SER PRETO

por Victor Soares
Foto: Projeto Ah, branco, dá um tempo!
      Sou eu mais um exemplo do povo brasileiro: filho de imigrante preto e mãe branca, menos pigmentado, cabelo crespo... Enfim, alguém como a maioria esmagadora da nossa população. No Brasil, ter a pele mais clara possibilita alguns benefícios dos quais poderia usufruir se me identificasse como branco. Somos muitos pretos "facultativos", "pardos" e outras classificações com nomes estranhos que só existem aqui.
      Tenho a pele clara o suficiente para já ter sido chamado de branco na vida, ignorando meus traços, cabelo e origem. A miscigenação trouxe um conflito de identidade no brasileiro que foi educado com a premissa de "branco é bom, preto é ruim". Se você é uma mistura dos dois é enquadrado na bizarra paleta de cores do moreno claro, jambo, mulata (palavra horrível), onde quanto mais escuro você é, mais você vai sofrer.


Foto: Projeto Ah, branco, dá um tempo!
      Então, por que me declaro preto? Sou mais claro, poderia simplesmente raspar a cabeça e passar "despercebido". Passei a minha infância de cabelo raspado, afinal, menina crespa alisa e menino crespo raspa, só para atender aos padrões daquela sociedade que transforma maioria em minoria.
       Como a maioria pode ser oprimida? No meu ponto de vista, o motivo é que a maioria preta desse país não se vê como tal. É fundamental a luta dos coletivos (como as maravilhosas MBP), grupos e instituições pelos direitos e o empoderamento dos negros. Eu me declarei homem preto no trabalho e me disseram: 
— Não, você é moreno! Pois na cabeça deles é absurdo alguém escolher ser preto quando teria a opção de não ser.

Foto: Projeto Ah, branco, dá um tempo!

     Chamo a atenção pelo meu cabelo crespo, ouço piadas preconceituosas e insinuações porque não me encaixo nos padrões esperados para um engenheiro numa grande empresa, mas sigo em frente, estou na linha de frente, mais um homem preto em um corporativo e engravatado mundo branco.
       Estamos chegando lá, mano, somos reis e rainhas. Ah, se quiserem cortar meu cabelo, já tenho a resposta na ponta da língua afiada. Agora que descobri ser rei, não venha querer tirar minha coroa. Agora que nos deram voz, não vamos mais nos calar.

Saiba mais sobre o tema: 
Blogueira Negra - Colorismo: quem decide?

* Victor Soares, autor convidado, é um homem preto, formado em Engenharia Civil e pós-graduação em Logística. Jogador de basquete nas horas vagas.

This entry was posted on 19/05/2016 and is filed under ,,,,. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

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