis, e na música Nina Simone e Tiganá Santana.
MBP - Quem é aquela mulher preta que você conhece e quer que o mundo conheça
também? LL - Tatiana Nascimento. mulher, preta, lésbica, militante, e a poeta mais
sensível que eu já conheci.
MBP - Na sua trajetória profissional o quanto avançamos e o que ainda temos que
avançar? LL - Na música é muito comum ver a mulher negra no lugar da sambista, e isso é
maravilhoso. Pra mim cantar samba é uma missão, uma espécie de chamado mesmo; mas o samba é também, de certo modo, um lugar imposto, é onde a mulher
negra pode ter êxito e reconhecimento na carreira como cantora, muito pouco
se fala das cantoras negras não sambistas, nossos ícones da MPB /Jazz/Bossa Nova são todas brancas, enquanto que Alaíde Costa, Zezé Motta, Daúde e tantas
outras, são cantoras (algumas dessas também compositoras), sequer lembradas ou têm o reconhecimento que merecem. É desafiador ser cantora,
negra, não sambista, e intérprete das próprias canções... Vanessa da Matta,
Ellen Oléria, Larissa Luz, Anelis Assumpção são cantoautoras negras dessa
geração que me mostram um caminho possível... Sigo!
MBP - Como
você lida com a sua estética negra? LL - Eu me cuido com óleo de coco da cabeça aos pés, gosto de óleo de amêndoa
também pra o corpo, uso óleo essencial de patchuli e perfume alfazema. É todo
cuidado estético que eu tenho, rs.
MBP - O que é representatividade pra você?LL - Representatividade, no contexto que a gente vive, numa sociedade capitalista,
onde quem detém os meios de produção, os meio de comunicação, onde quem ocupa
os espaços de poder são pessoas brancas, é importante sim! Uma Thaís Araújo
na TV, um Lázaro Ramos, e um Obama na presidência é importante sim. Parece
que vivemos em um mundo que não é nosso, porque ele é hegemonicamente branco
em todas as instâncias, nesse sentido, se ver representado no outro nos dá
sentido de existência, e isso é muito. Mas é preciso pensar além, é preciso
que a gente comece a construir nossos próprios espaços, e não ficarmos tão
limitados a essa ideia de representação. Eu
vejo a representatividade como um passo, uma estratégia, não o fim.
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