EMICIDA É "NÓIZ"

  Que o rap é manifestação cultural preta, todo mundo está sabendo (ou devia estar). Mas quantas vezes ele foi feminino, tomando as dores das mulheres pretas e guerreiras, sem ser cantado por elas? Quantos "manos" das "quebradas", conhecidos ou não, levantaram bloquinhos, canetas e as vozes para colocar as "divas do gueto" em lugar de honra ao invés de objeto manipulável. Eu ouço rap, e os conscientes sempre me fizeram feliz. São muitos e me fazem refletir muito. Em contrapartirda, os inconscientes me fazem pensar se um dia conseguiremos coesão através do "mic na mão", rimando bastante pra liberar os cérebros. Li ontem o desabafo de um cara que chegou aos ouvidos do povo pra quebrar as percepções e construir uma coisa novo, coisa que só ele sabe. Foi uma feliz surpresa. Emicida compartilhou o pensamento engasgado e repetido por muitas (e muitos) de nós sobre a personagem Janete, do programa Zorra Total. A gente não se faz de coitada ou vítima, como é bem comum ouvir por aí quando assunto é racialidade e autopercepção, mas o caso é tão gritante que não tem como negar, meu povo. Preconceito puro, dos grandes, transmitido em rede internacional e consumido sem nenhum pudor por todo mundo. Fato é que "o" cara não poderia ser mais coerente e objetivo, de um jeito que só o bom rap (e quem o faz) consegue ser. Leiam logo abaixo se ainda não leram, sintam-se representadas. Ele é a rua, o rap, nossos crespos, a "quebrada". É "nóiz".

"Voltei do jantar agora a noite e a van, dessas moderninhas que tem televisão e tudo mais, estava transmitindo Zorra Total. Já havia visto uma vez alguma manifestação, talvez através do Geledés, que aquele personagem que estereotipa a mulher negra suburbana era extremamente racista e contribuia fortemente com a desvalorização (maior ainda?!?!?) da mulher preta em nossa sociedade (e olha que é dificil conseguir desvalorizar mais ainda a mulher negra em nossa sociedade). Elas recebem menos, tem suas características físicas criminalizadas por uma ditadura eurocêntrica de beleza (isso se aplica aos homens pretos também), são abandonadas, representam uma porcentagem monstruosa das adolescentes grávidas e das mães solteiras, das que não conseguem um (bom) emprego e quando conseguem retornam cansadas ao sábado a noite para suas humildes casas para ser alvo de um quadro extremamente racista onde são humilhadas por um programa de humor (que nem engraçado é pra começar, Zorra total é ruim pra ***) no maior canal de televisão do país. Estamos em um momento delicadíssimo na história do Brasil. Discute-se sobre o racismo na obra de Monteiro Lobato, cria-se um plano de prevenção à violência contra a juventude negra, porém um ataque contra a etnia que mais trabalhou por este país passa despercebido desta forma, como uma piada, o mesmo tipo de piada que foi hospederia durante todos estes séculos da doença que é o racismo (e só o dono da dor sabe o quanto dói), em um Brasil que tornou crime o racismo (vitória!) mas conseguiu humilhar cada um dos que um dia tentaram denunciar algum caso de discriminação racial (derrota!) tornando sua própria lei uma irônica punhalada que faz o sangue preto, rico em sofrimento, continuar correndo invisível por nossas ruas. Deixo aqui meu desprezo a este "humorista" que aproveita-se da triste situação em que esta sociedade doente colocou nossas mães/irmãs/esposas/amigas. E maior ainda é minha tristeza com nossos irmãos pretos/brancos/índios que não conseguem identificar tamanha violência racial adentrando suas casas. Muita força às mulheres pretas, as nossas lindas mulheres pretas! Jamais se esqueçam de onde vem os diamantes, mulheres pretas!

Emicida.
A rua é nóiz."




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2 Responses to “EMICIDA É "NÓIZ"”

  1. O Emicida pra mim é uma ponte de diálogo. Ele tem um alcance maior do que outros grupos bons de Rap, mas nem por isso deixa de dar o recado. Admiro mt esse rapaz.

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  2. ótimo texto.
    lamente que as pessoas ainda assistem esse programa aí.

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