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Depois de
um bom intervalo estou de volta. Vamos continuar nossa conversa sobre cabelos
crespos a partir de uma perspectiva masculina. No primeiro post, que pode ser lido AQUI,
vimos como há uma percepção generalizada e equivocada que o cabelo em geral, e
crespo, em particular, é uma preocupação apenas feminina. Farei hoje uma
imersão na temática dos cabelos crespos partindo dos anos 1940 e chegando aos
1990. O pano de fundo para a análise será a cultura popular afro-americana e
sua influência no Brasil.
Entre os anos
1960 e 1970 o cabelo crespo dos negros foi elevado a símbolo de orgulho racial
e resistência por afro-americanos num processo impulsionado por movimentos como
o Black Power (Poder Negro) e o Black Panthers Party (Partido dos
Panteras Negras). Entretanto, não foi um mudança fácil já que o afro naquele período era visto como um
sinalizador de rebeldia e recusa de integração racial, algo à época valorizado
e almejado pelas classes média e elites afro-americanas.
A
estética do alisamento ou relaxamento dos cabelos era um procedimento
incorporado em boa parte dos negros da diáspora negra. A crítica cultural bell
hooks possui um texto muito bonito e interessante descrevendo o papel social do
alisamento entre as mulheres negras estadunidenses (leia AQUI). No que diz respeito ao gênero masculino, nunca li nada
parecido. Sim, nós homens alisávamos e
ainda alisamos o cabelo apesar desse look
estar um pouco ultrapassado nos dias de hoje.
Dias
atrás folheava um catálogo de uma exposição com fotografias da vida do músico
de jazz Miles Davis e lá estava ele nos idos dos anos 1940 e 1950 com o cabelo
alisado. Malcolm X, em sua época de atividades ilícitas, também alisou. Essa
passagem é satirizada pelo cineasta Spike Lee em seu filme sobre a vida do
líder negro. X, que naquele período ainda atendida pelo codinome “Red”, está no
meio de uma alisamento quando percebe que a água do apartamento havia acabado.
Procurando por um lugar para enxaguar o cabelo antes que o produto queimasse
seu couro cabeludo, ele enfia a cabeça na privada, único lugar com a água
disponível. Nesse mesmo instante a polícia invade o apartamento para prendê-lo.
Mesmo com
as demonstrações de orgulho dos anos 1960 alisar o cabelo não deixou de ser uma
prática estranha a homens e mulheres negras nas décadas seguintes. Alguns artistas
de renome nunca deixaram de fazê-lo. Um exemplo é o Padrinho do Soul, James
Brown. Nos anos 1980, porém, os topetes esticados deixaram de ser tao atraentes
e foram substituídos por uma espécie de relaxamento que deixava o cabelo mais
leve, encaracolado e com volume. Um visual similar ao cantor Lionel Ritchie no
vídeo da canção All Night Long de
1983.
Um filme
que imortalizou uma sátira a esse tipo de cabelo foi Coming to America (Um
Príncipe em Nova York), de 1988. O elenco contava com Eddie Murphy, no papel principal, Arsenio Hall, Samuel L. Jackson, Cuba Gooding
Jr. e Enriq La Salle (foto de abertura do post).
Esse último interpretava o papel de Darryl Jenks, namorado de Lisa McDowell
(Shari Headley) e filho de um empresário que produz um creme umidificador, o Soul Glo (imagem abaixo). O cabelo de La
Salle e o umidificador são alvos de constantes piadas durante todo o filme (assista
um trecho divertido AQUI). Esse
estilo de cabelo permaneceria até o início dos anos 1990 como um look bastante aprazível para nós homens
negros. Basta dar uma olhada para os cantores de soul e R&B desse período ou lembrar do visual de Ice Cube no clássico Boyz N The Hood, dirigido por John
Singleton em 1991 (veja o trailer do filme AQUI).
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No
Brasil, a história não foi muito diferente. Diga-se pelos inúmeros produtos
disponíveis no mercado desde a década de 60 como Henê Marú, Alisabel, Nivea e o
amaldiçoado Jennifer Black, que teve seu momento de glória no início dos anos
1990. A propósito, o JB foi responsável
nessa época por deixar meus cabelos e os de vários patrícios secos,
quebradiços, sem vida e vermelhos sem contar a possibilidade de surgimento de
feridas em decorrência de queimaduras causadas pelo produto. Mas a década de 90
não foi apenas de desgraça para nossos cabelos.
Em 1990,
a gravadora Zimbabwe lançou o álbum Holocausto Urbano do grupo de rap
paulistano Racionais MC’s. Para além do conteúdo político das letras dos raps
de Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, que versavam sobre violência policial,
racismo e outras mazelas sociais, chamava atenção a estética dos rapazes. Na
foto de capa do LP todos tinham os cabelos raspados e se vestiam de preto. Os
MC’s dos Racionais seguiam uma tendência que já havia se popularizado entre
alguns artistas de rap e atletas afro-americanos daquele período,
principalmente jogadores de basquete como Charles Barkley, Magic Johnson e
Michael Jordan. Mas o uso de cabelos raspados ainda era tabu e algo estigmatizado
no Brasil uma vez que ele estava associado à instituições de internamento penal
e/ou psiquiátrico.
A popularidade
dos cabelos negros naturais e sem alisamento entre jovens nos Estados Unidos
estava associado a ascensão de grupos de rap mais afrocêntricos como A Tribe Called Quest, Jungle Brothers, X Clan, Arrested Development e outros que se vinculavam ao
nacionalismo negro como Public Enemy.
Os penteados variavam entre as versões negras do flat top, as falhas e entradas feitas com navalha, desenhos e
inscrições de nomes e letras no cabelo também produzidos com navalha além dos
ainda bastante estigmatizados dreadlocks.
Flat top no rapper Big Daddy Kane (sentado) |
No
Brasil, porém, o que mais se popularizou nos anos 1990 foi o cabelo raspado.
Algum tempo depois as tranças e os dreadlocks
foram incoporados no estilo de jovens mais ousados. A expansão do cabelo
raspado por aqui foi tamanha que ele passou a ser apreciado por sambistas,
jogadores de futebol e outras personalidades negras masculinas que de forma alguma
questionavam o status quo como os MC’s
dos Racionais. Defendo o argumento que a popularização e aceitação do cabelo
raspado entre esse grupo se dava também por “resolver” o “problema” do cabelo
crespo para o grupo masculino.
Ou seja,
diferente da aceitação e exibição do cabelo crespo vistas no flat top e, posteriormente, nos dreadlocks e tranças variadas, raspar o
cabelo significava retirar a carapinha da visão pública, domá-la através da sua
eliminação periódica. E mesmo os argumentos em favor do cabelo raspado que se
baseavam em noções de higiene e praticidade alocavam simbolicamente o cabelo
crespo no grupo dos cabelos “sujos” ou “problema”. Nesse sentido, raspar a
carapinha significava se render a um certo higienismo simbólico que apagava as
marcas de inferioridade e estigma trazidas pelo cabelo crespo, algo que já
discutimos no primeiro post.
Lembrem-se de nossos queridos patrícios famosos Vin Diesel e Ronaldo Fenômeno
novamente.
Prometi
ser sucinto, mas não consegui. Se você
agüentou ler o texto até aqui, fico agradecido. Comentários são bem-vindos. Em
nosso terceiro e último post da série
veremos a situação atual dos cabelos crespos entre nós homens. Haverá uma
surpresa também. Até lá! Muita
Paz, Muito Amor!
gosto muito....estou aprendendo portugues...sou dos estados unidos e gosto de leer coisas assim...muito obrigado
ResponderExcluirNós agradecemos o comentário! Beijos.
ExcluirPost rico em informações, ficarei aguardando o próximo parabéns
ResponderExcluirLi o artigo pq estou buscando argumentações que sustentem minha intenção de manter o cabelo grande. Sou negro e estou cansado de ter sempre q cortar o cabelo bem curto, a impressão q tenho é q meu cabelo precisa ser mantido sob controle, mas pq? quem disse q preciso "esconder" meu cabelo? meu cabelo não é um incômodo. pq tenho q cortar ou alisar os cabelos se quiser mantê-los grande? valeu, parabéns e obrigado pelos esclarecimentos.
ResponderExcluirQue bom que foi útil, Jorge. Obrigada!
ExcluirSim, eu já raspei meu cabelo duas vezes... é algo triste, foi um pedido de basta, a primeira foi pela dificuldade de cuidar dos cachos, pois antes de aprender que não precisava molhar-los todo dia, acordava as 4 da manhã para dar tempo de secarem naturalmente, fiz isso durante 4 meses, a outra foi para remover a quimica, e enfim, aceitar como são, eu, até meus 16 anos, nunca soube que meu cabelo era cacheado! Nem minha mãe, nem ninguém, pois meu cabelo era liso até os 12, e depois que começou a ficar volumoso, fazia quimica mensalmente! Quando resolvi assumir-los, enfrentei muitos comentarios como: " Vocês fez permanente?"" seu cabelo fica melhor liso! " , " O que aconteceeeu? " , e etc etc, mas hoje em dia, agora que me aceito e apresento confiança POR SER QUEM SOU no olhar, é apenas elogios e perguntas sobre como eu cuido, e até faem habitos que odeio, como pedir para tocar haaha, tocar em cachos é sentença de morte!
ResponderExcluirApartir de hoje serei leitor fiel do blog!