Recentemente publiquei um desabafo lá na página. Na ocasião, lembrei de mim e muitas outras que já haviam passado por algo semelhante durante a vida escolar. Posso afirmar: é excelente evoluir, "dar a volta por cima" e desenvolver esse amor incondicional por nós e pelo que somos, mas existem agressões que marcam profundamente e quase sempre lembramos delas. A história que conto, gira em torno da aflição de Damali enquanto acompanhava o sofrimento da irmã mais nova, por conta das declarações de uma racista em formação (e não me digam que "racista" é adjetivo pesado pra uma adolescente que coloca a conversa num nível assim, ok? Ela reproduziu a fala que já conhecemos desde sempre, só que numa versão hightech). Damali escreveu: "... Cheguei em casa e ela estava toda amuada no sofá. Fui perguntar o que estava acontecendo, aí ela me disse que está sendo incomodada por uma garota no colégio por causa do seu cabelo, que a tal garota costuma chamar de "bombril" e derivados. Ela me contava e chorava dizendo que queria ter cabelo liso pra nunca mais ter de passar por isso de novo e me mostrou uma postagem dessa garota no twitter..." A situação foi piorando e a tal menina racista não demonstrou culpa, remorso, arrependimento ou o mínimo de temor diante da proporção gigantesca que a situação tomou (já que, felizmente, muitas pessoas compreenderam que era gravíssimo!). 
       Pensamos no que pra oferecer encorajamento pra enfrentar situações tão desconfortáveis. Nada melhor que exemplo! Por isso convidamos três Meninas Black Power que são inspiração pra nós. Gabi, que atualmente arrasa nos episódios de "Tá Bom Pra Você?"; Lorena, que sempre dá uma força lá na página; Luiza, que já é referência de resistência e mobilização do bem na escola dela. Elas estão no ensino fundamental, vivendo a adolescência e vão compartilhar vivências numa conversa super MBP. Ah! Antes de ir ao que interessa, vale lembrar que racismo não é bullying. Todo preconceito é ruim, mas é fato que racismo está pra além de um preconceito qualquer. Agora sim, a parte boa. Que a experiência dessas rainhas ajude toda Menina Black Power que estiver precisando de força!

MBP - Olá, Meninas! Vamos começar com as apresentações? Como vocês se chamam, quais as idades e em que série estão?
Gabriela - Gabriela Dias, 14 anos, oitavo ano do ensino fundamental.
Lorena - 
Meu nome é Lorena, tenho 14 anos e também estou no 8
° ano.
Luiza - Luiza Santos Morais Cantanhede, 12 anos, 7° ano.

MBP - Ótimo! A gente quer saber como é a família de vocês e como eles se relacionavam com seu cabelo durante a infância. A opinião deles influenciou na maneira como você enxergava o cabelo e o dos outros?
Gabriela - Minha família é super unida e meus pais são muito presentes. Sempre conversamos sobre as questões sociais, principalmente a questão racial, daí a ideia de criar o "Tá Bom Pra Você?". Minha mãe sempre me ensinou a gostar do meu cabelo e isso fez com que eu tivesse orgulho de ser black.
Lorena - Bem, minha mãe tem cabelo cacheado mas alisa. Durante minha infância, antes de começar a usar produtos químicos, nunca tive problemas em relação ao meu cabelo, mas as pessoas sempre falavam que ter cabelo crespo era ruim.  
Luiza - Minha mãe sempre me ensinou a aceitar o meu cabelo do jeito que é e nunca ouvir desaforo de ninguém. Uns vão adorar e outros com certeza vão detestar, mas eu faço por mim. Errado é se eu mudar pra agradar.

MBP - As escolas de vocês interferiram nessa relação com o cabelo e beleza de maneira positiva ou negativa? Vocês já passaram por casos de racismo lá ou já viram outras pessoas passando por isso?
Gabriela - Negativa. Creio que toda adolescente negra sofre no ambiente escolar. Eu mesma já pedi para alisar meu cabelo algumas vezes, não por achar bonito cabelo liso,mais para não sofrer discriminação (que às vezes vem dos próprios professores!). Nasci na Venezuela e estudei lá ate os 11 anos de idade. Eu era a única menina negra da minha escola e todas as meninas da minha turma tinham cabelo muito liso! Eu sofria muito. Minha mãe sempre conversava (ou melhor, brigava) com os pais e professores, mas criança aprende o racismo dentro de casal. É muito difícil controlar isso sem a ajuda da sociedade em geral. Também já vi acontecendo com outros várias vezes. Quase sempre a pessoa discriminada ri e leva na brincadeira. Depois, lógico, desiste de deixar o cabelo natural. Até mesmo meninas que usam química molham o cabelo a cada minuto só para reduzir o volume. É horrível!
Lorena - No meu caso interferiu de um jeito ruim, sabe? Depois que comecei a  frequentar a escola, passei a usar ele preso ou com tranças, pois tinha vergonha do meu cabelo. Todo mundo tinha cabelo liso! Nunca  presenciei outras pessoas nessa situação, até porque são poucos que vejo que assumem seus cabelos .
Luiza - Pra falar a verdade minha escola não liga muito para esse tipo de assunto, viu? Eu nunca passei por esse tipo de situação, mas conheço muita gente que já... Vejo quase diariamente. Tenho muitas colegas que sofrem com apelidos preconceituosos por causa do cabelo crespo. Uma delas até chegou a pedir para que a mãe fizesse transferência escolar.

MBP - E as químicas? Já usaram?
Gabriela - Comecei a usar química com 11 e parei aos 13 anos. Eu usava relaxamento para reduzir o volume do meu cabelo. Olhava revistas, programas, e me achava estranha com meu cabelo...
Lorena - Minha avó me levou ao salão com 7 anos. Ela disse que meu cabelo ficaria melhor e mais bonito. Parei de usar química aos 12. Odiava ficar horas e horas no salão... O que me fazia gostar de química era achar que ficaria mais bonita de cabelo liso e que todos iriam achar também.
Luiza - Nunca usei química! Meu cabelo é natural desde sempre. Acho que não sou diferente de ninguém por ser negra e ter cabelos crespos.

MBP - Quantas histórias! O que fez vocês voltarem ao cabelo natural?
Gabriela - Comecei a ver mulheres da minha família deixando o cabelo natural. Minhas primas, tias, as namoradas dos meu primos... Aí comecei a me sentir cafona, sem graça, feia, e me libertei. Estava no meu quarto olhando fotos das mulheres da minha família e me senti horrível! Saí do quarto, fui ao banheiro, peguei a tesoura e falei pra minha mãe: "Corta tudo, pelo amor de Deus!" E olha que eu estava com cabelo enorme. Foi escolha minha e eu sabia que já estava feio. As mulheres da minha família sempre falavam: "Ah, Gabi! Você vai ficar linda com o cabelo black!" Não é que fiquei mesmo? [risos] Me acho linda! 
Lorena - Depois de vários anos usando química e quase ficar careca por conta disso, quando cortei o cabelo e retirei a parte lisa, decidi não fazer mais nada no cabelo. Deixaria como ele é. Antes usei tranças por uns 2 meses e depois não fiz mais nada. Decidi ser quem eu sou.

MBP - Como vocês se relacionam com vocês mesmas agora? Como enxergam seus cabelos, beleza e negritude?
Gabriela - Eu amo meu cabelo e estou me achando muito mais bonita do que antes. Pelo fato de ter cortado e deixado natural, hoje em dia sou muito mais consciente enquanto mulher negra.
Lorena - Hoje em dia, me comparando com as fotos de quando eu tinha cabelo alisado, me acho mais bonita e me sinto ótima com meu cabelo. Sinto que sou eu mesma.
Luiza - Sou linda do jeito que sou. Gosto muito de usar acessórios no cabelo e de chamar atenção com isso.

MBP - Com o cabelo natural e opinião mais afirmativa sobre vocês, como é o círculo de amizades e o convívio social na escola? 
Gabriela - Muito bom! Tenho várias amigas, mas sou a única que usa o cabelo natural. Muitas delas ainda têm aquele medo de tirar a química. Às vezes a própria mãe não deixa tirar a química, né? Conheço meninas que querem parar de alisar, relaxar, mas as mãe não deixam.
Lorena - Sou a única garota com cabelo natural na escola; ou seja, sou alvo de piadas e brincadeiras sem graça em relação ao meu cabelo o tempo todo. Mesmo assim não dou importância.
Luiza - A maioria das minhas amigas usam química, alisamentos mais intensos, mas não me tratam diferente de ninguém.

MBP - E com os meninos? Como é relação? 
Gabriela - Não tenho namorado, mas os meninos da minha sala gostam do meu cabelo e me acham bonita. Mesmo assim percebo que os meninos elogiam as meninas negras, mas preferem sempre ficar com as meninas brancas.
Lorena - Os meninos sempre preferem as garotas dentro do "padrão de beleza". Sempre debocham do meu cabelo, colocam apelidinhos idiotas, mas meu namorado ama meu crespo e me acha linda sendo natural.      
Luiza - Sou muito nova para namorar, mas os meus amigos se dão muito bem comigo e com meu cabelo.





MBP - Meninos... E a escola em geral? Como acontecem as discussões sobre racismo? Acontecem?
Gabriela - Poucas vezes isso aconteceu na minha escola e quando acontece sempre quem aborda o assunto sou eu. Os outros alunos não falam nada. Os professores não gostam de falar sobre a África, aliás. Só na "semana da consciência negra".
Lorena - Na atual não, mas em outras escolas que já estudei os professores sempre promoviam um diálogos sobre racismo. Lembro de um vídeo que meu professor de História passou, um vídeo sobre o racismo*, onde quem era o alvo de racismo era a pessoa branca de cabelo liso.
Luiza - Umas das coisas que mais me revoltam é isso! Nada é dito na minha escola. Nunca houveram palestra e nem diálogos sobre o assunto.

MBP - Estamos quase acabando, mas antes queremos saber as dicas de vocês para alguma menina que esteja enfrentando problemas na escola por causa e características que possui.
Gabriela - Tenho várias! Leiam o livro "Um defeito de cor"**. É da Ana Maria Gonçalves. Também inscreva-se no canal ''Tá Bom Pra Você?'', curtam a página Meninas Black Power e tirem o Alisandro da vida. [risos]
Lorena - Seja você mesma, mesmo que falem mal. Não dê importância para opinião alheia.
Luiza - Não ligue para a opinião dos outros. Apenas seja você mesma.

MBP - Pra acabar, vamos de "pensa rápido". Digam aí, uma mulher negra que inspira vocês.
Gabriela - Kenia Dias, minha mãe.
Lorena - Tina Turner.
Luiza - Renata Morais, minha mãe!


MBP - Produto que mais gostam de usar no crespo.
Gabriela - Linha TRESemmé para cabelos cacheados.
Lorena - Gel, deixa meus cachos mais definidos.
Luiza - Creme de pentear Kanechom.

MBP - Acessório ou penteado que mais gostam.
Gabriela - Gosto de fazer tranças nagô e adoro usar turbante!
Lorena - Laços e tiaras.
Luiza -  Os laços da Lulu e Lili, marca da minha mãe.


MBP - Um momento super especial que já tiveram com o crespo.
Gabriela - Quando cortei o meu cabelo e tirei toda química. Foi muito legal! Minha madrinha ficou a tarde toda cuidando do meu cabelo e minha mãe e minha prima me enfeitaram. Foi uma festa!
BC da Gabi
Lorena - Quando uma moça que estava me atendendo no supermercado elogiou meu cabelo.
Luiza - Toda vez que recebo elogios.

MBP - Ser Meninas Black Power é...
Gabriela - Ser diva.
Lorena - Ser você mesma.
Luiza - Ter paciência e atitude.

Pra rir  se inspirar: 
                         

** Download do livro no link.



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12 Responses to “ ”

  1. Adorei os depoimentos! Meninas super maduras e seguras de si! Inspiradoras! Beijos a todas!

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  2. Que coisa linda essas meninas! Quisera eu ser criança/adolescente agora... nasci em 1980 e passei uns 20 anos sendo chamada de todos os nomes por causa do meu cabelo e, paralelamente, sofrendo com alisamentos que nunca chegavam no ponto que eu queria: o de me tornar aceita pela turma. Acabei me destacando em outros aspectos e isso ficou meio abafado, mas a marca eu tenho até hoje, a lembrança é sempre ruim.
    Aproveito para compartilhar com vocês esse texto que eu fiz sobre o meu processo de "desalisamento" e relembrando um pouco disso - espero que ajude outras meninas! http://rochido.wordpress.com/2013/09/26/a-reuniao-dos-alisados-anonimos/

    Beijos!

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  3. Meninas iniciei minha caminhada rumo ao Meu cabelo Natural em agosto de 2013. Tudo começou com minha filha de 7 anos que dizia querer um cabelo como o meu, relaxado,escovado e pranchado. Parei, refleti e me perguntei !O que estou passando para minha pequena? Meu cabelo não é assim." Fui então em busca do meu cabelo onde estava? Há mais de 40 anos tenho me apresentado com as madeixas maquiadas, disfarçadas... Onde eu estava, como realmente é o meu cabelo? Recorri a um alongamento com um cabelo extremamente crespo e fui aos poucos me adaptando, eu queria me encontrar... Após 4 meses de mega, resolvi tirar e fazer o meu Big Chop, foi algo muito bem pensado, estou quase careca , mas FELIZ!!!! Sei que meu cabelo cresce super rápido e amo cuidar deles. Todos aqui estranharam, e não haveria de não estranhar, nasceram me vendo com as madeixas maquiadas (tenho dois filhos de 19a e 20a) . Vou seguindo a caminhada e me descobrindo a cada dia. Pretendo enviar algumas fotos de meu cabelo e de minha filha que está aprendendo dia a dia que o crespo é lindo!!!!!!!!!!!!
    Amo vocês!!!!Obrigado pela força e incentivo que oferecem as jovens de todo o Mundo.
    LUZ,BENÇÂOS E MAGIA
    Ana Laura (Araraquara-SP)

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    1. Que bom que passou pela descoberta, Ana! Obrigada pelo comentário!

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  4. LINDAS! Dá orgulho de ver <3

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