por Élida Aquino
Foto: Yagazie Emezi |
Pensar em como vivenciamos nossas questões psicológicas,
sentimentais e seus desdobramentos me atravessa com frequência há um tempo. Acontece
quando percebo que nossos corpos continuam à margem da atenção e cuidado entre
meus estudos e experiências com o sistema de saúde; clicando em #meuamigosecreto
e identificando relações abusivas de muitas espécies se repetindo; nas nossas conversas de fim de semana. É mesmo uma
tarefa pesada raciocinar e falar das fragilidades, de como as coisas nos atingem e roubam a vitalidade. Demonstrações de "fraqueza" são
atitudes pouco esperadas de nós, mas vejo hoje que a cura está em entender,
compartilhar e, por fim, receber apoio para enfrentar e superar o que fere.
Não é
difícil enumerar motivos: o Mapa da Violência 2015 conta que a quantidade de mortes entre nós cresceu absurdos; nossos parceiros,
pais, irmãos e etc. também morrem mais e morremos junto, indiretamente; mesmo que nosso crescimento acadêmico e profissional seja
inegável, continuamos mal remuneradas e rechaçadas nos ambientes de trabalho; cotidianamente
estamos expostas aos atos racistas/machistas/sexista; sentimos e falamos de uma
solidão afetiva real. São só exemplos de uma lista tão extensa quanto nosso
espaço de vulnerabilidade. Lidamos com dores trazidas pela condição de ser
mulher negra através da vida. O mais preocupante é que muitas, até as com mais
alcance científico, evitam pensar nelas, não conseguem assumir e menos ainda compartilhar.
Parece (e estou quase afirmando) que tudo nos rouba o direito de dizer que está
doendo, que é demais, que não aguentamos enquanto nos pedem pra "dar conta do
recado".
Foto: Yagazie Emezi |
O texto Parem de dizer às mulheres negras que sejam fortes me
apresentou à psicóloga, mulherista e teóloga Drª. Chanequa Walker-Barnes e ao
livro Too Heavy a Yoke: Black Women and The Burden of Strength ("Um Jugo Pesado
Demais: Mulheres Negras e o Fardo da Força", em tradução livre). Nele, ela analisa o que é ser "mulher negra forte" e diz que é estratégia de resistência para
combater imagens negativas baseada em resistência emocional,
estabilidade em qualquer situação, sempre cuidar de tudo e todos ao redor, garantir que é independente. Tudo isso protege da ameaça da desvalorização,
mas também impede expressões autênticas e acesso à intimidade necessários para
a saúde social e emocional. Chanequa expõe o que temos tanta dificuldade de
assumir: temos sido artificias com a gente e com nossos sentimentos. É nessa
busca pela força a qualquer custo, perfeição, resistência até nas situações de
maior pressão, que desenvolvemos doenças graves, depressões profundas, esquecemos como nos apegar, temos medo de nos entregar afetivamente e até
perdemos a vida. O martírio de resistirmos além dos limites e em silêncio só
para parecermos fortes, bem-sucedidas e acima de qualquer crise, é suicídio.
Foto: Yagazie Emezi |
Eu e as
outras integrantes do Coletivo Meninas Black Power somos privilegiadas... Podemos
chorar, lamentar e até gritar sem preocupações. Nossas experiências e
questionamentos nunca parecem insignificantes entre nós e sabemos bem: dor é sempre dor e, se dói, vamos ajudar a curar na coletividade. Ao longo desses três anos aprendemos a a
admitir quando precisamos de ajuda, por exemplo. Temos sido lapidadas na
arte de dividir pesos e confiar. É libertador! Faz parte de nós a condição
de estarmos interligadas.
Quando penso sobre todas nós e nossas
relações com situações que geram momentos dolorosos, me pergunto (e já respondo)
quem escreveu essa cartilha que nos ensina a fazer três vezes mais para provar
valor. Por quanto tempo estaremos
apegadas a essa percepção distorcida de força? Convido todas para ser e fazer
lugares seguros onde depositar os pesos com a certeza da e receber apoio. Vamos
refazer as regras e preferir ser plenas ao invés de simplesmente fortes.
(Post escrito na companhia de Get It Togheter - India Arie. Ouçam e leiam a letra.)